quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O problema da direita


A direita tem um problema: é-lhe difícil dizer claramente o que pensa e o que quer. A direita pensa que os despedimentos individuais não precisam de justa causa, que deve haver um serviço nacional de saúde e uma escola pública para pobres e um mercado de saúde e de educação para ricos que paguem menos impostos. Mas quando o diz ou dá a entender, as pessoas não gostam de ouvir. É então que a direita cai do alto nas sondagens. Isso parece ter sido exactamente o que aconteceu ao PSD com as suas propostas de revisão constitucional.

É claro que as pessoas têm muita razão em não gostar das coisas que a direita realmente quer. Não gostam de empresas em que é preciso obedecer ao chefe para lá do aceitável sob pena de despedimento por razão “atendível”. Não gostam de um país dividido com hospitais e escolas pobres para os pobres e hospitais e escolas mais a sério para os ricos que pagam menos impostos. As pessoas sabem que isto tudo para além de injusto, é estúpido: ainda sai mais caro a todos do que o SNS e a escola pública universal e tendencialmente gratuitos.

Já que não pode dizer o que pensa e o que quer a direita tergiversa. O que é então dito?: “Ora essa até gostamos muito do Estado Social, o problema é que ele é insustentável e vocês devem meter isso na cabeça”. “Nós até queremos que quem não pode pagar tenha hospital e escola”. O que fica por dizer: “Nós até não nos importamos de pagar um dinheirão pela saúde e educação desde que paguemos menos impostos; apenas os impostos suficientes para garantir uma saúde e uma educação mínima a quem não pode pagar, além de uma polícia de segurança pública que nos proteja a vida e a propriedade”.

Já a esquerda, ou as esquerdas se quiserem, tem outros problemas. Mas este não tem: não perde em dizer com verdade aquilo que quer.

13 comentários:

Ricardo disse...

Infelizmente neste debate muito condicionado não tenho ouvido nem lido uma palavra sobre as graves alterações à constituição económica por parte de alguns sectores políticos muito activos em contestar a grave proposta do PSD.

Outro aspecto que valerá sobre o qual valerá a pena reflectir é a convergência de certas propostas do PSD e a política prosseguida pelo PS.

Carlos Albuquerque disse...

"não perde em dizer com verdade aquilo que quer"

Parece-me excessivamente optimista. A esquerda (e em particular neste blog) nunca explica muitos dos detalhes das suas propostas. Defende-se um investimento público mas nunca se diz de onde virão os meios. Nacionalizações? Impostos? Deixa-se de pagar ao exterior? Sai-se do euro? Quais seriam depois as consequências dessas medidas?

Rogério G.V. Pereira disse...

Julgo que o problema não é tanto a dificuldade de a direita dizer claramente aquilo que quer. O problema nem sequer é saber quando o quer. O problema é, perante o leque de opções, saber quem está em melhores condições para lhe servir de suporte politico, se o PSD se, e ainda, o PS. Parto do principio que a direita não se confunde com os partidos e estes são meros instrumentos dos interesses que configuram a direita no nosso país... Leitura arrevesada a minha? Talvez, mas ouvindo as representações patronais fica-se com esta forte impressão...

Eduardo disse...

Pois é. A esquerda consegue os seus votos oferecendo tudo a todos de forma gratuita não se preocupando com o respectivo financiamento. Como aqueles pais que fazem as vontades todas aos filhos e não lhes dizem coisas que eles não gostam de ouvir (com os resultados que se conhecem). Depois disso, o dinheiro sai do país, as empresas desaparecem, a riqueza também. Nessa altura, culpa-se o neoliberalismo. Malandros que não nos emprestam dinheiro. Carlos Albuquerque, ninguém lhe vai responder.

Luis Moreira disse...

Gosta de teatro?As outras sessões têm o preço de 12,50 € . Quem reservar os bilhetes e disser que é (colaborador ou leitor) do Estrolabio paga apenas 10 €.

maria disse...

