sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A imaginação do centro no poder


A chamada eleição de Mário Centeno para a chamada Presidência do chamado Eurogrupo revela a actualidade de um diagnóstico feito por Boaventura de Sousa Santos na década de noventa. Nele denunciava a “imaginação do centro”, ou seja, o hábito elitista de se pensar em Portugal como se fosse globalmente um país rico, ocultando as realidades de uma sociedade semiperiférica e as suas necessidades específicas de política. Desde então cresceu o fosso entre essa imaginação e a realidade económica de uma sociedade globalmente em processo de periferização. Esse crescimento deveu-se também às opções de política inspiradas por essa imaginação, incluindo a catastrófica adesão ao Euro, privando-nos de instrumentos necessários para o desenvolvimento nos nossos democráticos termos. O que explica então que essa imaginação, da qual não está ausente um complexo de inferioridade em relação aos países ricos e a tradicional superioridade em relação aos concidadãos populares, continue a ter influência?

O resto do artigo pode ser lido no Público.

Este é o meu último artigo no âmbito da parceria entre o Centro de Estudos Sociais e o Público. Desde Março, cinco investigadores alternaram semanalmente, à sexta-feira, na secção de opinião do jornal: Conceição Gomes, Hermes Costa, José Manuel Mendes, Marta Araújo e eu. No próximo ano será a vez de outros investigadores do CES escreverem no âmbito desta parceria. Pela minha parte, gostei da experiência. Em nove artigos, transportei para o Público temas sobre os quais vou escrevendo por aqui e por ali: das origens europeias da pós-verdade e da crise da social-democracia, passando pela economia política de quem trabalha ou pela defesa de um populismo que pode ser uma saudável reacção democrática ao neoliberalismo.

8 comentários:

Jaime Santos disse...

Muito bem escrito, como de costume. Mas ou falar da necessidade da 'imaginação do Sul' o João Rodrigues mostra mais uma vez aquele que é o principal ponto fraco da sua argumentação. É que fala como se essa imaginação tivesse que ser obra de outros. Diagnosticam-se os problemas, mas não se apresentam soluções que vão além da rama dos slogans ideológicos. O triunfo da ordem neoliberal também se deve, sabe, a que eles dispõem dos tecnocratas e do seu lado falam apenas ideólogos, presos a uma realidade que se esgotou em 1989...

Não vai haver reconstrução da grande indústria porque simplesmente não seríamos capazes de competir com quem a tem há muitos anos e nela é excelente. Não vai existir mais investimento público com ou sem Euro, porque o problema principal do País é que de um modo ou de outro, não há quem nos empreste dinheiro, e todas as soluções à Esquerda passam pelo endividamento. E mesmo em relação à necessidade de reconstruir o Estado, fala-se de um Estado que nunca existiu, porque nunca fomos a Suécia.

O trágico é que a crítica ao 'one size fits all' passa por um 'one size fits all' estatista que morreu com o colapso da URSS...

A recuperação da soberania monetária é um objetivo político tão legítimo como qualquer outro. O que não pode andar a dizer é que isso se fará com a persecução simultânea de políticas de investimento público e de desenvolvimento que são incompatíveis seja com as medidas de austeridade requeridas pelos credores dada a necessária (e pelos vistos automática) reestruturação da dívida que se seguiria a uma saída do Euro, ou com a penúria que se seguiria a um default unilateral, por mais que o seu colega Jorge Bateira jure que isso não será nada assim (e não apresente números a justificar a sua posição). Provavelmente, essa recuperação exigirá muito mais sacrifícios do que a presente estratégia...

É que podemos bem dispensar a palavra populismo nesta discussão. Do que se fala, muito simplesmente é de demagogia, ou se quisermos ser menos duros, pelo menos da incapacidade de se apresentarem caminhos enquanto se proclamam grandes objetivos. A tal imaginação que falta...

Jose disse...

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer...

Pena é que desse sonho se tenham apossado os treteiros para importar todo o bem-estar ignorando o conhecimento, disciplina e esforço que o construiu ao Centro.

Anónimo disse...

São artigos essenciais para a compreensão da realidade nacional e europeia. Que sorte para os leitores que estes artigos tenham sido publicados num jornal nacional. Tendo em conta que os espaços para a verdade são cada vez mais exíguos na comunicação social portuguesa. Que pena não poder prolongar essa série por mais tempo no jornal. Sortudos somos os que descobrimos este blog e podemos continuar a lê-lo aqui e e a todo um magnífico grupo de pessoas que aqui escreve. Felicidades sempre.

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Anónimo disse...

Lê-se Jaime Santos e vê-se que ele ficou preso a uma realidade que se vai esgotando até esgotar a paciência a um santo.

O Centrão tem essas "qualidades". Atrai com uma forma centrípeta enorme os que vivem em torno do arco da governação.Sabe-se porquê e não vale a pena explicitá-lo agora. E atribui aos "tecnocratas" a responsabilidade por esta pusilanimidade de se traírem projectos e causas.

A época dos tecnocratas já teve melhores dias. Com o tempo tem encalhado sistematicamente com a realidade. Cavaco assumiu-se sempre como tal e conseguiu vender essa sua imagem, feita também à custa dum discurso para idiotas girando à volta duma posição supra-partidária que nunca teve. Os seus "êxitos", com este anquilosamento democrático que sempre demonstrou e com a sua posição bafienta de salazarista envergonhado, teve consequências trágicas para o país. Erodiu a sua imagem a um nível que o relega para aquele lugar mal-cheiroso da história. E tem trazido de volta o debate político para o centro do debate.

