quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Aplicam políticas das quais não gostam


Aplico políticas neoliberais das quais não gosto. 
Euclid Tsakalotos, Ministro das Finanças grego. 

Mário Centeno diz que o governo fez mais em três semanas no caso Banif do que a direita em três anos e tem razão. Sabemos que depressa e bem não há quem. O problema é a tal Europa, que não está connosco, reconhece Centeno: não autorizou a capitalização do banco e a sua fusão com a CGD, a boa solução defendida pelo governo e condicionou, também por via do uso da arma letal da liquidez do BCE, a solução, optando-se, neste contexto, pela que mais favorece um grande grupo financeiro estrangeiro, assim ajudado pela República. No entanto, como não é ajuda para robustecer os poderes públicos a favor do interesse nacional, não há problema por parte das instituições pós-democráticas da UE. O governo português também aplica políticas das quais não gosta. É o destino das esquerdas neste contexto estrutural, da Grécia a Portugal.

O problema é que a política, em última instância, não se avalia pelas intenções, pelos gostos, mas sim pelas consequências do que efectivamente se aplica. E manda a ética da responsabilidade que seja avaliado o que efectivamente se aplica: havia alternativa a votar contra o orçamento rectificativo? Não havia. A avaliação tem de se fazer política a política, decisão a decisão. Sem perder de vista as tais estruturas de constrangimento e a sua natureza de classe absolutamente transparente.

Entretanto, os europeístas têm muito que explicar, dada a forma esperançosa como ainda tendem a apresentar a transferência em curso de poderes regulatórios, mesmo que conformes ao mercado, para o centro. Eu que sou cada dia que passa mais eurocéptico (como não o ser?), e favorável há muito à desobediência soberana, até simpatizo com a regra europeia, em vigor a partir do próximo ano, mas que provavelmente se poderia ter aplicado desde já, de poder fazer pagar todos os accionistas e credores do banco, com excepção dos depositantes até cem mil euros, pela sua “resolução”. Não simpatizo mesmo nada é com a lógica sistémica de um modelo regulatório centralizado em Frankfurt-Bruxelas, desenhado para aprofundar a criação de mercados globais, com grupos financeiros a operar nessa escala e que comandam as instituições pós-democráticas, ao contrário da ilusão provinciana de que no “estrangeiro” não há donos daquilo tudo. Para nós, será bem pior porque as decisões retirarão cada vez mais centros de decisão nacionais, até não restar nada.

A regra em causa poderia bem ser uma regra nacional, parte sistema regulatório nacional, controlado pela democracia onde esta pode existir. Não vejo nenhuma razão para um governo de esquerda proteger os grandes credores de um banco; nenhuma razão para que um capitalista de origem madeirense, sei lá, com uns negócios na Venezuela e que usou o Banif das Bahamas, um paraíso, para fugir daí, rumo ao jardim fiscal da Madeira, seja protegido pelos que aqui vivem.

Tal regra até seria dispensável, uma vez estabilizado o sistema financeiro em novos moldes, tendo em conta que no tempo em que havia sistemas financeiros ditos reprimidos, entre o pós-guerra e os anos oitenta, praticamente não houve crises bancárias: com banca essencialmente pública, com especialização funcional, com controlos de capitais e um Banco de Portugal, com independência operacional, mas politicamente dependente do Ministério das Finanças, com moeda própria, tal como antes da década de noventa. No entanto, a tal regra até pode ser útil na transição. Enquanto esta transição não chega pela vontade soberana do povo, a política está reduzida a olhar para o passado em busca de responsáveis, exercício sempre útil, mas desprovido de consequências, até porque não há instrumentos de política onde está a política democrática. Sobra o moralismo. As consequências que contam, essas são profundamente imorais.

10 comentários:

Aleixo disse...

A blindagem dos centros de decisão, ao sufrágio universal, passou a ser o objectivo primeiro, dos poderes instalados.

Em DEMOCRACIA, a Soberania tem de ser exercida pelo POVO.

Unknown disse...

È muito suspeito não ter atrasado a decisão vários dias, para que caísse sobre a laçada do novo regulamento de 20126

Anónimo disse...

Parabéns, excelente texto, é mesmo isso.

Anónimo disse...

