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Entretanto, as taras dos sucessivos PEC acentuar-se-ão numa intervenção externa que representa, na realidade, o seu culminar. A economia política da austeridade já é clara há algum tempo: redução dos salários directos e indirectos, também facilitada pelo crescimento de um desemprego de massas permanente. Agora temos empréstimos garantidos para ir impedindo perdas no sector financeiro do centro e de uma periferia cada vez mais subalterna.
A Grécia e a Irlanda aí estão a indicar o que acontece em intervenções externas cuja política económica é inspirada nos famosos ajustamentos estruturais de tão má memória a sul e a leste: recessões com custos sociais que são sistematicamente transferidos para as classes populares obrigadas a escolhas cada vez mais trágicas devido à fragilização da provisão pública. Tudo isto acompanhado pela venda activos nacionais a preços de saldo, o que muito agrada aos capitais que circulam por aí, mas que representa a fragilização das capacidades económicas do país. 1983 é uma má referência. Não podemos desvalorizar a moeda, o Estado não tem a presença que tinha, depois de décadas dominadas por duas desgraçadas palavras na economia: liberalização e privatização.
Uma segunda previsão: acabará definitivamente a hegemonia do europeísmo feliz do bloco central e dos seus intelectuais. A União Europeia deixará de ser sinónimo de progresso e coesão social. A natureza dos seus arranjos institucionais, desde que Maastricht abriu caminho a um euro disfuncional, já apontavam para este resultado económico das periferias. Chegou a altura do realismo: temos de lutar contra o projecto de acumulação por expropriação do que é público. Estamos no desgraçado clube PIG? O clube alargar-se-á.
Um país que se queira começar a libertar desta economia da chantagem reforçada só pode pensar numa coisa: apresentar uma proposta, articulado com quem está na mesma situação na Europa, de reestruturação da dívida e do sector financeiro, associado a um reforço do controlo politico sobre a banca, uma proposta que coloque o centro perante as suas responsabilidades. Não se trata de pedir ajuda, trata-se de criar “incentivos” para que um interesse próprio mais esclarecido possa emergir no centro europeu desta desgraça.
2 comentários:
Não é ajuda, mas também não é FMI. Agora já se pede "ajuda" a Bruxelas e à Europa. Ontem era ao FMI que o pedido seria feito. E não é que foi mesmo à comissão europeia que o pedido foi feito. Mas afinal não era o FMI? Parece-me que a desonestidade e o analfabetismo económico devem ser combatidos.
O Pinócrates não estava disposto a governar com o tal FMI, pois não? Será que se quis amedrontar as pessoas com um papão. Parece-me que sim.
Jorge Rocha
Caro João
"Não podemos desvalorizar a moeda, o Estado não tem a presença que tinha, depois de décadas dominadas por duas desgraçadas palavras na economia: liberalização e privatização".
Ergo:
1) Sair da Eurolândia;
2) Nacionalizar toda a banca (não apenas a que dá prejuízos) e decerto não só (EDP, GALP...), como forma entre outras coisas de garantir sustentabilidade financeira ao estado-social;
3) Negociar com quem estiver disponível para isso, à escala mundial, as questões momentâneas associadas ao período imediatamente subsequente à saída: convém lembrar que Chávez, por exemplo, ajudou a Argentina na altura em que esta "deu com os pés" ao FMI...
Mas a prazo, é claro, país que se preze não pode pensar nas relações com os outros em termos de "ajuda"! Que miséria, isso, e que lamentável mofo neocolonial, tardo-colonial, pseudo-pós-colonial... auto-colonial! (Antes do 25 de Abril, curiosamente, também se dizia que "Portugal não pode viver sem as colónias", um pouco como hoje ensinados a pensar relativamente à Eurolândia).
Ajudemo-nos, pois, a nós próprios, colectivamente, reaprendendo com isso a viver em democracia. Um povo só está perdido quando se perde a si próprio.
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