Já sabemos que o Director do Público, José Manuel Fernandes (JMF), é fanático de ‘rankings’. Também já nos vamos habituando a tê-lo como o exemplo acabado do perigo que é endeusar os ‘rankings’ como instrumento para compreender a realidade.
Os problemas envolvidos são conhecidos. Os ‘rankings’ procuram sintetizar num indicador um conjunto de realidades complexas, o que é quase por definição impossível. Se isto tem a vantagem de simplificar a mensagem (tornando a sua transmissão mais eficaz), convida a leituras simplistas da realidade. Na maioria das vezes, os resultados dependem crucialmente dos indicadores utilizados e da metodologia de agregação. Este problema é agravado pela recorrente recusa da comunicação social dominante para aprofundar qualquer tema – dois parágrafos seriam em geral suficientes para alertar para as insuficiências da análise, mas isso é pedir muito para grande parte dos jornalistas (ou dos responsáveis editoriais). Quando tudo isto se junta à tendência maniqueísta daqueles com poder para influenciar o discurso dominante – como é o caso de JMF – começamos a pensar se não seria melhor viver sem ‘rankings’.
O editorial do Público de hoje é dedicado ao relatório «Doing Business» de 2009, publicado pelo Banco Mundial. O ‘ranking’ aí publicado é construído com base em inquéritos a alguns entrevistados escolhidos a dedo - gabinetes de advogados, empresas de consultoria, associações empresariais, etc. – sobre a sua percepção acerca das condições (tempo e custos) para o registo de propriedade, a criação e fecho de empresas, o despedimento de trabalhadores, a resolução de disputas comerciais ou as transacções internacionais (em alguns casos, os resultados obtidos são complementados com estatísticas mais ou menos oficiais).
JMF diz tratar-se de um ‘ranking’ sobre «a capacidade dos diferentes países de atraírem negócios», o que é errado. Trata-se de uma análise selectiva sobre as «condições para realizar negócios». JMF pode achar que é a mesma coisa, mas não é. Para dar alguns exemplos, a atracção de investimentos depende de factores como a proximidade a mercados de grandes dimensões ou em crescimento, a qualidade das infra-estruturas, as habilitações e qualificações e dos dirigentes das empresas e dos trabalhadores, ou os incentivos públicos ao investimento. Nenhum destes aspectos é coberto pelo «Doing Business».
Para além disso, as respostas dependem muito da percepção de quem responde aos inquéritos. Por exemplo, se existe uma expectativa de que os responsáveis políticos são vulneráveis à pressão dos interesses empresariais, estes mais facilmente irão enfatizar a necessidade de alguns tipos de ‘reformas’ que estão em cima da mesa (pois sabem que haverá JMFs para difundir a mensagem da melhor forma).
Como é costume nestas coisas, tentam fazer-nos crer que essas reformas são as necessárias à atracção do investimento e ao crescimento económico. Nós até ficaríamos convencidos disso, não fora o facto de (i) diferentes estudos sobre «a capacidade de atrair negócios», usando indicadores e métodos diferentes, darem origem a ‘rankings’ muito distintos (por exemplo, dos 10 países que aparecem à frente no «Doing Business» só 3 estão entre os 10 primeiros no World Investment Report de 2007, da UNCTAD - ver figura ao lado) e (ii) não haver estudos que permitam estabelecer uma relação estatisticamente robusta entre muitas das condições consideradas relevantes para a atracção do investimento e o desempenho dos países nessa frente.
Ou seja, num tom sério de quem discute o futuro do país, acabamos quase sempre por nos encontrar no domínio da propaganda.
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1 comentário:
As discussões contigo sobre os rankings são já antigas mas continuam animadas e interessantes. De facto, é necessário saber interpretar os resultados, descodificar as mensagens e perceber as metodologias usadas que, muitas vezes, reflectem posições ideológicas sobre uma dada matéria. No caso do Doing Business, por exemplo, compara-se a facilidade dos países em despedir trabalhadores. Portugal, é dos que apresenta pior score neste indicador concreto, ou seja, Portugal é dos países onde a legislação laboral é mais proteccionista. E isto é bom ou é mau? Para alguns será bom, para outros péssimo. E este, quanto a mim, é o grande problema mas ao mesmo tempo o grande desafio dos rankings. Quanto ao JMF, enfim, não comento. O problema dele não são bem os rankings, porque ele nunca fala nas dezenas que são publicados em que Portugal aparece bem classificado. O problema do JMF é bem outro! E isso, já todos percebemos!
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