sábado, 23 de dezembro de 2017

Dos «privilégios» da função pública face ao emprego no privado

No contexto da discussão do OE de 2018 e do descongelamento das carreiras da administração pública, o setor mais sacrificado pelo «ajustamento», ressurgiu o discurso sobre os privilégios dos funcionários públicos face aos do privado. A propósito dos professores, por exemplo, Lobo Xavier, referiu-se à existência de «dois sistemas»: o sistema «onde as pessoas podem fazer greve, fechar as escolas e pedir que o decurso do tempo lhes acrescente vencimentos» e o das «pessoas que sofrem desemprego (...) e que só progridem por mérito». Na mesma linha, Marques Mendes considerou que «para o país ligado ao Estado, parece que a austeridade acabou», ao contrário do «outro país, o do setor privado, dos trabalhadores por contra de outrem, dos trabalhadores independentes», que não viam «essa melhoria».


Um primeiro equívoco tem que ver, como mostra o gráfico, com a evolução do mercado de trabalho nos últimos anos. Ao contrário do que Marques Mendes supõe (ou prefere pensar), o setor público encolheu bastante mais que o privado. No período mais pesado do «ajustamento» (2011 a 2013, em valores homólogos para o 4º trimestre), o emprego na administração pública caiu -7,3%, bem acima da redução registada no privado (-3,8%). O mesmo sucede nos dois anos seguintes de vigência do anterior Governo, isto é, entre 2013 e 2015: enquanto o emprego privado regista já uma recuperação de +2,9%, o emprego público permanece em queda (-2,3%). E se analisarmos a variação homóloga para a média dos três primeiros trimestres, entre 2015 e 2017, a recuperação do emprego é mais significativa no privado (+5,5%) que no público (+1,9%). Não por acaso, aliás, a percentagem de emprego público no total da população empregada passa de 18,5% em 2012 para 16,4% em 2017.


Um segundo mito sobre os «privilégios da função pública» tem que ver com a ideia de que no privado se verificam menos progressões e promoções que na administração pública. Ora, um estudo recente do INE sobre empresas privadas mostra que, em 2016, 56% promoveram trabalhadores sem funções de gestão e que 45% das empresas atribuíram prémios de desempenho (metade a mais de 80% dos trabalhadores com funções de gestão e também metade a mais de 60% dos trabalhadores sem funções de gestão). Isto num ano em que as progressões da função pública e a materialização dos resultados das avaliações de desempenho continuavam congeladas. Tratando-se de um inquérito inédito, não sabemos o que terá acontecido no setor privado em anos anteriores, mas não é despropositado considerar que se tenham registado valores idênticos (pelo menos em 2015).


As diferenças salariais são uma terceira ideia de senso comum sobre o alegado desfavorecimento do setor privado face ao público. Nesses termos, os trabalhadores do Estado, tendo melhores salários (e sendo esses salários pagos por todos os contribuintes), sairiam injustamente beneficiados («vivendo à custa do privado», para usar a linguagem da mesa de café ou daqueles programas em que o Camilo Lourenço participa, sempre sem contraditório). Sabemos, porém, que os patamares salariais em Portugal refletem, em ampla medida, os diferentes níveis de qualificação escolar. Em 2015, por exemplo, a remuneração média de um trabalhador com o ensino superior era muito próxima dos 2 mil euros, sendo a de um trabalhador com o ensino secundário quase metade e a de um trabalhador com o ensino básico inferior a metade. Ora, considerando estes valores, e comparando a distribuição das qualificações no público e no privado (gráfico aqui em cima), percebe-se melhor a razão de ser das ditas «diferenças salariais».

Não se pense contudo que estes dados devem servir para colocar os trabalhadores do setor privado contra os do público (ou vice-versa). Essa é a lógica da direita que nos governou e que está hoje na oposição. E quanto a ela, não deixem de ler o recente artigo de Pacheco Pereira, sobre «o amor da direita radical pelos trabalhadores do setor privado». Perceberão melhor porque é que a ideia é sempre a de «puxar para baixo» (aproximando os padrões laborais do emprego público aos do privado), e porque é que esta direita - que não é social-democrata nem democrata-cristã - se opõe sempre, todos os anos, à subida do salário mínimo nacional.

46 comentários:

Vitor disse...

Os privilégios da função pública face ao privado baseiam-se no facto de a taxa de despedimentos ser mínima ou inexistente. Durante a crise de 2011-2016 muitos quadros foram despedidos e nunca mais retomaram os níveis de rendimentos que tinham antes da crise. Sem dúvida que os principais prejudicados pela crise foram os trabalhadores do privado que foram despedidos, muito mais do que os da função pública, e a meu ver esses trabalhadores, especialmente os que têm carreiras contributivas longas mas ainda estão longe da reforma deveriam ter medidas no sentido de lhes repor os rendimentos.

Outra grande diferença entre o privado e o público é o facto de no público raramente ser necessário entrar em litígio com o patrão para se auferir os salários devidos, dias de férias, dias de baixa etc. Penso que um dado interessante poderia ser a comparação entre os dias de baixa no publico e no privado.

Pedro disse...

Mais de metade dos trabalhadores do privado promovidos no ano passado e quase metade receberam prémios ?

Mas isto é o paraíso dos trabalhadores ?

Como é óbvio alguém está a meter água...

Anónimo disse...

O algodão não engana

O neoliberal " victor" quando ouve falar na FP ameaça puxar logo da pistola.

Um Post bem apropriado e bem documentado como é timbre de Nuno Serra

Geringonço disse...

Lobo Xavier e Marques Mendes têm tanta autoridade em falar de mérito como Passos Coelho tem a falar de trabalho...


"e porque é que esta direita - que não é social-democrata nem democrata-cristã -"

Nem social-democrata, nem democrata-cristã e nem democrata pois o projecto neoliberal é inequivocamente um projecto anti-democrático.

