Hoje estive no ISEG a convite do Colectivo Economia Plural para falar sobre Economia Política Institucionalista. Não se trata propriamente de uma escola de pensamento na Ciência Económica. Trata-se antes de uma forma de olhar para as economias e para o modo de construir o conhecimento económico que se pode reclamar de uma tradição antiga, que vai desde economistas políticos clássicos (como Smith e Marx), a Escola Histórica Alemã e os velhos institucionalistas americanos (como Veblen), passando por Keynes, Schumpeter, Polanyi, Myrdal, Hirschman ou Galbraith - enfim, nomes pouco ou nada falados na generalidade dos cursos de Economia, mas que têm muito a ensinar-nos sobre como as economias funcionam e como devemos analisá-las.
Os 20 princípios que proponho abaixo não são nem pretendem ser canónicos, são apenas a minha forma de sistematizar o que entendo que podem ser os elementos básicos de uma Economia Política Institucionalista.
1. A Economia enquanto ciência tem por objectivo compreender o funcionamento das economias (i.e., os processos de produção, distribuição e acumulação das condições materiais que asseguram as necessidades humanas). Vê-la apenas como a ciência que estuda a relação entre fins e recursos escassos com aplicações alternativas (como é habitual) é tomar uma pequena parte pelo todo.
2. O funcionamento das economias assenta em diferentes tipos de interacções sociais, algumas de carácter esporádico, a maioria de carácter recorrente e que obedecem a regras sociais mais ou menos implícitas. É a regularidade de comportamentos que daqui resulta que permite a construção de conhecimento sistemático sobre as economias.
3. Aos sistemas de regras que estruturam as interacções sociais damos o nome de instituições. Assim definidas, as instituições incluem as organizações (e.g., empresas, Estados, bancos, sindicatos), outras instituições formais (e.g., leis, regulamentos vários, códigos de conduta, etc.) e instituições informais (e.g., convenções sociais). Sem compreender as instituições dificilmente percebemos os comportamentos e, logo, as economias.
4. Embora uma parte relevante das interacções sociais que determinam os processos económicos assuma um carácter mercantil (ou seja, correspondem à noção de relações de procura e oferta de mercado), a maioria das interacções relevantes faz-se no seio de organizações, segundo lógicas predominantemente não-mercantis (e.g., comando hierárquico, cooperação).
5. Na maioria das transacções mercantis que ocorrem nas economias actuais pelo menos uma das partes é uma organização formal (e.g., empresas, Estados, bancos), cujos padrões de comportamento resultam de interacções complexas entre uma multiplicidade de indivíduos e grupos (não podendo por isso o comportamento das organizações ser analisado como se tratasse de comportamentos individuais).
6. Os mercados são eles próprios sistemas de regras formais e informais que estruturam as interacções sociais (e.g., quem pode participar, o que se pode trocar, quais os direitos e obrigações envolvidos, quem assegura o cumprimento das regras). Ou seja, os mercados são instituições e como tal devem ser analisados.
7. As instituições (em particular as organizações) moldam o comportamento dos indivíduos restringindo as alternativas de acção, mas não só. Também estabelecem padrões de comportamento que não requerem decisão (e.g., rotinas) e influenciam preferências, valores e expectativas individuais.
8. Um dos motivos pelos quais as organizações (e outras instituições) são tão importantes no funcionamento dos sistemas económicos consiste precisamente no facto de facilitarem as interacções, reduzindo a incerteza e poupando nos custos de decisão individuais e colectivos.
9. Nesse sentido, as instituições (formais e informais) são fontes de eficiência económica – e não meros obstáculos à interacção “livre” entre indivíduos. Na verdade, não existem interacções "livres" de influências institucionais (e.g., o "livre funcionamento dos mercados" é uma ficção) - as interacções sociais são sempre de alguma forma enquadradas por sistemas de regras formais e informais.
10. As instituições são complexas e interdependentes, pelo que a eficiência relativa das diferentes soluções institucionais varia de contexto para contexto. Ou seja, um sistema de regras que funciona muito bem num dado contexto pode ser muito pouco adequado noutros.
