A SEDES é muitas vezes apresentada como uma das históricas expressões intelectuais do centro político tecnocrático. A orientação vincadamente neoliberal dos seus principais economistas, parte de todos os grupos de boas-vindas ao FMI, de todos os esforços para reduzir salários directos e indirectos, revela melhor o perfil dominante deste grupo de elite. Isto não impede que, de vez em quando, surjam no seu blogue algumas reflexões críticas, como é o caso do texto do filósofo André Barata, que tem tido merecida difusão, sobre a relação entre desigualdade económica e baixa confiança social, que prolonga, em contra-corrente com o pensamento hegemónico na SEDES, uns exercícios mais vagos sobre confiança e ética pública.
Partindo do trabalho empírico de Richard Wilkinson e Kate Pickett sobre os vários custos sociais da desigualdade económica, a que já aqui várias vezes aludimos, Barata indica que os elevados níveis de desigualdade económica estão associados a baixos níveis de confiança interpessoal. Portugal ilustra este padrão. Assim também se mina a confiança nessas expressões dos hábitos estabelecidos de uma comunidade que são as instituições fundamentais da República, que no nosso caso parece estar caminho de uma oligarquia onde o poder do dinheiro concentrado em poucas mãos tende a colonizar todas as esferas.
Isto remete para outros trabalhos de investigação com conclusões convergentes, que têm apontado para uma versão da chamada armadilha social, ou seja, para uma situação em que somos incapazes de alcançar soluções cooperativas com benefícios sociais evidentes devido à ausência de confiança. Um círculo vicioso ou a mais conhecida pescadinha de rabo na boca: a elevada desigualdade de rendimentos contribui para os baixos níveis de confiança social; sem confiança é difícil forjar políticas públicas redistributivas de alcance universal, associadas a um Estado social com serviços públicos robustos e protegidos politicamente e a mecanismos centralizados de negociação colectiva, de determinação de normas salariais, geradores de resultados mais igualitários antes de impostos, que são precisamente as formas mais eficazes, no quadro do capitalismo, para diminuir as desigualdades e a pobreza e para alimentar a crença partilhada de que, apesar de tudo, num certo e real sentido, “estamos todos no mesmo barco”. É a economia moral do Estado social.
Talvez seja por isso que nos países socioeconomicamente menos injustos, a legitimidade das instituições, mercantis e não-mercantis, é maior e a corrupção é menor, até porque acção colectiva cidadã, dos trabalhadores, é mais robusta, os freios e contrapoderes sindicais na economia política são mais fortes. São os países que “escolheram” o Estado social em vez do Estado penal, o que se traduz, por exemplo, numa menor percentagem de população activa dedicada a improdutivas actividades de controlo, policiamento e monitorização. A questão que Barata talvez possa colocar a muitos dos seus colegas economistas com sedes de poder e com uma concepção da política económica assente no “sangue, suor e lágrimas” é a seguinte: por que é que insistem em empurrar-nos para uma economia cada vez mais cruel?
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2 comentários:
Caro João,
O problema principal com a "confiança" é que tende facilmente a tornar-se numa "mot valise", um rótulo onde cabe tudo o que quisermos... o que, como se compreenderá, tende a levar a impasses de investigação, fazendo dela uma espécie não de "virtus dormitiva", mas de... "virtus acordativa"...
Por exemplo, situações de "social trap" correspondem a pouca confiança e vice-versa? Claro, mas... e daí? Isso, num certo sentido, é mesmo intuitivo, mas quais as terapias sugeridas?
Suspeito, por exemplo, que o João pense em assumir neste caso a repartição do rendimento como variável independente... mas já o autor do texto parece mais inclinado para o contrário... o que induz aquelas conversas "culturalistas" típicas (intermináveis variações em torno do sempiterno tema dos "males da pátria"), com a nuance de que ele parece quase hipnotizado pelo que se lhe representa como nosso absoluto "excepcionalismo" -excepcionalismo negativo, claro está...
As terapias säo estupidamente simples: fazer uma política fiscal redistributiva dos rendimentos como nos países ricos e mais igualitários, como na Escandinávia e Finländia.
Se tomarmos só o rendimento em absoluto näo conseguimos perceber porque é que países com o mesmo nível de riqueza têm índices de confiança interpessoal täo díspares, fazendo pensar em "culturas similares" ou coisa parecida, mas que se torna apenas uma conjectura.
Por isso é necessária outra variável. É óbvio.
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