Anónimo disse...

o pedro atrás do vitor, o vitor atrás do aónio, o pimentel ajuda o pedro, este não resiste e assim se desdobra o mesmo em vários. uma no cravo pra martelar a coisa outra na ferradura para estilhaçar. técnica rasca e fraquinha.

Anónimo disse...

e andam por aí mais e outros vómitos surgirão nos desdobramentos. cá estaremos para lhes denunciar as manhas.

Anónimo disse...

Um pequeno detalhe desse estudo: Não foram consideradas empresas com 5 ou menos trabalhadores.
Portanto é preciso ter cautela.

Anónimo disse...

Uma realidade paralela de quem tem familiares ou interesses na função pública.
Comparar os trabalhadores do sector privado, que estão sujeitos aos projectos, e muitas vezes á arrogância e ao humor dos empregadores com esta massa indefinida de pessoas que são funcionários públicos, somente no nome, pois governam-se bem com folgas, férias e salãrios em geral favorecidos, é uma falácia bastante descarada.
Assim como os ditos gráficos, que são bonitos no papel, mas nada tem a ver com a luta que é a relação laboral, cercada pela instabilidade, pelas manobras administrativas e muitas vezes pela falta de respeito aos direitos trabalhistas básicos.
Somente o medo e a necessidade de sobrevivência faz os homens honestos trabalharem nestas más condições. Que o digam os trabalhadores da PT, dos Correios e outros que agora sentem o amargo sabor do sistema privado.
E este se põe na confortável janela dos privilegiados a observar os que passam, pois estes não desfrutam de aumentos automáticos, férias alargadas e baixas coniventes.
E pouco sabem o que é estar em uma posição onde o despedimento só ocorre em uma situação excepcional.
Todo funcionário público no período de trinta anos de trabalho, constrói a sua vida.
Os que estão no sector privado, alguns... E são uns sacrificados.

Anónimo disse...

Demagogia pura. A verdade, meu caro, é que no privado o erro é pago com o despedimento. Na função pública é, praticamente, impossível esse despedimento. O que gera uma função pública desequilibrada e pouco adequada. Por outro lado, o privado gere-se com meios próprios, com pouco ou nenhum apoio do estado. É por isso esta conversa é plena de demagogia. Mas, sim... Os ricos que paguem a crise... Só é pena que se ache que esses são os privados. Pobre país este que tem gente a pensar assim...

Anónimo disse...

Ó Aonio/João pimentel Ferreira, de novo por aqui?
Então os Victor e os Pedro mão chegam?

Demagogia pura é pouco. Aldrabice da pesada, mais os nicks falsos a fazerem-se de lucas.

Tal como a privada a singrar pelos seus meios próprios. Então não? Com as suas rendas, os benefícios fiscais, uma legislação laboral feita para o patronato, o pagamento da dívida privada feita por privados e a ser paga pelo erário público, as privatizações ruinosas, etc, etc, etc

Mais um "riquinho" a singrar pelo meio da manipulação

Nuno Serra disse...

Caro Vítor,
Creio que os «despedimentos» propriamente ditos contam pouco para explicar o que aconteceu ao mercado de trabalho português nos anos do «ajustamento». O que esteve essencialmente em causa foi a destruição de postos de trabalho (decorrente, nomeadamente da falência de empresas). E, desse ponto de vista, o saldo parece-me claro: perderam-se proporcionalmente mais postos de trabalho na função pública que no setor privado.
Basta pensar nos postos de trabalho que se extinguem (por não serem renovados) quando um funcionário público se reforma, ou na redução de contratados no Estado (veja-se o caso dos professores, convidados de resto, pelo então primeiro-ministro, a emigrar).
De facto, se pensarmos nestes termos, de destruição (ou extinção) de postos de trabalho (e não em termos de «despedimento» em sentido estrito), o balanço é o que os números nos dão: o impacto do «ajustamento» foi superior no setor público (como evidencia o facto de o emprego público no total ter vindo, gradualmente, a diminuir)

Miguel Madeira disse...

Não acho que os quadros das promoções sejam muito relevantes - aquilo que as pessoas que acham que os FPs são privilegiados referem são as ditas promoções por antiguidade (isto é, o que no setor privado se chama "diuturnidades"; e que na FP é na verdade chamado de "progressões", não de "promoções"...), logo é isso que tem que se demonstrar que há em grande quantidade no privado (trabalhadores a receber diuturnidades), não "promoções" ou "prémios de desempenho".

Jose disse...

Alguém já viu 'tolerância de ponto' no privado?
O que impede o Estado de marcar um dia de férias para o Natal?
Nada, a não ser o desprezo pelo dinheiro do contribuinte e o dar mimo à função pública.

Lowlander disse...

"Alguém já viu 'tolerância de ponto' no privado?"

Sim. Nao sendo tao frequente como no publico, nao e incomum. Especialmente a partir de postos de chefia media.

Vitor disse...

Caro Nuno Serra,
Agradeço a resposta e acho interessante a sua perspetiva. Agradeço também o trabalho que teve na construção do seu artigo fundamentado em dados.
Contudo do meu ponto de vista a destruição de um posto de trabalho pode ou não implicar um “despedimento propriamente dito” como refere. Concordo consigo quando diz que também no Público existiram situações de “despedimento propriamente dito” e refere os professores contratados.

Do meu ponto de vista a diferença entre a destruição de emprego e o despedimento em sentido estrito é que o despedimento em sentido estrito levou a uma quebra a meio da carreira do trabalhador com diminuição ou mesmo cessação dos rendimentos especialmente no caso em que o emprego era mais precário como por exemplo no caso dos trabalhadores a recibos verdes.