11. As instituições (formais e informais) afectam não apenas a eficiência dos sistemas económicos, mas também a distribuição de recursos na sociedade.
12. Em qualquer sistema económico existem indivíduos, grupos e organizações que procuram influenciar os sistemas de regras formais e informais prevalecentes (i.e., as instituições) de acordo com os seus interesses, valores e convicções.
13. Assim, qualquer sistema económico é também um sistema político, onde diferentes indivíduos e grupos com interesses, valores e convicções potencialmente divergentes disputam a capacidade de influenciar os sistemas de regras vigentes.
14. A disputa na definição das regras relevantes assume diferentes configurações, dependendo dos contextos. Nas sociedades modernas, essa disputa passa frequentemente (mas não só) pelo Estado, dado o seu papel central no estabelecimento e implementação das leis.
15. A acção do Estado afecta não apenas o funcionamento das organizações centrais dos sistemas económicos (e.g., empresas, bancos, o próprio aparelho de Estado), mas também o funcionamento dos mercados e até as normas informais (e.g., por via do exemplo).
16. Não existe um critério absoluto para avaliar as acções específicas do Estado que afectam o funcionamento dos mercados e das organizações. Não só os critérios de valor são múltiplos (e.g., eficiência, equidade, relevância, sustentabilidade, etc.), como cada um deles está sujeito a avaliações potencialmente divergentes. (Por exemplo: a avaliação da equidade tende a depender da posição social de cada indivíduo/grupo; a eficiência relativa de cada solução depende fortemente do contexto e do horizonte temporal considerado.)
17. O papel da Economia enquanto ciência é ajudar a elucidar os pressupostos e as implicações (de eficiência, redistributivas, etc.) das acções do Estado que influenciam o funcionamento das várias instituições económicas, mais do que determinar qual “a acção mais adequada” em cada caso (o que depende sempre de julgamentos de valor, que devem ser sujeitos a processos de disputa política transparentes e democráticos).
18.@s economistas não devem assumir que os seus julgamentos estão livres de critérios de valor – porque não estão. Nem mesmo quando estão em causa apenas considerações de eficiência (por exemplo, ao contrário do que muitos acreditam, os economistas não estão todos de acordo sobre a desejabilidade do suposto ideal da concorrência perfeita, que serve habitualmente de referência na análise económica convencional como situação óptima de eficiência).
19. Compreender o funcionamento das economias implica conhecer as instituições, a sua influência nos comportamentos e as suas implicações à luz de diferentes critérios de valor, mas também perceber como evoluem ao longo do tempo. Tão ou mais importante do que conhecer as forças que contribuem para o equilíbrio dos mercados é perceber as forças que geram transformações permanentes nos sistemas económicos (e que também alteram as intenções de oferta e de procura nos diferentes mercados a cada momento).
20. A transformação das instituições é determinada pela dinâmica dos processos concorrenciais (políticos e de mercado) e pelas transformações culturais e tecnológicas (que são parcialmente endógenas aos processos concorrenciais referidos). Uma Economia Política Institucionalista é pois uma abordagem abrangente ao estudo dos sistemas económicos e da sua evolução, que não dispensa o contributo de diferentes ciências sociais.
Pistas de leitura sobre o tema
Chang, Ha-Joon (2002). “Breaking the mould: an institutionalist political economy alternative to the neo‐liberal theory of the market and the state”. Cambridge Journal of Economics, 26(5), 539-559.
Hodgson, Geoffrey M. (2006), “What Are Institutions?”, Journal of Economic Issues 40(1), 1-25.
Nelson, Richard R. & Sampat, Bhaven N. (2001), “Making sense of institutions as a factor shaping economic performance”, Journal of Economic Behavior & Organization 44(1), 31-54.
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8 comentários:
"(...) economistas políticos clássicos (como Smith e Marx), pela Escola Histórica Alemã e por velhos institucionalistas americanos (como Veblen), passando por Keynes, Schumpeter, Polanyi, Myrdal, Hirschman ou Galbraith - enfim nomes pouco ou nada falados na generalidade dos cursos de Economia (...)"
