segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Poupar não ajuda o crescimento. É o crescimento que determina o nível da poupança

Ângelo Correia a dizer disparates sobre economia na RTP3 (22h30m). Fez a apologia da poupança sem a qual, segundo julga, o país não consegue investir e crescer. É asneira.

Os bancos não emprestam os nossos depósitos. Estes fazem parte das reservas de liquidez dos bancos, normalmente depositadas no banco central. A decisão de conceder o crédito não depende directamente dos depósitos, depende do risco do cliente, do risco do projecto e do nível do juro que consegue negociar, tendo em conta a concorrência. Quando o crédito é aprovado, o valor concedido é registado na conta do cliente, aumentando-lhe o saldo. O dinheiro é electrónico e é criado apenas com o teclado do computador do banco.

A procura do financiamento bancário depende da procura da economia e das expectativas de futuras vendas, ou da convicção das famílias de que os seus empregos lhes permitem pagar a mensalidade ao banco. Se a economia está deprimida, não é por falta de poupança que o investimento privado se reduz. É por falta de procura! Mesmo com taxas de juro baixíssimas o investimento pode não arrancar se o pessimismo for dominante.

Se a economia estiver a crescer de forma consistente, os rendimentos dos agentes económicos aumentam e, por isso mesmo, também poupam mais. Ou seja, a poupança resulta do processo de crescimento. A poupança não gera o crescimento. Aliás, a poupança das famílias retira dinheiro do circuito económico, reduzindo o consumo.


Infelizmente, muitos economistas nem sequer sabem como funciona o sistema bancário o qual, de facto, tem sido erradamente explicado nos manuais de economia dos primeiros anos dos cursos universitários. A teoria está ultrapassada e a inércia é tremenda. Ninguém quer perder a face.

Há relativamente pouco tempo o Bank of England produziu um texto muito didáctico que envergonha os professores que ainda ensinam que os bancos são intermediários entre a poupança e o investimento. Não são. Eles criam directamente, quer dizer, electronicamente ("a partir do nada"), o dinheiro a emprestar, o que não passa de um registo contabilístico.

12 comentários:

Anónimo disse...

Espero sinceramente que este post seja lido. E que quem o lê pense um pouco sobre aquilo que está aqui escrito

Ângelo Correia diz asneira mas vai mais longe do que a simples asneira. Com ele haverá por aí outros.

Reagirão como quando confrontados com a sua "ignorância"? Ou como os seus mantras neoliberais?

Jose disse...

Desde sempre se disse que o crédito cria moeda!
Por o crédito bancário ao serviço do investimento para servir o consumo é provavelmente a antecâmara do anátema sobre a 'financiarização da economia'.
Entre poupar e comprar uma casa e financiar a sua compra vai toda a diferença entre viver no fio da navalha e alcançar um estatuto de segurança acrescida.
Mas entre a economia do JÁ e a economia gradualista há um mundo de diferenças.

biacouto disse...

Este post, como tantos outros que aqui vou lendo, com simplicidade vai desatando mitos e abrandando a iliteracia financeira. Obrigada por tanto.
Em relação à atividade dos bancos, que tanta tolerância tem tido, continua a precisar de afinação. Não compreendo por que razão continuam as Administrações a ser pagas a peso de ouro e os juros dos depósitos são praticamente nulos. Se esse dinheiro serve para acreditar a função, se faz parte da base do negócio, não deveria ser mais considerado?

Anónimo disse...

Post correctíssimo. Aconselho o livro:" where does the money come from " Onde tudo isso é muito bem explicado.

Anónimo disse...

A economia do Já e a economia gradualista.

Estamos sempre a aprender. Não se percebem então as odes aos banqueiros que necessitam Já do capital para aumentarem Já os lucros.

"A financeirização da economia desenvolveu-se em intensa articulação com a reconstituição dos grupos monopolistas e em particular com o papel que, após a privatização do sector bancário e segurador público, o sector financeiro privado voltou a ter na condução da economia nacional".

Anónimo disse...

Cara biacouto:

As administrações a serem pagas a peso de ouro. E a máfia a defender estes procedimentos porque os milhões pagos a tais "gestores" justificam-se já que estes conseguem lucros de centenas de milhões. Era desta maneira que defendiam coisas como o António Borges ou os proventos de Mexia.

Até um dia em que.

Porque já todos sabemos. Os lucros são privados. Os prejuízos socializados e pagos por todos nós

Anónimo disse...

Deixemo-nos de tretas.

O mundo de diferenças não se fica na casa adiada para as calendas gregas do coitado que não tem o dinheiro para a "segurança acrescida" (o vocabulário em uso é todo um mimo).