Do meu ponto de vista os grupos de indivíduos que foram mais afetados pela crise foram os trabalhadores com contrato que são despedidos numa fase da sua carreira em que no final do subsídio de desemprego não conseguem aceder à pre-reforma ou reforma, os trabalhadores a recibos verdes ou com contratos de trabalho temporário que perderam o seu trabalho e nem sequer têm acesso na maioria dos casos a subsidio de desemprego, pequenos empresários que muitas vezes viram os seus negócios falir/entrar em insolvência por incumprimentos de pagamentos o que impossibilita o adequado planeamento dos recursos humanos (note-se que não incluo neste grupo empresários pouco sérios que não planeiam adequadamente os seus recursos humanos) e os jovens que não conseguiram entrar no mercado de trabalho durante estes anos, ou tiveram de se sujeitar a empregos precários e mal pagos. Na minha opinião e baseando-me empiricamente nos meus conhecidos, os Funcionários Públicos do quadro tiveram sempre uma situação bastante mais protegida do que os restantes grupos que mencionei. Por isso custa-me que se afirme que estes efetivamente não foram privilegiados em relação ao privado e também acho incorreto priorizar a reposição de rendimentos de funcionários que tiveram o seu posto de trabalho protegido face aos trabalhadores que perderam o seu posto de trabalho e ainda não o recuperaram ou que se mantêm em situação de trabalho precário com recibos verdes ou mesmo empresas em nome individual com rendimentos muito inferiores aos que recebiam antes da crise.



Efetivamente a situação dos Professores Contratados corresponde também à situação que denomino como despedimento na medida em que o profissional fica em situação de desemprego ao ver a sua carreira cortada a meio.
Não nego que se tenham perdido proporcionalmente mais postos de trabalho no setor público no período que considerou, apesar de eu suspeitar que se considerar um período um pouco mais longo essa tendência se iria esbater. Penso que nos anos anteriores já se tinha iniciado a destruição de emprego no privado por via da restrição do crédito às empresas o que aumentou proporcionalmente o emprego publico que apenas começou a ser afetado com a crise das dividas soberanas que se deu posteriormente. Mesmo assim considero essa afirmação arrojada uma vez que essa proporção deverá ser feita entre o número de postos de trabalho que existia no ano base e o numero atual de postos de trabalho que existem atualmente no setor publico e no privado. Empiricamente eu diria exatamente o contrário mas como no último ano se deu um aumento do emprego precário/mal remunerado no privado admito que a tendência já se tenha invertido. Mas penso que também é relevante comparar a descida de rendimentos do setor privado versus o publico, uma vez que mesmo que o privado tenha recuperado, esta recuperação penso estar a ser feita à custa de salários inferiores ao que existiam antes da crise. (ressalvando contudo o efeito benéfico da subida do salário mínimo).

Vitor disse...

Em resposta ao José. Sim efetivamente nas empresas de maior dimensão é comum a concessão de tolerância de ponto. Penso que a desigualdade relativamente às tolerâncias de ponto se deve ao facto de o tecido empresarial português ser constituído principalmente por micro e pequenas empresas.

Anónimo disse...

A velha disputa entre o privado e o público que deixa logo agitada a alma de quem se pela por tais processos para dividir os trabalhadores.

E é vê-los trémulos de ansiedade e de pressa, joses, victores, pimentéis, para cumprirem o seu velho preceito ideológico segundo o qual, enquanto se questionam entre si, os trabalhadores não se interrogam sobre a natureza da sua condição social. Nem sobre o facto da transferência da riqueza se processar de baixo para cima, agravando-se com os anos de chumbo da canalha que nos governou, enquanto se governava e bem governava.

Nem sobre o seu silêncio vil e cúmplice sobre essa grande traição que constituiu a privatização dos CTT, algo quase inédito na história dos países ditos independentes

Com mais bla-bla-bla da escola do "declamador-poeta" ou mais "mimos" da escola do patronato mais pesporrento, o processo torna-se mais transparente do que eles pensam.
E todavia o autor do post tinha tido o cuidado de avisar:

"Não se pense contudo que estes dados devem servir para colocar os trabalhadores do setor privado contra os do público (ou vice-versa). Essa é a lógica da direita que nos governou e que está hoje na oposição"

E convocara para a discussão o próprio Pacheco Pereira

Anónimo disse...

"O amor da direita pelo trabalho e pelos trabalhadores privados exerce-se em todos os sítios menos nas empresas e nas fábricas. Aí, esse amor propalado é muito mais desprezo e nalguns casos apenas medo.
...
tudo isto tem que ver com o poder político, com a justiça social e a forma como os sectores da direita mais radical — e, hoje, insisto mais uma vez numa coisa que muito irrita essa direita, a direita portuguesa que se expressa no espaço público é bastante radical — apresentam um “plano de sociedade” assente na desigualdade a que atribuem ser o motor do desenvolvimento. Esta descrição é eufemística, mas para já serve.

E este programa não dá ao “trabalho” uma função criativa e dinâmica na economia, logo na sociedade, e muito menos os dá aos trabalhadores, sejam do sector privado, sejam do sector público. Vivemos anos de uma crise provocada pelos desmandos do sector financeiro, mas cujos custos foram assacados ao “esbanjamento” dos trabalhadores. Os trabalhadores eram os responsáveis por uma sociedade que vivia “acima das suas posses” e teria de ser “ajustada”

Não é por acaso que os governantes dos anos do “ajustamento” pensavam (como aliás a imprensa económica) que a economia eram as empresas, como se estas existissem sem trabalhadores, vistos apenas como um “custo” que era preciso diminuir. Nesses anos nunca se dirigiam aos trabalhadores a não ser para impor as célebres “reformas estruturais” no mundo do trabalho, todas no sentido de facilitar os despedimentos, pôr em causa a necessidade de haver uma “justa causa”, diminuir salários e pensões, combater os direitos dos reformados, acabar com a negociação colectiva, enfraquecer os sindicatos, fragilizar o lado dos trabalhadores em relação aos patrões numa relação social que é já de si muito desigual. Tudo isto foi feito pelos mesmos que agora amam os trabalhadores do sector privado, face aos privilégios do sector público. Aliás, na verdade, o que muito os incomodava era não poderem fazer na função pública o mesmo que faziam no sector privado."

Anónimo disse...