A sério, isto é mesmo verdade? Eu não escolhi o curso de Economia, escolhi de Informática, mas até eu, enquanto cidadão que se interessa pela organização política e económica da sociedade, já li, resumidamente e sem ir ao detalhe, mas li, vários desses nomes.
Andar a formar uma geração de "economistas" que não estudam o fundamental do modelo de maior sucesso de sempre, o Keynesianismo, só pode querer dizer uma coisa: a captura das universidades pelo grande poder económico - e com "economistas" assim, só se pode esperar vários colapsos económicos no futuro.
O que andam então a estudar? A TINA (There Is No Alternative), que é a doutrina ANTI-democrática do Neoliberalismo? Ou o modelo Trickle-Down, que comprovadamente falha sempre que é posto à prova?
Haja vergonha, haja um Ministério da Educação que pense menos em ter "International Business Schools" para fazer propaganda barata à internacionalização do nosso ensino superior, e comece a regular, a exigir uma parte básica essencial no currículo de qualquer Instituição de Ensino Superior de Economia feita com os nomes históricos incontornáveis.
Basear todo um ensino "superior" em modelos de "wishful thinking", em vez de em modelos que comprovadamente resultaram (mas não agradam ao poder que agora capturou as universidades, para depois capturar (ainda mais) o rumo económico dos países, é um VERGONHA.
O resultado são os idiotas que aparecem em toda a Comunicação Social mainstream a dar graxa ao patronato, a dizer "ai ai ai o salário mínimo vai destruir emprego", porque se baseiam no seu próprio fanatismo ideológico (ou são mesmo mentirosos compulsivos), em vez de se basearem nos N estudos sérios que mostram ou efeitos positivos ou neutros, sempre que há aumento do salário. Enfim...
Por curiosidade li o Manifesto do Colectivo Economia Plural, e só lhes posso dar os parabéns pela iniciativa e desejar muita sorte na obtenção dos objetivos. FORÇA!
Eu posso responder. Andamos a estudar em grande, grande parte, economia neoclássica.
Os curriculas universitarios actuais estao muito convencionalmente orientados. O que ainda possibilita a reflexao alternativa critica sao alguns profs em algumas escolas. No ensino secundario a pobreza e' ainda maior. Quem se lembra de disciplinas como "Introduçao 'a Politica" nos 10° e 11° anos?
Tudo isto faz parte de um trabalho continuado de formataçao, uniformizaçao e da reduçao de campos de pensamento alternativo.
Sem dúvida que há uma importante ciência das organizações, instituições...ajuntamentos.
Mas não duvido que a sua atratividade é para muitos o caminho da diminuição do valor do indivíduo e da exaltação dos directórios.
Nos vinte princípios a palavra 'liberdade' é 'sem resultados'.
José, procure pela palavra "livre", vai ver que lá está. Não como gostaria.
Jose, se em vez de abusar do ctrl F e do vinho, lesses umas coisas fazias figura de urso menos vezes. E possivelmente ainda aprendias umas coisas...
O uso das palavras em uso pelo jose demonstra como aquelas podem ser manipuladas e aviltadas.
A utilização do crtl F aqui citada por Lowlander esconderá a saudade pelo traço do lápis azul da ordem? Em busca perpétua pelas palavras autorizadas ou obrigadas do Index da sua Ordem?
Mas tal uso das palavras, ao sabor de todas as manipulações e demagogias ainda se torna mais chocante quando se lêem trechos do próprio jose, nos anos de chumbo da governação de Passos.
Nessa altura não eram necessárias estas "fitas"
Quando confrontado com Cavaco como seu putativo líder, respondia assim jose:
"na composição da minha pouco importante figura, evita pôr-me como tendo Cavaco por líder! Põe lá o salazar mas não o Cavaco".
Quando confrontado com o papel criminoso da Pide, respondia assim jose:
"A PIDE era a polícia de defesa do Estado Português; era polícia de fronteiras, agência de informações e de contenção ou ataque a quem o poder político definia como inimigos do Estado"
Para aquele, nessas alturas, por onde andaria a palavra "liberdade, tão prostituída que nem os offshores tributários?
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