O Alexandre Abreu já se referiu aqui à situação que se vive no Bairro de Santa Filomena, no concelho da Amadora. Tomando como critério o recenseamento realizado em 1993 (no âmbito do PER), a Câmara Municipal apenas pretende assegurar o realojamento das famílias que constem desses registos e que não foram realojadas na altura. Sobre as restantes (que não viviam à data no bairro) pende a ameaça de despejo compulsivo, com posterior demolição das casas, sem que nenhuma solução substantiva seja apresentada. A câmara apenas se dispõe pagar até três meses de renda no mercado livre ou as viagens de repatriamento para Cabo Verde (e quem não aceitar, terá que conseguir - segundo a edilidade - «solução alternativa por conta própria»).
Estamos a falar, de acordo com o apuramento realizado pelo Habita (que apresentou entretanto uma queixa na ONU), de um bairro onde vivem 83 famílias (280 pessoas, das quais 104 crianças), com rendimentos médios mensais entre 250 e 300€. Estamos a falar de muitas situações de desemprego e de luta diária pela sobrevivência. Estamos a falar de cidadãos que se encontram à margem da «cidade», nos tempos de crise e empobrecimento deliberado que o país atravessa.
O Estado Novo está cheio de episódios de despejo coercivo. De camiões de caixa aberta a descarregar móveis, roupas e utensílios de cozinha como se fossem entulho. De violentas repressões policiais a acompanhar o avanço das retroescavadoras sobre barracas ou habitações clandestinas. Um tempo em que a constituição não estabelecia explicitamente que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
Em democracia, estes episódios de despejo compulsivo praticamente desapareceram e o Estado assumiu, ainda que muito moderadamente, as suas obrigações constitucionais. Mas manteve-se o mau hábito de não envolver as pessoas nos processos de realojamento, desde o seu início, e a tendencial expulsão em massa para zonas inacessíveis e desqualificadas das cidades. Os problemas que se pretendia suprimir foram em regra apenas deslocados, apesar da melhoria das condições em que as pessoas passaram a viver.
Mas hoje, em pleno século XXI no bairro de Santa Filomena, o recuo parece ser em toda a linha. Não se trata apenas de mais um mau processo de realojamento em curso, que evita a negociação com as populações e que não resolve problemas e lhes junta outros. Trata-se de deixar pessoas, em situação de particular vulnerabilidade, inteiramente à sua sorte. Será que não aprendemos nada?
7 comentários:
Esta situação não é exclusiva apenas desse bairro. É uma situação de todo o país.
É difícil julgarmos a parte da Câmara ou dessas pessoas sem nada.
Marginalizados ainda sonham não com uma casa mas apenas com um abrigo de latas e algumas tábuas....
Caro Sr. Nuno Serra, Certamente o Sr. não vive ao pé do Bairro de Sta. Filomena, certamente o Sr. não sabe o que se passa diariamente naquele bairro e como chegaram essas pessoas ao bairro. O Sr. sabe que muitos dos que foram para lá depois do tal recenseamento realizado em 1993, eram familiares e amigos daqueles que tinham realizado tal recenseamento com o intuito de ganhar algo? O Sr. sabe que as 104 crianças que tanto gostam de falar, assaltam diariamente aqueles que vão e vêm do seu trabalho honesto, que entram dentro da casa dos reformados e roubam tudo, que andam com armas de fogo e navalhas. Se acontecer algo do genéro a si ou a algum familiar seu, talvez a sua opinião seja alterada, é tudo mto. bonito mas de visto de longe. Não pertenço à CMA nem a nenhum partido politico, mas vivo junto ao bairro. Um bairro onde brinquei em míudo mas que hoje em dia é um comércio de venda de droga, armas. etc, etc...
A oferta por parte da CMA de uma viagem para a terra natal já é uma dádiva generosa por parte da Câmara Municipal.