"Tem a função pública uma situação de privilégio em relação ao sector privado? Tem certamente, a começar pela preciosa garantia de ter o emprego protegido, embora hoje já não seja uma garantia tão segura como no passado. Aliás, a ofensiva dos anos do “ajustamento” contra a função pública fez-se por todos os meios, salários, regalias, carreira, mas o seu objectivo principal sempre foi a possibilidade de despedir na função pública como se despedia no privado. Usando o mecanismo dos “disponíveis”, foi-se o mais longe que se podia ir, e somente o Tribunal Constitucional travou algumas tentativas de equiparar a legislação laboral no sector público com o sector privado. É isso injusto com os trabalhadores do sector privado? É certamente, mas a relação de uma injustiça com a outra “justiça” está longe de ser aquilo que preocupa os actuais amorosos dos trabalhadores do sector privado. Porque se fosse falariam mais de reequilibrar a legislação laboral, dar força à representação laboral, aumentar os salários e pensões, garantir um salário mínimo acima do limiar da pobreza, melhorar as condições de trabalho, assegurar que os trabalhadores tenham uma voz na administração das empresas, essa tenebrosa proposta bolchevique da economia alemã. Aguenta a “economia”? Aguenta, aguenta, embora outras coisas não aguentem do mesmo modo, e é isso que os encanita.

O debate ganha em ser claro do ponto de vista ideológico e político e não obscurecido pela dicotomia privado e público, alimentada por quem na verdade não gosta é de que o mundo do trabalho tenha direitos, regalias e meios de defesa legal e social, como sejam os sindicatos e as greves, seja no privado, seja no público.

Imaginem os nossos radicais de direita que os primeiros defensores das funções do Estado tinham delas uma clara consciência contra-revolucionária. Quando o confronto social era entre os que não tinham nada, os célebres “proletários”, e os que tinham tudo, a conflitualidade era violenta pela sua própria natureza: não havia nada a perder. Desde Birmarck, passando pela social-democracia alemã, por uma parte da doutrina social da Igreja, pelo socialismo sueco, e por parte da democracia cristã — tudo, como se vê, do mais revolucionário que há —, que se percebeu que o papel do Estado era criar com os seus serviços um efeito de morigeração social, fazendo com que houvesse escola pública para os pobres e não apenas escolas de associações de caridade, hospitais e serviços médicos acessíveis e não apenas assistência “para os pobres e desvalidos”, como estava escrito num frontispício de uma obra da Igreja em frente de minha casa no Porto. O efeito destes serviços públicos foi criar mecanismos de garantia para todos os que não podiam pagar escola, nem médico, para ter uma vida decente. Verificou-se depois que havia um outro efeito positivo na existência de um Estado social: ele próprio funcionava como um elevador social, dando emprego a muitos milhares de trabalhadores nos seus serviços e, ao melhorar a educação e a saúde, tirava da pobreza muitas pessoas que não teriam outro modo de subir na escala social"

Anónimo disse...

"Durante muito tempo em Portugal, os funcionários públicos eram muito mal pagos, como contrapartida de terem uma garantia de emprego. Não é o caso de hoje, não por serem bem pagos, mas porque a ofensiva contra salários e empregos no sector privado é muito mais eficaz e a capacidade de defesa dos trabalhadores sem direitos e sem representação forte e em muitos casos ameaçados de perderem o emprego e de perseguições é menor. Um país em que muitos trabalhadores só se lembram do sindicato quando precisam de um advogado que os defenda numa causa laboral não favorece a melhoria dos seus trabalhadores".

Isto é de Pacheco Pereira. E devia envergonhar os "sociais-democratas" de pacotilha e o patronato pesporrento, aqui tão bem retratado


Anónimo disse...

Por muito que custe a alguma tralha neo-liberal, "só o Estado é que poderá garantir:

-por um lado, um mínimo de segurança aos portugueses através de sistemas públicos de educação, de saúde, de segurança social, de justiça, etc., universais que combatam as desigualdades e a insegurança (por insuficientes que possam ser são os únicos que podem dar à maioria da população essa garantia, pois nos privados domina a caça ao lucro, e só têm acesso a eles quem tem dinheiro para os pagar, por mais que digam o contrário);

-por outro lado, que os interesses colectivos de desenvolvimento e de bem-estar dos portugueses não sejam triturados pelos interesses dos grandes grupos económicos;

-e, finalmente, que os interesses nacionais e a soberania do país sejam acautelados e defendidos.

E para que tudo isto seja possível, é necessário um Estado interventivo e, consequentemente, uma Administração Pública forte de qualidade que é o seu suporte, o que exige o respeito e defesa dos interesses, direitos e dignidade dos trabalhadores da Função Pública (o que não tem acontecido), pois sem trabalhadores não há Administração Pública o que é, muitas vezes, esquecido pelos portugueses que exigem serviços públicos de educação, saúde, etc de qualidade.»

Poderíamos acrescentar que foi precisamente o depauperar dos meios postos à disposição do Estado para o combate aos incêndios que contribuiu decisivamente para o que se passou nestes anos, nomeadamente neste.

Também poderíamos acrescentar que são os mesmos que tentam limitar os investimentos do Estado na vigilância florestal e na promoção do ordenamento territorial, que depois hipocritamente aparecem por aí a queixar-se de falta de meios para as tarefas a desempenhar

Pedro disse...

Sim ?

Você acredita mesmo que mais de metade dos trabalhadores do privado foram promovidos e receberam prémios o ano passado ?

Vocês têm noção da bacorada que estão a dizer ?

Pedro disse...

Mesmo nas empresas com mais de cinco trabalhadores alguém aqui acredita que mais de metade foram promovidos e receberam prémios ?

Se estão a falar dos gestores com certeza que sim. Mas os trabalhadores ?

Vocês têm alguma noção das condições de vida no sector privado ?

São idiotices como esta que enterram a esquerda.

Pedro disse...

Caro anónimo concordo com tudo menos com a generalização de as empresas privadas só dependem de si próprias.

As pequenas sim, as grandes são os maiores chulos do estado.

Em rendas, PPP, contratos dourados e blindados com o estado, borlas fiscais e fugas aos impostos etc, os grandes empresários privados são os verdadeiros chulos que afundam o país.

