quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O mito da demografia em Educação (I)

Instalou-se nos últimos anos em Portugal a ideia de que temos professores a mais. De facto, perante a quebra continuada da natalidade e a consequente diminuição da população escolar supõe-se que a redução do número de docentes no sistema educativo, ocorrida nos últimos anos, constitui apenas o reflexo natural e necessário de um «ajustamento à demografia». Esta noção foi insistentemente invocada por Nuno Crato, que assim encontrou uma forma de justificar os cortes orçamentais em educação, no decurso do seu mandato. Numa entrevista em setembro de 2012, por exemplo, o ex-ministro da educação considerou ser «inevitável» a redução de professores no sistema, dada a diminuição do número de alunos, resultante do decréscimo da natalidade.

Um gráfico recentemente publicado pelo Pordata, no «Retrato de Portugal 2017», dá conta da evolução do número de docentes entre 1995 e 2015. Juntando-lhe os dados relativos à educação pré-escolar, percebe-se a dimensão da redução do número de educadores e professores, que é particularmente expressiva no 2º e 3º ciclo do ensino básico e no ensino secundário, com menos 30 mil docentes entre 2010 e 2015.


Ora, quando ponderarmos o número de educadores e professores pelo número de crianças e jovens em idade de frequência dos diferentes níveis de ensino, verificamos que o «fator demográfico» deixa de poder ser invocado, dado o aumento dos rácios que se obtém. Com efeito, na educação pré-escolar esse valor ponderado inverte-se em 2011, passando de 16,6 crianças por educador nesse ano para 17,9 em 2015; no 1º ciclo do ensino básico a inversão de tendência ocorre mais cedo, passando o rácio de 10,8, em 2005, para 14,2, em 2015 e, por último, o aumento do rácio de alunos por docente no 3º ciclo do básico e secundário regista um aumento significativo a partir de 2010, passando de 7,1, nesse ano, para 9,0, em 2015.


Pode discutir-se, evidentemente, qual o rácio adequado entre docentes e crianças e jovens em idade escolar, tal como se pode comparar essa ponderação com os valores registados a nível europeu, sem contudo descurar as especificidades da questão da educação em Portugal e os principais desafios que, nessa matéria, se colocam ao nosso país. O que não se pode, com fundamento, é continuar a invocar o «fator demográfico» como justificação para a redução do universo de educadores e docentes no sistema educativo.

Adenda: Os dados do Pordata relativos ao número de docentes não se restringem ao universo das crianças e jovens, pelo que importa somar, para efeitos da estimativa adequada dos rácios, os adultos inscritos no ensino básico e secundário, o que se traduz num aumento dos valores apurados (quando se consideram apenas as crianças e jovens em idade de frequência escolar), não se alterando contudo, em geral, as tendências verificadas:


10 comentários:

Jose disse...

Claro que se pode continuar a evocar porque a tendência não é de crescimento.
E ainda que fosse o rácio tem que ser ponderado e a miséria do Estado tem de ser ponderada e o sistema de ensino tem de ser ponderado.
TUDO tem de ser ponderado.

Alice disse...

Para guardar meninos, não é preciso grande qualidade ou habilitações, ao contrário do que se julga, até podem estar centenas entregues a um único "professor" que nem precisa de saber ler e escrever.

A questão dos rácios tem muito que se lhe diga, nomeadamente sobre como são contados os professores, algo que não me recordo de ser especificado nos cálculos a este respeito. Os docentes têm todos horário completo atribuído? E os professores que não têm horário completo, também são contados (e como)? E depois, como é feita então a "divisão" para chegar ao rácios?

Hipoteticamente, se tivermos 24 professores, cada um com um único tempo lectivo de horário, a leccionar uma turma de 24 meninos (assumindo que só têm 24horas de aulas por semana), chega-se a um rácio de 1/1, o que em nada corresponde à realidade desta sala de aula.

Anónimo disse...

Pode-se argumentar muita coisa agora não é lícito dizer que um professor/ educador nem precisa de saber ler ou escrever ou ter a seu cargo "centenas" de crianças. Tem filhos no regime que preconiza? Falácias.

Anónimo disse...

É claro que, rácios à parte e se formos ao terreno, a bela da realidade cor de rosa onde a professora/professor dá aulas a meia dúzia de discentes é uma inexistente anedota. Os professores - cada um deles - trabalha hoje horas infindas com turmas cada vez maiores. Há um docente que, infelizmente, fica doente e mete baixa (coisa, diga-se, cada vez mais comum, dada a muito jovem média etária do corpo docente nacional)? Pois junta-se o útil áquilo que muito agrada ao nosso Ministério das Finanças e reparte-se o seu horário por dois docentes que já tinham as suas próprias turmas atribuídas. E isso repete-se e repete-se...
Devemos, por outro lado, notar a hipocrisia dos racionalismos imediatistas dos nossos sucessivos governos do Centrão, pois se se não admite "fartura" de docentes pouco consentânea com a nossa redução populacional no sector educativo, por um lado, já a miséria de efetivos humanos no sector da saúde, por outro lado, lhes não tem causado o mesmo frenesim "reformista". A gente compreende o porquê do hipócrita dualismo: cortar num lado e não acrescentar no outro são dois aparentemente antagónicos caminhos que levarão à auspiciosa e tão perseguida chegada ao singular e único porto da desejada substituição do público pelo privado. Os amigos no Governo são para as ocasiões e os privados amigos dos amigos no Governo agradecem muitíssimo a renda vitalícia.

