terça-feira, 28 de setembro de 2010

Trabalhadores de toda a União, uni-vos!


Comissão Europeia, Banco Central Europeu, FMI, OCDE: as nossas elites nunca foram originais e têm aliados de peso. Luís Ribeiro descreve bem o projecto do FMI no i de ontem, a aposta das marionetas do bloco central: “Cortar salários nos próximos dez anos.” O FMI não aprende com os seus desastres na América Latina e no leste europeu. Lembram-se da Argentina, por exemplo? Se não se lembram, aconselho a leitura de um excerto deste relatório.

Trata-se de fazer com que sejam as classes populares e os seus rendimentos, e logo os seus consumos, a pagar o fardo do ajustamento. O endividamento e o incumprimento seguem em maior escala dentro de momentos? Ou pensam que a poupança cai do céu?

O desemprego de dois dígitos ajuda a impor a disciplina, o medo, tão selectivos. Os planos de novas rondas de desregulamentação das relações laborais têm o mesmo efeito do desemprego: fazer com que os trabalhadores sejam compelidos a aceitar reduções do poder de compra dos salários e aumentar as desigualdades entre a malta do topo, com poder, e a esmiuçada malta da base, sem criar novos e duradouros empregos, como indica recente investigação sobre as dinâmicas das relações laborais.

Façam como Manuel Alegre: não liguem à OCDE, que reproduz o famigerado consenso do Banco de Portugal, e vice-versa, que esta arquitectura neoliberal está bem imbricada e oleada. Trata-se sempre de poder. E de gerar medo, uma vez mais. Causam crises de distribuição, crises de procura, à pala de muita especulação e expropriação financeiras, sempre toleradas. Foi assim que a crise começou. Lembram-se?

Juntem a isto a fragilização dos Estados periféricos com novas privatizações e os aumentos do regressivo IVA, uma vez que as classes populares consomem todos os seus rendimentos e logo o IVA leva-lhes proporcionalmente mais, e temos a estrada para a recessão com mais desigualdade à mistura: em Portugal o regressivo IVA representa 8,7% do PIB e o progressivo IRS 5,8% do PIB; na zona euro a média é de 7,5% e de 7,9%, respectivamente.

Os aparelhos ideológicos difundem uma fraude intelectual de proporções gigantescas: os salários são o problema português. Não são, se fizermos as contas. Em termos genéricos, os salários são um custo? São. O salários são uma fonte de procura? Também. Esta contradição, no cerne dos capitalismos, tem de ser institucionalmente gerida para que se gerem empregos e justiça social: a boa gestão cria um multiplicador da igualdade no quadro das variedades de capitalismo.

À escala europeia é a falácia da composição: cortar nos salários dos funcionários públicos – para tentar corrigir os défices gerados pela crise, para fazer com que os trabalhadores do sector privado aceitem o mesmo e para tentar corrigir desequilíbrios externos periféricos – leva a uma perversa contracção do conjunto mercado interno europeu, a novos problemas nas finanças públicas e aos problemas de sempre no saldo com o exterior. Os países não podem todos aumentar as exportações líquidas, como bem sublinhou o José Guilherme. E ainda não podemos exportar para Marte...

Perante este desastre europeu, só a luta dos trabalhadores europeus pode fazer a diferença. Razões não faltam para dizer: Trabalhadores de toda a União, uni-vos!

Notas. Como é hábito, algumas das ligações são a estudos recentes, que desafiam a sabedoria económica convencional, ajudam a aprofundar estes temas e a pensar nas alternativas. A tradução para português do “manifesto dos economistas horrorizados” está a caminho. Este texto também foi publicado no arrastão.

9 comentários:

Eduardo disse...

O IVA só é regressivo se considerar que os mais ricos só consomem menos de metade do seu rendimento e que a parte que poupam nunca mais é canalizada para consumo de bens sujeitos a IVA. Não faz sentido.

José M. Sousa disse...

Este comentário é absurdo. Se os ricos gastassem tudo o que ganham deixavam de ser ricos. Proporcionalmente, os ricos gastam menos em bens de consumo do que os pobres, daí a regressividade do IVA:

«Neste contexto, pode falar-se na existência de impostos regressivos, ou seja, de impostos que implicam o dispêndio de uma fracção maior de rendimento para os contribuintes mais pobres do que para os mais ricos. Esta situação ocorre designadamente nos impostos indirectos e sobre o consumo, que são muitas vezes cobrados através de taxas fixas e que, portanto, não levam pura e simplesmente em conta a capacidade de pagar do contribuinte. No sistema tributário português há vários impostos indirectos e de consumo, como sejam o IVA»

Ana Paula Fitas disse...

Caro João Rodrigues,
Fiz link num post chamado "A União...".
Obrigado.
Abraço.

Eduardo disse...

É mesmo preciso fazer as contas? O Zé ganha 1 euro por mês e gasta tudo em bens de primeira necessidade. Paga 6% de IVA = 6 cêntimos de IVA = 6% do rendimento em IVA. O outro Zé ganha 5 euros. Gasta 2 euros em bens de primeira necessidade (IVA a 6%) e o resto em outros bens (IVA a 21%). Paga 11 cêntimos de IVA a 6% mais 52 cêntimos de IVA a 21%. Paga 63 cêntimos de IVA, ou seja, 12,6% do rendimento em IVA quando o primeiro Zé só paga 6%. Onde é que está a regressividade?!

João Pedro Santos disse...

Caro Eduardo,

A questão está em que a taxa de poupança dos "ricos" é superior à taxa de poupança dos pobres e portanto estes consomem uma maior percentagem do rendimento.
Mas mesmo assumindo que assim não fosse a progressividade do sistema seria na melhor das hipóteses muito fraca (até porque por exemplo estadia em hotéis, bilhetes para espectáculos e eventos desportivos são tributados a 5% e um almoço num restaurante de luxo paga IVA a 12% enquanto muitos bens de consumo corrente como champôs, detergentes, etc pagam IVA a 21% ?).

Já agora deve dizer-se que por seu lado os defensores da tributação do consumo (e há vários) alegam que isso incentivaria a poupança e logo a acumulação de capital que contribuiria para aumentar o emprego e a produtividade.

José M. Sousa disse...

Caro Eduardo

Sugiro que pense melhor nas contas que faz. A regressividade no seu exemplo está em que compara o que é incomparável. É que o segundo Zé pelos vistos tem direito ao dobro dos bens de primeira necessidade do que o primeiro Zé, o que é um princípio arbitrário. Partindo do princípio, razoável e justo, que a utilidade marginal do segundo euro do segundo Zé é menor do que o primeiro euro, sendo o IVA o mesmo, encontra aqui a regressividade do imposto!

Eduardo disse...

Utilidade marginal?!?! Milagre!! Nasceu um perigoso neo-liberal!!!

Eduardo disse...

Por amor de Deus, o que tem a utilidade marginal a ver com a regressividade de um imposto?! Não menospreze os seus interlocutores.

Além disso: se os bens de primeira necessidade forem os mesmos para ambos os Zés, a regressividade do IVA é uma miragem ainda maior (é preciso fazer contas outra vez?)

José M. Sousa disse...

Não se excite tanto.

Se você comer dez bolas de berlim, suponho que, à décima, pode ter problemas de saúde. Percebe a ideia?

Admitindo, o que não é verdade, como já alguém disse, que o IVA a 21% se aplica apenas a bens de luxo, você parece achar justo que uma despesa que não é essencial, para quem tem rendimentos que são cinco vezes superiores, pague apenas mais 15% de imposto; e ainda assim não percebe onde está a regressividade.