Pedro disse...

Quer comparar a extinção de um posto de trabalho por passar á reforma um trabalhador com um despedimento por falência ou despedimento tout court ?

E o impacto está muito longe de ter sido só por falências.

Na minha empresa os salários foram reduzidos e CENTENAS de trabalhadores despedidos.

Um dos meus colegas morreu como sem-abrigo depois de trabalhar vinte anos para a empresa que só deixou de dar lucro um ano ou dois durante a crise. Normalmente os lucros são dezenas de milhões.

Ah. E na minha empresa de milhares de trabalhadores ninguém foi promovido ou ganhou prémios.

Tirando os que passaram a chefes em substituição de chefes que sairam, estamos todos a ganhar MENOS que antes da crise.

E as ameaças de despedimento que vocês dizem que não existe continuam.

Jose disse...

Verifiquem se quem tem tolerância de ponto no privado algum dia cobrou horas extras,

Lowlander disse...

Vitor,
Deixa-te de tretas, a analise aqui esta focada em efeitos agregados e nao em efeitos individuais. E claro que e preferivel para o individuo que um posto de trabalho seja destruido por via de uma reforma do que por via de um despedimento ou nao renovacao de contracto. No entanto o efeito para o agregado da populacao activa e exactamente igual, ha menos postos de trabalho disponiveis, mais precaridade e medo em geral e obviamente maior alavancagem da posicao negocial do agregado de entidades patronais. Qual e a duvida?
E, conforme exposto em grafico la em cima, se a percentagem de emprego publico em agregado baixou de 18.5% da populacao activa em 2012 para 16.4% da populacao activa em 2017, e obvio tambem que neste periodo em analise, o emprego publico sofreu mais reducoes que o emprego privado e, concomitantemente, a posicao negocial do agregado de trabalhadores publicos sofreu mais danos do que a o posicao negocial do agregado de trabalhadores privados.
Roma arde, e tu andas com merdas a discutir os atributos das cinzas.

Pedro disse...

A maioria dos trabalhadores do privado não beneficiam de diuturnidades e os únicos "prémios" são muitas formas de pagamento encapotadas de horas extraordinárias.

Vitor disse...

Lowlander,
a análise foca-se no facto de existirem ou não privilégios na função pública face aos trabalhadores do privado, é esse o título do texto. Admito que seja um tema que não lhe interesse, ou que não ache oportuno discutir, mas é esse o título do post.
Na minha experiência pessoal verifiquei que os trabalhadores da função publica e pensionistas, em especial os pensionistas da CGA, tiveram uma situação relativamente privilegiada em relação aos restantes trabalhadores. Digo relativamente pois penso que todos concordamos que os grupos rentistas (EDP, Bancos, PPPs...) foram os que foram mais foram beneficiados com a crise.

Indiquei no meu post um conjunto de grupos que a meu ver foram significativamente mais prejudicados, dos quais destaco os trabalhadores precários a recibos verdes que em caso de não encontrarem serviço não tinham o mínimo de proteção social. Isto não são situações individuais, é um grupo alargado de trabalhadores portugueses.
Na minha experiência pessoal o que o comentador "Pedro" diz é a realidade em muitas empresas, não são situações individuais. Analisar as estatísticas sem o devido sentido crítico não passa de uma análise irrealista. Aliás alguém disse em tempos que as estatísticas são uma forma de mentira.

Relativamente aos dados que aponta: relativamente ao emprego publico em 2012, como expliquei acima, penso que se fossemos analisar os anos para trás iríamos verificar que provavelmente neste ano tinha sido um máximo ou perto de um máximo de emprego publico. Por outro lado, faz também sentido verificar qual o tipo de emprego privado criado em 2017 não? A impressão que tenho é que foi criado muito emprego ligado à restauração e hotelaria e pouco emprego qualificado.

Quando diz que Roma arde e andamos a discutir as cinzas eu concordo consigo. Roma arde pois temos 9%,8%? de desemprego oficial (se formos ver a população inativa será muito superior), níveis brutais de população emigrada e um salário médio nacional de 800 euros. Sinceramente, quando temos 9% de desemprego, andar a discutir os rendimentos dos FPs em vez de se falar de políticas massivas de emprego e da situação de emergência nacional no emprego é que acho que não faz muito sentido, é ter as prioridades invertidas, especialmente nos partidos da esquerda. Mas são os tópicos que aparecem no blog, que mesmo assim considero ser dos mais interessantes e inteligentes em Portugal.

Lowlander disse...

Jose,
Larga o vinho.

Lowlander disse...

"Ora, o que um estudo recente do INE sobre as empresas privadas veio mostrar é que, em 2016, 56% dos trabalhadores sem funções de gestão foram promovidos e que, no total (com e sem funções de gestão), 45% dos trabalhadores do setor privado tiveram prémios de desempenho."

Nuno Serra, 23-12-2017

"Você acredita mesmo que mais de metade dos trabalhadores do privado foram promovidos e receberam prémios o ano passado?"
Vocês têm noção da bacorada que estão a dizer ?"

Pedro, 28-12-2017

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Pedro,
Toma os comprimidos, ler enquanto se espuma da boca e rebola os olhos e muito dificil...
O estudo e do INE e nao de um nebuloso "voces" qualquer - ate te disponibilizaram um link para o dito.
Quanto as "bacoradas" e "idiotices" que "afundam" a esquerda... isso e em contraponto ao que exactamente? As finas e preciosas amostras do pensamento de direita com que vamos sendo brindados aqui nos comentarios pelo troll residente Jose? A prosa generosamente regada (dionisica qualifiquemos assim) desse energumeno "emerge" a direita querem ver?

Anónimo disse...

Concordo com grande parte deste "post", mas as duas últimas linhas, referentes ao salário mínimo nacional (SMN), não me parecem muito felizes:

- A verdade é que "esta direita - que não é social-democrata nem democrata-cristã -" aceitou que o SMN subisse dos 485 euros de 2014 para os 505 euros de 2015; ou seja, um aumento anual de 4,1 % (a proximidade de eleições legislativas operou o milagre).