PS - Aqui fica um apelo aos articulistas do ldB: façam-nos o favor de analisar o vergonhoso facto de a classe docente pública deste país ter hoje uma altíssima média de idades, facto esse que só nos permite uma honesta conclusão: pelo andar da carruagem, ficaremos nós mais depressa nós sem professores do que teremos míngua de alunos no futuro.

Anónimo disse...

Um tipo aí em cima diz que tudo tem que ser ponderado

Há coisas assim . Quando Crato chefiava o ataque à escola pública, a sua ponderação assentava nos territórios do lucro para os privados

E no ensino claramente de classe.

Alguém quereria também com base em tal ponderação um ensino com base no "senso comum". Com o Sol a girar à volta da Terra.

É a ponderação dos Cratos Coelhistas da nossa terra.

Agora entusiasmados com o regresso do morto-vivo da Cavacal personagem?

Anónimo disse...

Uma posta serena e indesmentível bem complementada pelo anónimo das 19 e 06.

Quanto ao "evocar" pode-se evocar muita coisa. O que não se pode é "invocar o «fator demográfico» como justificação para a redução do universo de educadores e docentes no sistema educativo".

E a justificação está no post de Nuno Serra.

Estes factos são tramados. Tanto que mais não restará do que fazer estas "evocações" e atirar ponderações para a "miséria do estado" e para "o sistema de ensino"

Curiosamente quem fala na miséria do estado é quem andou por aqui com centenas de posts a defender os contratos de meia-dúzia de donos de colégios privados a cobrarem rendas ao Estado. Ou quem defendeu a fuga para os bordéis tributários como forma de protecção dos lucros de um patronato vampiresco e criminoso.

Quanto ao sistema de ensino... que saudades do tempo em que se ensinava que Angola era nossa e que se cantava o "lá vamos cantando e rindo", enquanto se morria e matava nas colónias...

Alice disse...

O anónimo das 09:29 não compreendeu a ironia nem reparou na expressão utilizada: "guardar meninos".
"Guardar meninos" é diferente de ensinar, embora já nem se perceba muito bem qual é que será a real função da escola, pois esta definição vai navegando ao sabor dos problemas que é conveniente lá despejar.

Em relação às centenas que referi, era apenas uma comparação por absurdo com as parvoíces já proferidas por dois ex-ministros da Educação deste país, que vieram dizer que o número de alunos em cada turma não tem influência na qualidade de ensino.
Quem sabe se, de acordo com estes ex-ministros da Educação, podíamos ter uns 200 alunos em cada turma, já que acham que o resultado seria sensivelmente o mesmo, e até saía muito mais baratinho!

Aproveito para deixar uma reflexão a respeito da média de idades dos professores: como é que a média de idade é "demasiado" alta? Será que os professores do nosso país estão todos a pedir de joelhos para continuar a trabalhar depois de se reformarem? Ou são, em simultâneo, velhos para trabalhar, mas novos para se reformarem?
O discurso oficial vai dizendo que são "do século passado" e outros mimos. E eu que pensava que eram essas mesmas vozes oficiais que determinavam as idades de reforma... ingenuidade minha.

Anónimo disse...

Penso que a caríssima senhora Alice não entendeu um facto óbvio e que salta à vista do mais desatento dos observadores: a população docente do ensino público deste país está completamente envelhecida e quando afirmo que a sua média de idades é demasiado alta é isso mesmo que eu quero afirmar. Não sei de onde lhe veio, cara Alice, esse confuso discurso. Se fizer um périplo pelas escolas públicas deste país vai a senhora constatar uma só realidade: professores mais do que em idade de gozarem o seu merecido descanso são obrigados a trabalhar como se estivessem nos seus verdes vinte aninhos de início de carreira. Mais: enquanto os nossos humanitários governos obrigam gente envelhecida e doente a trabalhar até estoirar com o resto da saúde que lhe resta, é negada aos jovens professores contratados a entrada na carreira docente. Faz toda a lógica, não faz?

Alice disse...

Estamos a dizer o mesmo, mas o caro Anónimo não entendeu a ironia de escutarmos habitualmente os próprios responsáveis pela educação dizerem que os professores estão velhos e desactualizados ("são do século XX"), quando são precisamente eles que não os deixam reformarem-se e os obrigam a trabalhar até cada vez mais tarde!

Os humanitários governos que refere até parece que têm até o cuidado de, aos 65 anos, pretender verificar se estamos aptos para conduzir. Mas, no que toca a reformas, deve ser para morrer no posto de trabalho.

Anónimo disse...

Pois é isso mesmo, caríssima Alice. Quanto à atualização dos tais professores que estão "desatualizados", mesmo que tal fosse verdade (e não é), a sua "atualização" seria completamente impossível fosse qual fosse a sua idade: é humanamente impossível a classe docente "atualizar-se" a cada três meses. É essa a periodicidade com que é soterrada com novíssimas e inteligentíssimas novidades pedagógico-pseudocientíficas vindas do Ministério da Educação. Creio até que o nosso querido Ministério da Educação é o único organismo consistentemente trotskista de todo o planeta: a revolução é permanente e sem parança.