Caro Jorge Gonçalves,
Não resido, de facto, ao pé do Bairro de Santa Filomena. Mas não deduza - por essa razão - que a minha opinião seria outra caso aí vivesse. Não ignoro que muitos dos problemas que refere terão que ver com o bairro. Mas não é atirando as pessoas para longe que os mesmos se resolvem (por mais que se resolvam para quem mora perto). Há outras formas de encarar as questões e de as enfrentar (e sobejam exemplos de como, apesar de processos muitas vezes mal conduzidos, zonas problemáticas deixam de o ser e trajectórias de vida de pessoas e comunidades se alteram para melhor). Fácil é despejar e demolir. Fácil é generalizar e não querer saber.
É claro que estamos a falar de ocupações de casas que ficaram libertas pelo realojamento (parcial) do PER. Não é isso que determina não estarmos perante carências sociais e habitacionais a que o Estado deve responder (ou acha que a falta de habitação ficou resolvida com o PER?). Preguiça é não querer conhecer as situações caso a caso e avaliar a solução justa e digna que cabe a cada uma.
Não vivo na Amadora nem junto do Bairro de Santa Filomena. Mas, até agora, não encontrei nada que desminta que a Câmara Municipal nada mais se prestou a fazer do que pagar três meses de renda no mercado livre (a famílias com rendimentos médios inferiores a 300€) ou custear o repatriamento (incluíndo crianças que já nasceram em Portugal). Não, já não estamos nos tempos do Dr. Salazar.
O seu texto diz-me tudo não reside ao pé do Bairro, nem tanto na Amadora, passe por lá e assista ao roubo diário. Desde já o aviso, pare no semáforo mas sem valores à mostra caso contrário aqueles que já nasceram em Portugal (mas que nunca quiseram trabalhar) rebentam-lhe com o vidro e apontam-lhe uma arma à cabeça para lhe dar a mala, o telemóvel ou a carteira!!! Não pense que sou do tempo do Salazar, não sou, mas que de vez em quando fazia falta, lá isso fazia!!! A exemplo de outros estados, tb Portugal devia ter na sua legislação que até uma determinada geração voltavam ao país de origem. Nasci e fui criado na Amadora, onde vivo, junto ao Bairro e nunca estive à espera do rendimento de inserção para andar pelas ruas a roubar! Tenha uma boa tarde e fale do que sabe, porquê para fala baratos, já temos muitos e esses estão em São Bento!!!
Ó Nuno Serra,
Não compete à Câmara Municipal assumir custos que só competem ao Estado. Se o Estado se disponibilizar a pagar a construção de habitações, estou certo que a Câmara Municipal cederá um terreno para a sua construção. Caso contrário, não vai ser a Câmara Municipal a substituir-se ao Estado.
Tenho andado pelo bairro de Santa Filomena, munida de máquina e equipamento fotográfico.
(https://www.facebook.com/media/set/?set=a.395499137178240.94177.173785416016281&type=1).
Nunca, mas nunca me senti ameaçada. Não senti qualquer receio ao percorrer ruas e becos do bairro. Por todos fui convidada a entrar nas suas modestas casas. De todos recebi afabilidade.
Não estou com isto a dizer que o bairro seja um paraíso. Não é, com certeza, como não o é nenhum bairro pobre.
Há, no entanto, uma questão fundamental que abrange qualquer bairro pobre de brancos ou pretos, de nativos ou imigrantes: A Constituição da República Portuguesa contém disposições que protegem o direito à habitação, incluindo o Artigo 34 sobre a inviolabilidade do lar e da correspondência, e o Artigo 65 sobre o direito à habitação e planeamento urbano.
Além do mais, o direito à habitação está garantido no Artigo 5(e)(iii) do Contrato Internacional sobre a Eliminação da Discriminação Racial; Artigo 14(2)(h) da Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher ; o Artigo 27(3) da Convenção dos Direitos das Crianças; os Artigos 5,6,7 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Portugal ratificou a sua adesão aos Tratados acima citados e está obrigado ao seu cumprimento.
Olá Boa tarde, Podem debater este tema no site da AAPPF em http://aappf.org/index.php/forum/4-discussoes-de-caracter-geral/21-bairro-de-santa-filomena-seculo-xxi-o-que-fazer
Obrigado
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