- Já agora, vale a pena fazer comparações Portugal/Espanha nesta matéria, optando pelo biénio 2016-2018 porque, depois de eleições legislativas em finais de 2015, ambos os países ibéricos têm sido governados neste período por um partido que não conseguiu maioria absoluta no parlamento. Em 2016, o SMN não passou dos 530 euros em Portugal, mas chegou aos 655,20 euros em Espanha; em 2018, não passará dos 580 euros em Portugal, mas atingirá 736,01 euros em Espanha. Ou seja, além de partir de um nível muito inferior, o SMN no Portugal de Costa terá, neste biénio, uma subida (9,4%) menor que a subida do SMN na Espanha de Rajoy (12,3%).

- Também vale a pena comparar as perspectivas para o quadriénio 2016-2020. Em Espanha, fala-se de 850 euros em 2020 (https://elpais.com/economia/2017/12/26/actualidad/1514281679_625692.html), ou seja, um aumento de 29,7% face a 2016; em Portugal, um aumento percentual idêntico faria com que o SMN de 2020 atingisse 687,58 euros. Para já, o governo de Costa/Centeno não pretende ir além de 600 euros em 2019 (o que significa um aumento inferior a 3.5% de 2018 para 2019).

- A parte da remuneração do trabalho no PIB caiu cerca de um ponto percentual por ano entre 2009 e 2011, e continuou depois a cair o mesmo ponto percentual por ano até 2015. É certo que, nos dois últimos anos, cessou esta descida; contudo, convém reconhecer que a subida registada desde 2015 é bastante modesta, não indo além de cerca de meio ponto percentual por ano. A "timidez" governamental no que diz respeito aos aumentos do SMN, no nosso país, contribuiu bastante para esse pequeno declive na recente subida, pois muitos (demasiados) salários correspondem ao SMN ou andam lá perto [O "modelo" de desenvolvimento em que o governo aparentemente aposta, centrado no turismo, também tem contribuído para este efeito.].


A. Correia

Anónimo disse...

Victor Pimentel Ferreira aonio Eliphis

Não seja aldrabão. Nem desonesto a esse ponto. Misturar as coisas e torná-las a misturar para ver se passa é provavelmente útil na declamação" pseudo-poética" em sítios de má fama mas não passa por aqui.

Ninguém anda a discutir os rendimentos da FP de per si. O que se tem a preocupação é de desmontar uma ideologia sinistra. O que se é obrigado a fazer, em nome duma coisa que não sabe o que é, é desmascarar o "discurso sobre os privilégios dos funcionários públicos face aos do privado"

Que lhe custa e si e que depois venha carpir sobre " as prioridades invertidas, especialmente nos partidos da esquerda" é a marca que nem sequer percebe do que se fala quando se fala em.

Anónimo disse...

"E as ameaças de despedimento que vocês dizem que não existe continuam".
Pedro, 28 de dezembro de 2017 às 09:58

Mas quem disse que não existiam ameaças de despedimento?

Será muito difícil perceber esta frase?
"Durante muito tempo em Portugal, os funcionários públicos eram muito mal pagos, como contrapartida de terem uma garantia de emprego. Não é o caso de hoje, não por serem bem pagos, mas porque a ofensiva contra salários e empregos no sector privado é muito mais eficaz e a capacidade de defesa dos trabalhadores sem direitos e sem representação forte e em muitos casos ameaçados de perderem o emprego e de perseguições é menor".

"Isto" é exactamente o contrário do que se disse que se disse

"ler enquanto se espuma da boca e rebola os olhos é de facto muito difícil..."

Anónimo disse...

De um excelente artigo de João Rodrigues no Público:

"O jornalista Manuel Carvalho argumentou recentemente que a função pública monopolizaria o debate laboral, contribuindo para invisibilizar os problemas dos trabalhadores mais pobres (PÚBLICO, 13/09/2017). Pelo mesmo diapasão alinhou a jornalista Helena Garrido, mas agora no contexto da luta dos trabalhadores da Autoeuropa, comparando os seus aparentes privilégios, a sua suposta “bolha”, à situação de trabalhadores com horários ainda mais baralhados (Observador, 31/08/2017).

A sabedoria convencional, no fundo, procura sempre atirar os trabalhadores uns contra os outros, os do público contra os do privado, os novos contra os velhos, os precários contra os que conquistaram alguma, cada vez menor, estabilidade. Trata-se, no fundo, de dividir, enfatizando divisões horizontais e ocultando as mais importantes desigualdades verticais, para que quem está verdadeiramente em cima, o capital, possa reinar numa paisagem laboral também desta forma cada vez mais degradada. É a mesma ideologia que apoda de rígidas as regras que conferem algumas garantias aos que vendem a sua força de trabalho e de flexíveis as regras que conferem mais direitos e poder aos que a compram. De facto, não há relação mais política e onde haja mais investimento ideológico do que a laboral, nem relação que determine mais aquilo que os indivíduos podem ser e fazer. Por exemplo, é sabido, por vários estudos, que a precariedade laboral faz mal à saúde física e mental de quem é dela vítima ou que tende a gerar menos incentivos para incrementos da produtividade.
Neste contexto, é preciso assinalar que a existência de um movimento sindical combativo, em particular o organizado pela CGTP, se bem que enfraquecido e com desigual implantação, beneficia o conjunto do mundo do trabalho. Sabemos de resto, graças até a investigação do próprio FMI, que quanto maior é a presença sindical, menores são as desigualdades horizontais e sobretudo as verticais. Afinal de contas, quem colocou e coloca em cima da mesa questões como a actualização do salário mínimo ou a defesa da contratação colectiva, tão centralizada quanto for possível, ou não fosse a negociação cada vez mais individualizada, empresa a empresa, a melhor forma de acentuar desigualdades de poder e de recursos? Quem pode colocar em cima da mesa questões ocultadas como o banco de horas, esse expediente para desorganizar os horários de quem cria valor, corroendo no processo a vida familiar?
É por estas e por muitas outras que o mundo do trabalho organizado foi o principal alvo da troika. Negligenciando o sector financeiro e a crise por este gerada, a troika viveu obcecada com o desmantelamento da contratação colectiva, lançando mão de vários expedientes legislativos para esse efeito. Tudo para operar, também através do desemprego gerado pela austeridade, uma desvalorização interna, ou seja, uma maciça transferência de poder e de recursos de baixo para cima. Foi um “retrocesso evitável” para usar a formulação de um livro — Trabalho e Políticas de Emprego. Um Retrocesso Evitável — que descreve com objectividade e minúcia este processo. Um dos seus coordenadores, Manuel Carvalho da Silva, é uma das pessoas que melhor conhece os tais lugares ocultos de que falava Marx. Se um diagnóstico é metade do caminho andado, também existem alternativas. Estas passam por mobilizar toda a força social para convencer o governo a abandonar a passividade perante a pesada herança institucional deixada pela troika. Bem sei que tudo conspira na integração europeia para desvalorizar o trabalho, indicando que na economia política isto anda tudo mesmo ligado. Mas também sei que a actual solução governativa só se justifica pelas mudanças que operar nos tais lugares ocultos. A nossa economia política tem mesmo de ser o trabalho".

