Por que está a União Geral dos Trabalhadores (UGT) tão irritada?
Quem reparar nas declarações feitas pelo secretário-geral da UGT, publicadas nos últimos dias, ficará com uma impressão de extrema insegurança e fragilidade dos seus dirigentes, ao pôr-se tão declaradamente em bicos dos pés. Será que, por detrás destes comportamentos, estará a discussão de uma nova forma de funcionamento da concertação social e, se calhar, de um mecanismo de aferição de representatividade das confederações com assento na concertação social? Ou apenas uma opção errada (a apostar já no bloco central), em tempos de alguma fricção no seio da coligação parlamentar de esquerda?

Carlos Silva acha que o primeiro-ministro deveria primeiro receber as confederações signatárias do acordo, em vez de chamar a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), primeiro que a UGT. Carlos Silva dá uma entrevista em que diz que, se CGTP quer acrescentar uma adenda para redução do pagamento especial por conta - em que a UGT não foi tida nem achada - então tem de fazer o que a UGT fez: assinar o acordo que o Parlamento pôs em causa.
Por que razão parece que o secretário-geral da UGT querer rasgar a camisa em público, se o Governo não lhe der atenção? Sobretudo quando se sabe que nunca se teve amor, exigindo-o por direito ou humilhando-se a ser a sombra do seu cão.
Os dirigentes da UGT deveriam ter um pouco mais de prudência e não alinhar em versões do funcionamento da Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS) que apenas visam afastar a voz mais crítica - a da CGTP - por acaso uma confederação sindical como a UGT.
O formato escolhido para o funcionamento da CPCS inclui, desde o seu início em 1984, várias entorses de governamentalização da concertação social. Primeiro, sendo a CPCS uma comissão do Conselho Económico e Social, ela é contudo presidida pelo primeiro-ministro que a convoca. Depois, esse formato permite que sejam aprovados acordos sem ser por consenso e com apenas metade de um dos lados. Pior: tem permitido que na comissão de acompanhamento da execução desses acordos, apenas tenham assento as confederações signatárias e não todas as presentes na CPCS, quando a CPCS é uma das comissões do Conselho Económico e Social.
Nesta governamentalização, a UGT tem desempenhado o seu papel privilegiado de central sindical bem comportada, com quem o Governo tem de aceitar alguma negociação. A UGT faz voz grossa àquilo que não é essencial, para alinhar em geral com quem não deve, por obediência político-partidária. Foi assim no acordo de concertação social de 2011 que serviu de base ao Memorando de Entendimento com a Troica e que foi alargado no de 2012, ainda com a sua assinatura. Nas reuniões, as suas opiniões são bem críticas - vidé actas da CPCS de 2009 a 2015 - mas depois, no final, tudo parece desvanecer-se e, por artes de acordos bilaterais que se desconhecem, acabam por assinar o que não devem, arrependendo-se depois - como aconteceu com o acordo de 2012 - que abriu a caixa de pandora para alterações profundas da legislação laboral e não criaram o emprego que se prometeu (2% a curto prazo e 10% a médio prazo).
Escreveu então o secretário-geral da UGT João Proença:
"Existiam duas formas de encarar a terrível situação em que vivemos: a fácil, que consistia numa atitude absentista sem apresentar contributos para a discussão e abdicando de propor alterações ou a mais difícil; a escolhida pela UGT, que consistiu num aprofundado e duro trabalho a fim de minimizar os impactos das imposições da Troica e assim, alcançar uma versão final do Acordo tripartido positiva para os/as trabalhadores/as portugueses/as”. “Este Acordo deve significar o fim da pressão exercida em relação à desregulação laboral e social e um compromisso bi e tripartido com vista a uma retoma real da negociação coletiva, elemento essencial para assegurar a conciliação entre o trabalho e a vida familiar e soluções negociadas para as inevitáveis mudanças que se avizinham”.Viu-se.
Bem pode Carlos Silva rasgar a camisa. Aliás, tal como fez muitas vezes João Proença ao ameaçar que não assinaria acordos se a sua opinião não fosse incorporada nos textos desses acordos. O certo é que os textos incluíram essas opiniões, mas a aplicação do texto ficou pelo caminho, sem que a UGT tivesse efectivamente rasgado a camisa, partido os pratos ou virado a mesa.