Claro que o chamamento "tecnocrático" persiste e está ligada à impotência trágica da social-democracia e ao seu caminho de traição da sua base social de apoio. Vender como novo o refugo.E é aqui que também entra Centeio, o bezerro de ouro dum centrão com medo e com uma vontade enorme de voltar à velha ordem.

Anónimo disse...

Dá vontade de rir alguém vir falar na Suécia como se estivesse informado a tal ponto da sua realidade actual, acenando já não com a solução "tecnocrática" mas com "lá é que o estado social é bom". A isto está preso alguém que ficou preso ao que definitivamente morreu com Blair. A ignorância da realidade sueca é paralela com a ignorância da realidade que se julga morta e as surpresas vão continuar, apanhando muita gente, incluindo também as moscas que giram à volta do mel do poder do centrão, ou do centrão do poder.

Mas a coisa fia mais fino com este discurso bolorento sobre "um estado social que nunca existiu em Portugal". Com todas as suas debilidades houve um salto enorme em relação ao que se passava neste país. Tal foi reconhecido imagine-se, no próprio país que é apresentado como o paraíso do dito estado social. Experiências foram partilhadas e foram alvo de debate académico na Suécia. Com todas as suas limitações com toda a sua pobreza, com toda a transferência da riqueza de baixo para cima.

E a negação desta realidade, a afirmação da inexistência de um tal estado social em Portugal visa mais uma vez,ainda mais uma vez e sempre mais uma vez,confundir as coisas. Porque o que está em causa é a incapacidade para mostrar algo mais do que o discurso limitado e incapaz ( ia dizer impotente mas podia ser considerado ofensivo) dum país pobrezinho que se deve limitar ao que tem agora, a este caminho que nos espera de vegetarmos neste estado de salários baixos e condições sociais sofríveis, como se não merecêssemos mais, porque nunca tivemos mais.

Um convite subreptício à aceitação dum status quo que não muda nada do que no presente se vive. Um convite a que nos esqueçamos de muita coisa, do poder de compra eridido, do estado social posto em causa, do SNS delapidado (que já foi motivo de orgulho), do estado da educação a que chegámos, dos transportes públicos emperrados, das relações de trabalho deterioradas, pendendo inexoravelmente para o lado do patronato por um miserável código de trabalho imposto e abençoado.

Esconder tudo isto. Mostrar que nunca estivemos bem, pelo que não podemos estar melhor. Ocultar a deterioração da nossa situação actual, mercê da sensação de alívio resultante da correcção das maiores enormidades do consulado de Passos. Jogar com as palavras e com a falta de memória, regressar às fantochadas tecnocráticas. Tudo isto é posto em movimento de forma sistemática por Jaime Santos.

Anónimo disse...

Salazar deve dar urros lá na tumba ao ver que os que o tinham por lider agora até declamam Gedeão.

Claro que é a farsa que leva a tais episódios rocambolescos mas dá algum gozo imaginar a cena.

O resto já não é gozo mas mantém-se o registo de farsa nestes tons de farsante, neste esforço esforçado para dar mostras de centrão convicto e compenetrado.

Anónimo disse...

Nem o centrão é aquela patetice idiota aqui citada por jose cumpridor dum "sonho" do bem-estar mais o "conhecimento, disciplina e esforço" bla-blá-blá

Nem sequer o jose é desse centrão que agora reivindica. Ouçamo-lo nem há meia dúzia de anoos:

"bem fez Salazar, enquanto a História esteve do lado dele, de aplicar o princípio à comunada!"

Um centrão salazarista nem lembra a um dos diabos do Passos


Anónimo disse...

Agindo desta forma Jaime Santos mostra que o discurso galvanizador duma social-democracia exangue se perdeu. Já não consegue mostrar mais do que isto. Contentemo-nos com a nossa sorte, porque nunca estivémos tão bem. O mundo melhor prometido nunca existiu , morreu e até tem certidão de óbito passada, com data e assinatura de todos aqueles que têm a consciência bem pesada. Mas que também têm receio.

Aqui também passa o medo. O medo reiterado que seja despertada a memória e que as pessoas se revoltem contra este paraíso assim apresentado. A submissão aos credores vai em paralelo com a incapacidade duma social-democracia (já nem digna deste nome) apresentar qualquer perspectiva útil para o futuro. O que se mostra num jogo de espelhos é um convite à passividade e à aceitação dum modelo social que é francamente desfavorável a quem trabalha. Que retira as funções de soberania ao estado e que com isto compromete as perspectivas de crescimento e desenvolvimento

Por isso mesmo mais uma vez o medo. O medo por se possa colocar em causa o modelo de "desenvolvimento" programado para o país por uma UE predadora. Por isso, ( a par da eterna evocação dos avé Maria da URSS, da Venezuela, do Zimbabué) o esconjuro permanente do desenvolvimento industrial ( o país ao nível dos tuk-tuk). Por isso também o reiterado medo dos outros significados da palavra "populista", avançando com a tropa pesada que a tenta identificar demagogicamente com a própria demagogia.

Por isso mais uma vez o medo.O medo que se agitem estas águas pantanosas onde alguns se sentem bem mas onde quase todos sabem onde se vai acabar.

Na podridão da deterioração da matéria orgânica onde só sobrevive quem de facto está acima dele e que quer assim permanecer