Pedro disse...

Caro lowlander.

Dei-me ao trabalho de ir ver o tal estudo do INE e não é nada disso que o estudo diz.

As percentagens referem-se ás empresas que deram prémios e promoções e não ao total de trabalhadores do privado.

Isso não quer dizer que essas empresas tenham promovido TODOS os trabalhadores, nem sequer os tais 50%..

Basta ter promovido 0.1%.

Isto é uma empresa com 3 000 empregados pode ter promovido e premiado duas ou três chefias intermédias que já entra na estatística das "mais de 50%" de empresas que promoveram e premiaram.

Isto é completamente diferente do que dizer 50% dos trabalhadores foram premiados e promovidos.

Essa percentagem é relativa ás empresas que promoveram e premiaram ALGUNS empregados, não é a percentagem de trabalhadores promovidos e premiados.

Simplesmente não tem nada a ver.

Se o que este pos diz fosse verdade estavam uma data de trabalhadores suecos a imigrar para Portugal pelas condições tão fabulosas.

Quanto á direita descanse que não gosto deles...

Anónimo disse...

Mas esta divisão que se fomenta entre os trabalhadores do público e os do privado é alimentado de forma particular não só por uma comunicação social profundamente empenhada nesta questão como pelo próprio poder himself por vezes da forma mais sórdida, quantas vezes denegrindo um dos lados e generalizando de forma abusiva

Por exemplo, o comportamento de Passos Coelho e de Mota Soares. O primeiro, quando afirmou que se esqueceu de pagar as contribuições para a Segurança Social apesar de nenhum outro português se poder desculpar dizendo o mesmo, ou seja, que não conhecia a lei, e de só as pagar quando foi apanhado pelo serviços da Segurança Social e mesmo assim, segundo alguns media, não pagando a totalidade do que devia ser pago. E o que fez Mota Soares? Afirmou que Passos Coelho “foi vitima de um erro da Administração Pública” culpabilizando assim os funcionários públicos pelo incumprimento de Passos Coelho.

Tais comportamentos são, para além do mais, mais um incentivo para o aumento da fraude e evasão contributiva (muitos dirão que “os exemplos vêm de cima”) o que tem graves consequências na sustentabilidade da Segurança Social, e no combate à pobreza que alastra na sociedade portuguesa fruto de uma politica que tem destruído a economia, o emprego e o tecido social nacional.

Anónimo disse...

"Um dos objectivos centrais das medidas ultraliberais da troika estrangeira e do Governo PSD/CDS é a redução do Estado, transformá-lo no «Estado mínimo» neoliberal, o que visa, por um lado, diminuir a sua capacidade para intervir, deixando assim o campo livre aos grupos económicos para obterem sobrelucros sem qualquer controlo e, por outro lado, privatizar a maior parte das funções sociais do Estado (Saúde, Educação, Segurança Social, etc.) para assim criar áreas lucrativas de negócios para os grandes grupos privados.

Um dos instrumentos utilizados pelo Governo para conseguir isso foi também a redução brutal das remunerações dos trabalhadores da Função Pública. E isto com o objectivo, por um lado, de levar os melhores quadros, nomeadamente os mais qualificados, a abandoná-la ou a pedirem a aposentação prematura e, por outro lado, de desincentivar a entrada de novos quadros qualificados na Função Pública, porque se tornou pouco atractiva."

Nuno Serra disse...

Caro Vítor,
Duas breves notas sobre o seu último comentário.
Uma para sublinhar que este post não pretende alimentar o «cisma» entre emprego público e emprego privado. Apenas combater, nesse âmbito, uma ideia de senso comum que perdura e segundo a qual a crise e o «ajustamento» terão sacrificado o setor privado e deixado praticamente incólume o (por isso «privilegiado») setor público. Na verdade, para podermos ir mais longe nessa análise comparativa, seriam necessárias contas substancialmente mais finas (que deveriam incluir o grau de perda de rendimentos, os níveis de despedimento em sentido restrito e as extinções de posto de trabalho, os tipos de contratos mais afetados, etc.). Uma coisa sabemos: há hoje proporcionalmente menos emprego no setor público e as diferenças salariais explicam-se, em ampla medida, pelas diferenças brutais em termos de qualificações.
A segunda nota prende-se com sublinhar o essencial, para lá desta dicotomia «público-privado». E o essencial é que nos anos do dito «ajustamento» se procurou com todo o empenho reduzir os custos com o fator trabalho, considerando - numa visão medíocre e suicida para a economia de um país - que era por aí que se conquistava a competitividade. E se no setor público esta ideia se associa sobretudo à contração dos serviços em recursos humanos (que não é «desligável» da ideia de desmantelamento do Estado e criação de mercados), no privado associa-se ao aumento da facilidade em despedir para se poder contratar por um custo mais baixo de mão-de-obra e com maior precariedade contratual.