é , as duas faces da mesma moeda , a esquerda e direita : uma tem medo de dizer o quer , demasiado egoista , a outra jamais conseguirá o que diz querer ,demasiado altruista , que ele não há omoletas sem ovos nem sociedades xpto sem homens xpto. e ainda está para nascer o homem/mulher que se sacrifique pelos estranhos à sua família. temos o são francisco de assis , claro (e mais uns poucos ) , mas esse era santo e louco.
Cuba ainda não lhes chegou para exemplo ?

pensar assim numa solução mediada , sem credos pelo meio , não seria boa ideia ?

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Quem não pode dizer o que realmente quer acaba por se transformar num vendedor de milagres, como os mestres de macumba e de tarot que anunciam nos jornais.

O que é que Passos Coelho promete? Reduzir os impostos (sem dizer os de quem); reduzir as despesas do Estado (sem dizer quais); e reduzir o défice (sem dizer como vai conciliar isto com as outras duas promessas).

Acredite nele quem acredita na taróloga Maya e no professor Karamba; eu não, que sei fazer contas e não nasci ontem.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Eduardo:

Em vez de pedir dinheiro a 5 ou 6% aos alemães, o Estado Português podia pedi-lo aos cidadãos portugueses, emitindo títulos a 4%, por exemplo: Ficava-nos a todos mais barato e sempre púnhamos algum de lado. Mas acha que a UE ia permitir isto sem retaliar?

Mortinhos por nos emprestar dinheiro estão os bancos alemães. A juros artificialmente inflacionados pelas agências de notação financeira, é claro. Deste modo, e desde que calculem muito bem os juros que cobram, ter-nos-ão sempre presos pelos tomates: obrigados a ir pagando os juros mas sempre impossibilitados de amortizar a dívida.

Isto tem um nome: usura. E usura imposta à força, o que é pior. O que devíamos fazer era denunciar unilateralmente todas as cláusulas de todos os tratados (a começar pelo PEC) que nos obrigam a destruir a nossa economia para "equilibrar" as nossas finanças.

Carlos Albuquerque disse...

Caro José Luíz

A ideia é sairmos do euro?

José Luiz Sarmento disse...

Carlos Albuquerque, a saída do euro seria um jogo em que todos perderíamos (até os alemães, que veriam uma boa parte dos seus bancos ir à falência).

As consequências duma saída do euro seriam terríveis para nós; só será altura de as encarar se e quando as consequências de não sairmos forem ainda piores.

Carlos Albuquerque disse...

José Luiz

Quando aderimos ao euro assumimos compromissos relativamente aos défices. Não me parece fácil mantermo-nos no euro e ignorarmos os compromissos que assumimos.

Mesmo que isso fosse possível, não me parece que uma política de aumento da dívida pública dentro do euro possa ajudar a nossa economia. Não temos dimensão para nos fecharmos ao exterior e se nos mantivermos abertos estaremos a incentivar toda a economia da zona euro enquanto a dívida será só nossa.

Embora os bancos alemães possam ter interesse na nossa dívida, a razão fundamental para o estado não se financiar cá dentro está muito mais perto: foi para proteger os bancos nacionais que José Sócrates deu cabo dos certificados de aforro e da credibilidade interna do estado português para efeitos de empréstimos internos.

José Luiz Sarmento disse...

Carlos Albuquerque:

Os compromissos que assumimos, relativamente ao défice ou outros, podem ser renegociados, especialmente se houver outros, além do estado português, interessados em fazê-lo.

E os interessados serão cada vez em maior número à medida que os pressupostos ideológicos que determinaram esses compromissos se vão revelando desfasados do real e as novas circunstâncias históricas vão demonstrando a sua inviabilidade.

E mesmo a Alemanha vai acabar por se dar conta disto, mesmo que seja o último país da UE a entender a direcção que o mundo está a tomar.

Carlos Albuquerque disse...

José Luíz

É bom ter esperança que o mundo há-de ser melhor. E acredito que com o tempo as coisas serão melhores. Mas não creio que Portugal tenha o tempo para esperar que os outros países mudem de opinião. E por vezes uma inevitabilidade histórica pode ser adiada por muito tempo.

Além disso uma défice elevado pode evitar males sociais maiores mas também não serve para recuperar a economia, como se tem visto em Portugal. O estado está a gastar 6 a 9% do PIB a mais do que recebe e a economia cresce 1%. A menos que se pudesse ter um endividamento ilimitado, por este caminho também não vamos a lado nenhum. E estamos numa posição cada vez pior.