Porque a financeirização da economia assenta noutras bases. Foi um dos factores cruciais da desindustrialização. Os gurus da gestão difundiram como factor de sucesso empresarial o ganhar o máximo possível no mais curto espaço de tempo. Os lucros assim obtidos entraram no circuito da especulação financeira, mesmo quando se tratasse da compra de activos existentes. Com estes critérios foi recorrente o fecho de empresas com encomendas e resultados positivos, pela simples razão que a taxa de lucro seria superior noutras paragens.

"O mito dos “mercados” corresponde à financeirização da economia, à sua entrega à especulação e usura, apoiada em paraísos fiscais, percorrida pela corrupção e pela fraude, suportada pelos bancos centrais (BCE, FED, etc.). Os “mercados” servem de arma de agressão social e opressão contra os povos por eles dominados, concretizada na chantagem dos juros e nos planos de austeridade, com ou sem troikas."

E de facto "a poupança resulta do processo de crescimento. A poupança não gera o crescimento"

Anónimo disse...

Ó José, será que se eu começar a poupar em água, gás e produtos de banho/higiene, que os meus colegas de trabalho se vão solidarizar com a minha poupança? E se deixar de ir também ao barbeiro, acha que também poupo o suficiente para comprar uma casa?
Ainda sou mas é corrido do emprego.

Ao menos, faça as contas, que se aprendem na primária. Se poupar 100eur por mês, durante 100 anos, dá um total de 120 000 euros, mais uns trocos em juros, assumindo que comecei a trabalhar e a receber ordenado desde o dia em que nasci.

O seu comentário revelam que, ou não tem experiência de vida, ou não tem inteligência, ou, pior ainda, faltam-lhe as duas! Saia da sua redoma e pense lá durante 5 minutos onde diabo é que quem recebe 600eur por mês vai arranjar 100 para poupar.

Anónimo disse...

Ângelo Correia tem sempre muitas certezas absolutas, ainda que vagas. O trabalho de prestação de serviços ao serviço de leva-o a lançar-se, no seu estilo de irrebatibilidade impossível com meneios de cabeça, na defesa do seu ex-orientando Passos, com termos ligeiramente diferentes mas com o mesmo propósito - poupanças para o capital à custa dos mesmos do costume - redução dos salários a quem vive dos rendimentos do seu trabalho.
Mais uma vez o LdB, aqui pela mão de Jorge Bateira, a prestar autêntico serviço público e a desmontar de forma claríssima as manobras das vozes dos DDTs.

Jose disse...

Se o José sou eu, o anónimo está nos bastidores do 'Ladrões'.
E quem ganha 600 euros e por aí se fica, não poupa. Precisa é que um Estado decente construa habitação social como sempre fizeram os horrorosos 'fascistas'. em vez de andar a dar de mamar a todo o cão e gato!

Anónimo disse...

Ja viram um tipo a chamar de estado decente, um estado ditatorial e colonialista que mandava matar e morrer nas colónias que sugava e mamava, até não restar nada, nem sequer para o cão e o gato?

E a habitação social incrementada de forma predilecta pelos sacanas sem lei eram os bairros de lata que proliferavam que nem cogumelos

Jaime Santos disse...

Agradeço o link do BE, que explica de forma simples questões complexas como a criação de moeda por via da concessão de empréstimos pelos bancos ou mesmo o quantitative easing. Mas as coisas não podem ser tão simples como o Jorge Bateira enumera, porque de outro modo, por exemplo, o fundo de garantia de depósitos conseguiria garantir os nossos depósitos a 100% e não apenas os primeiros 100.000 € (garanto-lhe, Jorge Bateira, que quem tem 150.000 € num banco não é uma 'pessoa abastada'). Ou seja, algum do nosso dinheiro tem mesmo que andar a circular como parte do negócio dos bancos... Depois, há um elemento da chamada moeda fiduciária que é crucial, ou seja a confiança (a palavra fiduciária deriva precisamente do verbo latino correspondente a confiar). Não apenas a dos consumidores, mas também a dos investidores, que emprestam dinheiro à República para ela financiar os seus défices. Vai ver a velocidade com que ela desaparece se aplicarmos o programa que o Jorge Bateira defende à Economia. Finalmente, tenha cuidado com a forma como trata os argumentos das pessoas com quem não concorda. Ainda me recordo muito bem da forma elementar como Nogueira Leite o entalou no debate sobre a saída do Euro com aquela da taxa interna de retorno... Não despreze os seus adversários... Ângelo Correia pode ser muita coisa, mas não é com certeza burro. E tem razão num aspeto crucial. É ótimo que as pessoas disponham de mais rendimento disponível e que o gastem para animar a Economia pelo consumo. Agora, que se voltem a endividar como parece estar a acontecer, é da mais elementar imprudência, para não dizer estupidez...