segunda-feira, 8 de setembro de 2008
O mito do mercado livre implode
Aqui está. Todos os insanos «princípios» neoliberais convenientemente deitados para o lixo. Onde importa. Na prática política. A estabilidade do sistema não se compadece com a vulgata do «mercado livre». O governo dos EUA foi obrigado a nacionalizar a Fannie Mae e a Freddie Mac, dois actores maiores do mercado imobiliário norte-americano. A palavra suja não é usada claro. No entanto, os 200 mil milhões de dólares injectados falam por si e pela boa gestão privada das duas instituições charneira. A Fannie Mae é um produto do New Deal. E durante décadas ajudou a garantir a estabilidade do mercado imobiliário. Foi privatizada no final dos anos sessenta. A Freddie Mac foi criada nos anos setenta para ajudar no desenvolvimento do processo de financeirização que marcou as décadas neoliberais subsequentes. Os resultados estão à vista. O Estado está por isso de regresso. Às claras. Habituem-se. Este livro acabadinho de sair explica porquê. E expõe as diferentes modalidades que este regresso pode assumir. Escrito pelo economista keynesiano de esquerda James Kenneth Galbraith, o melhor que posso dizer é que está à altura da obra do pai (John Kenneth Galbraith). Quando tiver mais tempo, hei-de escrever uma recensão a justificar por que é que este livro contém uma rigorosa análise económica das últimas três décadas de injustiça social e de ineficiência, uma excelente descrição dos mecanismos que geraram a presente conjuntura e dos meios para superar as dificuldades que afectam a actual configuração do capitalismo. Se passar por aqui algum editor fica o apelo à tradução. Podem encontrar uma boa discussão do livro aqui. James K. Galbraith foi o principal conselheiro económico de John Edwards. Diz-se que a candidatura de Obama está atenta às suas ideias. Esperemos que sim. Como aconteceu no New Deal, pode ser que as circunstâncias tornem inevitável o que parece ser hoje impossível. Optimismo da vontade.
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1 comentário:
Caro João Rodrigues permita-me complementar a sua análise com uma perspectiva um pouco diferente sobre o problema das Government Sponsored Enterprise (GSE): Freddie Mac e Fannie Mae.
Concordo consigo que o governo dos EUA foram efectivamente obrigados a nacionalizar as GSEs. De facto as intrincadas relações do sistema financeiro norte-americano, uma regulação desleixada e capturada, e uma dependência nacional de capital do exterior tornam a capitulação destes gigantes socialmente impossível. Um efeito de dominó parece verosímil e as consequências de um sistema financeiro descontrolado parecem afastar qualquer repugnância de adicionar a dívida destas instituições no contribuinte.
Mas como é que duas instituições com uma carteira de activos de qualidade ficam em tão má situação ao ponto de necessitarem de ajuda governamental? E como ficaram tão grandes? Para responder a esta questão é necessário ter presente que o governo nunca deixou de suportar a Fannie Mae, mesmo depois da sua privatização - que aconteceu simplesmente por razões contabilísticas e não teve qualquer fundamento económico. Surgida apenas para evitar a criação de um monopólio, a Freddie Mac seguiu pelo mesmo caminho. Isenções fiscais, processos burocráticos simplificados, acesso a linhas de crédito específicas, e muitas outras idiossincrasias ajudam a explicar como rapidamente estas instituições espezinharam toda a concorrência. Mais: o lobbying fortíssimo destas instituições em Washington capturou claramente os reguladores e políticos, permitindo que estas ajudas estatais se perpetuassem. Mas mais: a noção generalizada entre os investidores de que o governo dos EUA nunca deixaria de suportar a sua relíquia da New Deal e sua irmã mais nova (como de facto verificamos no domingo) fez com que o financiamento destas instituições fosse particularmente pouco oneroso, mesmo com níveis de endividamento vertiginosamente elevados. Conclusão: as GSEs acumularam dívidas de triliões, construído em cima de uma base de capital duns míseros biliões de dólares. Deve ficar bem claro que nenhum outro banco, do circuito livre do mercado, conseguiu construir tal montanha de dívida. Os investidores simplesmente pediriam uma remuneração muito elevada.
Mas eis que a economia recebe um choque. A crise financeira e o consequente paradoxo da desalavancagem começam a fazer moça. Com algumas políticas adequadas do Fed e sustentadas por bases mais ou menos sólidas de capital, a maior parte dos bancos vai resistindo (com um ou outro sobre salto, e.g. Bear Sterns e Northern Rock). Mas por ironia, as verdadeiras grandes vitimas que se registam são as empresas suportadas pelo governo. As GSEs começaram a implodir. Nada que já não tivesse sido avisado atempadamente por diversos economistas (mas ignorado por políticos). Mas parece que tudo vai acabar por ficar bem agora que o problema passou para a esfera do contribuinte.
É claro que tudo isto não passa de uma grande falha de governação. Se o governo americano queria manter o apoio ao mercado hipotecário então deveria ter mantido a Fannie Mae nacionalizada para que as responsabilidades financeiras de tal política fossem devidamente avaliadas pelo eleitorado. Se pelo contrário o governo decidisse pela via do mercado, então deveria ter retirado as suas unhas e optado por não interferir. Nada disto foi feito. Ao invés criou-se algo que, não sendo uma coisa nem outra, distorce brutalmente a economia.
Mas sejamos menos severos com o governo. As ajudas governamentais às GSEs servem fundamentalmente para que estas transmitam os benefícios de um financiamento mais barato aos consumidores. Ainda que alguns economistas tenham demonstrado que esta transmissão de facto não acontece, porque razão haveria o governo de querer incentivar o mercado hipotecário? Para criar excesso de construção imobiliária? Ou preços de habitações que simplesmente descolem do preço do mercado de arrendamento? Bolhas especulativas?
É caso para dizer que o único mito que aqui vejo é o de se pensar que os problemas correntes resultam do mercado livre.
(aproveito para felicitar os autores deste blogue pela dedicação neste verdadeiro espaço de debate)
Tiago Tavares (decidi também publicar este comentário no meu blog)
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