E´ a verdade – cada minuto que passa já não torna --. O Banif já´ foi!
Dizer que houve e há culpados – olhem isto na Islandia… em..? E que a culpa morre viúva, só nesta tristeza em que vivemos… e eu a ler com muita atenção o Papa Francisco… Tal Qual li o Papa João XXIII já la vai um bom par de anos…São coisas do Sistema que criamos, guiados por “sumjidades” que ate´ iam e vão ao beija-mão Bispal.
Podem todos se desculparem com o BCE/EU/NATO, não podem e´ deixar de ser cúmplices desta tirania que em ma´ hora nos deixamos envolver.
A Historia não se repete, e´ verdade, mas nem por isso deixa de ser exemplo do que se não deve repetir…
Ainda há tempos me perguntava – O que e´ ser de esquerda nesta Era de conteúdos sórdidos, mixigenados e pútridos do mais baixo teor humanístico? Sortilégio sem resposta…
Não deve ser de Esquerda quem quer, quem se diz ser, mas quem e´ de facto! Muitas duvidas de Adelino Silva

Jose disse...

Democrático mesmo é roubar os ricos!
Às vezes os 'ricos' são fundos de pensões, o que atrapalha um pouco os 'democratas'.
Respeitar o capital e responsabilizar gestores, privados e públicos, ´é que é pouco 'democrático'.

Tavisto disse...

"até simpatizo com a regra europeia, em vigor a partir do próximo ano, mas que provavelmente se poderia ter aplicado desde já, de poder fazer pagar todos os accionistas e credores do banco, com excepção dos depositantes até cem mil euros, pela sua “resolução”.

Esta nova regra comporta um risco que não vi ainda abordado: O da fuga de capitais dos países periféricos, evitando os grandes depositantes correr riscos em caso de resolução bancária.

Jaime Santos disse...

Lamento, João Rodrigues, mas a ética da responsabilidade implica que entre duas soluções más se deve escolher a menos má. A alternativa a esta solução era a liquidação, mais onerosa para o Estado, segundo Centeno. Claro, a abstenção de um PSD entalado foi mais do que suficiente. Depois, infelizmente, as Esquerdas confundem aforradores com pessoas 'abastadas'. Leia no JN o caso do carpinteiro de 44 anos, com 25 anos de trabalho passados na Suíça que perdeu as suas poupanças (300 mil Euros) em ativos tóxicos do BES, instituição na qual o Estado tinha empenhado a sua palavra (infelizmente Cavaco e Passos foram eleitos pelo Povo, mesmo se se fartaram de dizer disparates). Acha que deveríamos ter feito o mesmo com as poupanças de muitos emigrantes no BANIF? Eu não acho. Lembre-se que o Estado Social, para funcionar, não pode ser propriedade dos mais pobres. A protecção da Banca deriva da protecção das poupanças da classe média que sustenta o Estado com os seus impostos. Não se diminui o risco moral faltando à palavra do Estado. O que se faz, isso sim, é responsabilizar civil e criminalmente gestores por comportamentos ruinosos, é proibir a banca comercial de comportamentos especulativos e por último e se necessário, nacionaliza-se. Só que isso, e aí estamos de acordo, a UE não deixa...

maria disse...

Na Islandia já foram condenados à prisão 28 banqueiros! Aqui 0! E por isso não se entende a justiça...
Não há que fugir. Ou seremos um Pais independente ou dominado, que é o caso. As atitude politicas terão de ter grande dose de CORAGEM e a banca voltar ao dominio publico! OK???

Agora é com o sistema financeiro. E quando os tratados TTPI e outros estiverem assinados (nas costas de quem deveria, realmente concordar!) e os Estados não tiverem soberania sobre as multinacionais, nomeadamente as da alimentação e farmaceutica, aí é que a porca vai torcer a bem torcer o rabo!!!

OU NOS LEVANTAMOS AGORA E TIVERMOS A CORAGEM DE MUDAR, nem que sejemos os 1ºs, PORQUE A SEGUIR OUTROS SE JUNTARÃO A NÓS, O PRESENTE É SÓ UMA AMOSTRA pequenina DO FUTURO e da impossibilidade de um FUTURO LUMINOSO E PUNGENTE AO SERVIÇO DA HUMANIDADE!!!

BOM ANO DE 2016!

Anónimo disse...

O tratamento político, social e económico de que somos vítimas resume-se em “albardar o Burro a´ vontade do dono”!
Tormenta que empastela as mentes dos movimentos sociais organizados, ate´ por que são os partidos “tradicionais” baseados em uma Constituição fora de prazo, os veiculadores de tal empastelamento.
A invisibilidade do dono do Burro torna a coisa ainda mais complicada, e, no entanto e´ coisa corpórea…
O Burro, coitado, de quando em vez prega com o dono no chão e em alternativa dá-lhe um par de couços, mas não e´ nada que um braçado de Palha e uma cenoura o acalme… Bom Final de 2015! Adelino Silva

Anónimo disse...

Jose nunca defende os pobres
tem-lhes até ódio
Jose, para defenderes assim a classe só há duas hipóteses
és rico e cabrão (porque há ricos que não são cabrões - Warren Bufett, entre outros)
és um doentio sabujo
esclarece-me, sff