segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Em memória, haja memória


Com mordacidade, Branko Milanovic, um importante economista da desigualdade, cada dia mais heterodoxo, resumiu bem aquilo em que se tornou o programa científico dos três “Prémios Nobel” da Economia de hoje, capitaneados por Daron Acemoglu: “páginas da Wikipédia com regressões”. 

De facto, o que é novo – modelizações neoclássicas para chegar às mais triviais conclusões institucionalistas liberais – não tem grande validade e o que tem validade – relações de poder na economia e seu quadro institucional – não tem grande novidade, tendo sido já rigorosamente analisado nas tradições marxista e institucionalista original. 

Por exemplo, quando Daron Acemoglu perora sobre o que determina o progresso nas condições de vida das classes trabalhadoras – “não foi nenhuma lei económica, mas sim as lutas sociais dos de baixo, em que sindicatos, políticos progressistas e instituições melhoradas desempenharam um papel central” –, divido-me, para ser franco. 

Uma parte de mim, diz: olha, dado o seu poder, ainda bem que há economistas convencionais do MIT a reconhecer a realidade institucional do capitalismo histórico e os fatores do progresso humano. Outra parte, diz: é pá, é preciso topete, tantos economistas e outros cientistas sociais que já concluíram isso e muito mais e há tanto tempo, tendo sido apoucados ou desconsiderados. Há análises inconvenientes para o poder económico e se há ciência próxima do poder económico...

Na mais policiada e mais endinheirada das ciências sociais, há currículos que foram censurados e purgados de tradições inteiras de pensamento (até ficar quase nada que jeito tenha), carreiras que foram prejudicadas, perseguições que foram montadas, contratações que foram vedadas ou financiamentos que foram negados a economistas por dizerem estas e outras verdades, resultado do seu trabalho sério. É toda uma história altamente politizada e em vários continentes. E não acabou. 

A economia convencional chega lá, aqui e ali, mas com décadas de atraso e com tantos custos sociais pelo meio. Tem havido, nas últimas décadas, mais regressão do que progresso nesta influente ciência, tão corrompida e tão corruptora - cada vez mais dinheiro e demasiado peso do interesse próprio egoísta. E o progresso deve-se sobretudo ao trabalho persistente nas margens, muitas vezes em genuíno diálogo com outras disciplinas, como acontece na economia das desigualdades, um dos vários raios de luz. Os factos são brutos e imiscuem-se, quebrando barreira protetoras.

Entretanto, na história das ideias económicas há já algum tempo que se sabe para que projeto ideológico serviu o Prémio em memória de Alfred Nobel instituído pelo Banco Central da Suécia (os bancos centrais são muito importantes nesta história trágica), sobretudo a partir dos turbulentos anos 1970, em que as exceções confirmaram a regra: chamou-se neoliberalismo e não é um slogan.

Adenda. Por falar da inevitável politização na mais ideológica das ciências sociais, estes economistas estão bastante preocupados “com o crescente poder económico da China”, que pode “ameaçar a estabilidade global e os interesses dos EUA”. Não há coincidências.   

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