Nuno Serra disse...

Caro Pedro,
Agradeço-lhe antes de mais a observação relativamente à unidade que está em causa nas promoções e nos prémios de desempenho. Trata-se de facto da percentagem de empresas e não da percentagem de trabalhadores (que atribui, ou não atribui, prémios e promoções). As necessárias alterações encontram-se já refletidas no texto e no gráfico do post.
E se é verdade que os dados que acompanham o estudo não avançam com o número de trabalhadores promovidos (o que quer dizer, no limite, que tanto pode ser um trabalhador a estar em causa como todos os trabalhadores), o mesmo não sucede com os prémios de desempenho. Como poderá constatar nas tabelas em anexo ao inquérito, cerca de 51% das empresas atribuiu prémios de desempenho a mais de 80% dos seus trabalhadores com funções de gestão e cerca de metade a mais de 60% dos seus trabalhadores sem funções de gestão. Ou seja, tanto num como noutro caso a mais de metade dos trabalhadores.

Pedro disse...

Pois.

Eu também já recebi prémios de desempenho em várias empresas.

O problema é que não eram prémios nenhuns, eram horas extraordinárias não declaradas e pagas abaixo da tabela.

Também já beneficiei de vários cursos de formação endrominados, um nem sequer foi dado de todo.

Mas contaram todos para a estatística da "qualidade".

Também neste momento sou um trabalhador "mágico".

Concretamente sou dois em um.

Tenho dois horários como se fosse duas pessoas !

Isto é, tenho um horário ilegal de catorze horas diárias oculto em dois horários "difetentes".

O reino dos privados é o reino da aldrabice.

Metade dos trabalhadores do sector privado "premiados" ?

Pois sim, uma boa metade nem
lhes pagam o que lhes devem quanto mais prémios.



Pedro disse...

Esclarecimento ;

Quando digo que tenho um horário ilegal de catorze horas quero dizer um turno ilegal de catorze horas - e já agora pago abaixo da tabela legal.

O turno é apresentado como se fossem dois, um horário normal e um part time - embora seja o mesmo turno de catorze horas seguidas.

Também já me pagaram "prémios de desempenho" para justificar pagamentos por trabalho não declarado que não estava legalmente capacitado para fazer.

Leis laborais no sector privado ? Bem vindos ao circo que é só números de magia.


60% dos trabalhadores privados premiados ?

Pois sim...

Lowlander disse...

Pedro,
Nada de mais a obstar. Concordo contigo, o estudo do INE tem de ser interpretado com bastante cautela. Ate acrescento que a metodologia reportada (inquerito a uma amostra de empresas) afigura-se-me... problematica...
Mas este teu ultimo comentario e radicalmente diferente dos anteriores e ilustra, eloquentemente, como uma leitura cuidada e extensiva promove um debate mais inteligente e produtivo.

Lowlander disse...

Vitor,
Deixe-se de tretas, repito-me.
O texto foca-se na desmontagem de uma das mais estafadas bengalas argumentativas que a direita usa para sustentar e promover a sua ideologia economica neoliberal: os FP sao alguma de especie de realeza entre a classe proletaria, enquanto que os outros proles sao seus serventes.
Existem sub-especies desta bengala aplicaveis aos pretos, ciganos, ucranianos, representantes sindicais, juizes do tribunal constitucional, funcionarios bancarios, medicos, desempregados, deficientes, pensionistas... - o que a direita falta em imaginacao, sobra em latosa e repeticao inane de chavoes, como se ve.
Mas a chave d'ouro deste soneto mediocre e sempre a mesma:

"Proletarios do mundo, desuni-vos!"

Isto e a realidade da guerra de classes realmente existente.

Porque e que a direita perde tanto tempo a argumentar casos especificos? Porque o que interessa e o efeito agregado, na classe trabalhadora, das politicas de precaridade em vigor.
Porque e que a direita e tao militantemente venenosa para com o funcionalismo publico? Porque sao o maior bastiao proletario nacional, o maior e mais bem organizado e unido grupo de trabalhadores em Portugal, o maior obstaculo a uma maior extracao de valor pela classe dominante aos trabalhadores.
Como e que o Vitor quer que o Estado promova "politicas massivas de emprego" sem uma concreta base social de apoio? Sem proteger e reforcar a posicao negocial do principal cavalo de guerra ao dispor dos trabalhadores em Portugal? Como e que os trabalhadores do privado podem negociar e extrair concessoes dos seus patroes se, alem de desunidos, nem sequer tem uma ameaca credivel (um empregador alternativo benevolente com forte poder de "price setter" no "mercado de trabalho") para acenar na mesa de negociacoes?

O Vitor, ao entrar neste jogo de comparar milimetricamente as migalhas individuais dos pensionistas da sede da CGD em Lisboa com as migalhas dos trabalhadores de hotelaria do Grupo Pestana na Madeira comporta-se como um idiota util.

Vitor disse...

Caro Lowlander,
Depois dos anos da troika, não faltará uma larguíssima base social de apoio à promoção de politicas massivas de emprego em Portugal se estas forem bem explicadas e fundamentadas à população Portuguesa. Penso que até à direita conseguirão ir buscar muitos votos. Muito maior do que os 500 mil funcionario publicos. é preciso é um líder com visão e com um discurso apelativo.
Por outro lado, uma vez que até já o FMI assumiu que cometeram erros nas medidas implementadas em Portugal devido ao facto de o nosso tecido empresarial ser constituído por empresas de pequena dimensão, pelo que Portugal tem efetivamente espaço de manobra para exigir na UE fundos para uma política de emprego que nos compensem pelas medidas prejudicais que fomos obrigados a implementar pela troika. é preciso é um líder com capacidade como teve o Guterres para ir negociar apoios na europa.

Lowlander disse...

Vitor,
Actualiza-te pah, D. Sebastiao morreu em Alcacer Quibir.