Público, 2/7/2013 |
Não foi precisamente há dez anos. Mas trata-se de um aniversário que não se pode deixar passar em claro.
No início de Julho de 2013, o país assistiu espantado à apresentação do pedido de demissão do então todo poderoso ministro de Estado e das Finanças, o homem que era o garante europeu para o cumprimento integral do Memorando de Entendimento. Na partida, o então ministro alemão das Finanças Wolfgang Schauble não lhe poupou elogios. E não sem razão - Gaspar era um dos "filhos" da troika.
Nos anos 90, Vítor Gaspar foi um membro fáctico dos governos Cavaco Silva. Foi membro do Comité Monetário Europeu de 1989 e 1998 (seu chefe de 1994 a 1998). Foi representante pessoal do ministro das Finanças Jorge Braga de Macedo na conferência inter-governamental que conduziu ao Tratado de Maastrich. Foi conselheiro de Cavaco Silva quando o seu governo forçou, em prejuízo de trabalhadores e empresários, um caminho recesssivo de convergência nominal para a adesão ao euro.
E assim contribuiu para a recessão de 1993.
Gaspar foi conselheiro especial do Banco de Portugal e director-geral
da área de investigação do BCE de 1998 a 2004. Chefiou o Departamento
de Estudos e Estatísticas (DEE) do Banco de Portugal e foi director dos
Estudos Económicos do Ministério das Finanças. Foi membro do Gabinete de
Consultores Políticos da Comissão Europeia de
2005 a 2006 (em 2007, chefiou esse gabinete). De Janeiro de 2007 a
Fevereiro de 2010 foi director do Gabinete de Conselheiros de Política
Europeia da Comissão Europeia em Bruxelas. De Março de 2010 a Junho de
2011 foi consultor do Banco de Portugal.
Quando assumiu o lugar nº2 do Governo Passos Coelho, em Junho de 2011, a sua preparação foi elogiada na
comunicação social como característica ideal para servir de âncora do
Governo. Quem apoiou os partidos da direita
(neo)liberal sorriu. Tudo ia correr bem. E, do ponto de vista de quem
beneficiou da acção do Governo, correu.
O rápido e pesado rolo-compressor legislativo aprovado - baseado na teorial (neo)liberal - visava uma descida pronunciada dos salários
nominais como único factor de competitividade externa. Com o respaldo do FMI, a arma usada
para o conseguir foi provocar uma subida de desemprego. E isso foi
conseguido e, por acaso, ainda subsiste: a direita (neo)liberal chora
agora lágrimas de crocodilo face à realidade laboral em que medram os
baixos salários. Mas nada faz para alterar essa situação.
A compressão orçamental, visando reduzir a
dívida pública, abriria - segundo a mesma teoria - novos campos de acção
ao sector privado. Na realidade, substimou-se o efeito multiplicador
das despesas públicas e foi necessário a aplicar o dobro da austeridade para obter as mesmas metas, porque a sua acção provocou a retracção económica.
E veio a histórica recessão de 2012-2013, fazendo explodir o desemprego e a emigração.
Gaspar - num típico exercício (neo)liberal em que as asneiras políticas justificam o seu aprofundamento - começou em Abril de 2012 por justificar a situação descontrolada.
A subida do desemprego - disse -“ilustra que a situação estrutural do mercado de trabalho antes da crise era pior do que se esperava” e, por isso, constituía “um estímulo para acelerar reformas estruturais”.
E foram feitas: as alterações ao Código do Trabalho desregularam - desde Agosto de 2012 - horários e tempos de trabalho e provocaram uma transferência histórica de rendimento dos trabalhadores para as empresas (só ultrapassada agora pela subida inflação).
Gaspar escamoteou a sua responsabilidade criminosa na subida do desemprego. Chegou a dizer, em Maio de 2012, que "a satisfação de vida de um desempregado não se recupera, mesmo depois de estar desempregado há muito tempo". Pois bem, a sua política fez chegar-se aos quase 1,5 milhões dessas pessoas em 2013...
Nessa altura, Gaspar já era um elemento tóxico. Até Marcelo Rebelo de Sousa - um mês antes da demissão - afirmou que mudara de opinião sobre ele:
“Sempre disse que Vítor Gaspar era uma mais-valia, mas começa a ser uma menos-valia para o Governo. (...) Se eu fosse primeiro-ministro ele tinha os dias contados, mas não sou primeiro-ministro”.
A política de choque e pavor foi longe demais, mesmo aos olhos dos seus autores. Substimou-se a dimensão dos seus efeitos sociais. A subida da pobreza e das desigualdades sociais foi de tal ordem que gerou um vasto descontentamento popular. Os partidos de direita foram afastados do Governo por uma década, pelo menos. O próprio CDS desapareceu. E muitos dos seus intervenientes - como Luís Montenegro, ex-chefe de bancada parlamentar do PSD - ainda pagam essa factura.
Mas em 2014, Gaspar - cego, aparentemente fanático (neo)liberal e já no FMI... - continuava em negação política. Numa entrevista considerou ser "insultuoso" pensar que fora o quarto elemento da troika.
Público: Os resgates à Grécia, Irlanda e Portugal foram desenhados pela primeira vez para países sem moeda própria. Ora, enquanto nós tentávamos disciplinar as contas e comer o pão que o diabo amassou, as instituições credoras discutiam animadamente por cima das nossas cabeças se o programa estava certo ou errado e admitiam que tinham errado nas previsões para o desemprego. É um debate que não leva em consideração o lado humano da aplicação do programa.
VG: Acho que o que está a dizer é falso. Em primeiro lugar, as dimensões humanas e sociais do programa de ajustamento foram sempre tidas em conta, com ênfase para o fenómeno do desemprego. A minha maior preocupação tem sido o desemprego jovem e o desemprego de longa duração. O desemprego subiu para níveis muito elevados, atingiu um máximo de 17,7% no primeiro trimestre de 2013, com o desemprego jovem em 42,1%. Estes números são muito importantes do ponto de vista económico, social e individual. Os custos são elevados e prolongados no tempo. Contudo, não é verdade que Portugal tenha tido uma evolução destes indicadores mais gravosa do que a de um país como a Espanha, que teve um programa apenas para o sector financeiro. E, de resto, um dos aspectos mais positivos da viragem em 2013 foi a queda do desemprego e do desemprego jovem para 15,3% e 35,7%, respectivamente, no final do ano.
Seguem-se novos epsiódios sobre esta efeméride.
2 comentários:
Nós só vamos conseguir começar a resolver os problemas da sociedade quando nós, enquanto sociedade, reconhecermos os crimes económicos que a “elite” perpetrou e perpetra contra nós.
A finança é também uma arma, mata, pode não matar tal e qual como uma bomba mas mata.
A intervenção criminosa (e não uso esta palavra levianamente) da Troika teria sido evitada se em vez de salvar a cabala fascista financeira que controla os EUA e a Europa o Estado(s) tivesse salvo a maioria da população com um novo “New Deal” em 2008, isto não aconteceu, e agora o ocidente está em clara decadência, a predação das “elites” saiu reforçada e a tirania capitalista cresce.
Provavelmente já não vamos inverter este caminho para o abismo só com um novo “New Deal” e já estamos na fase “Socialismo ou barbárie”, uma coisa é certa, ao continuarmos a tolerar o fanatismo neoliberal só nos trará mais violência, sofrimento e morte.
Sempre achei piada que quem tinha por missão negociar os empréstimos da troika como representante do governo português, fosse trabalhar de seguida para um dos prestamistas.
Não têm noção do que é um conflito de interesses, nem vergonha nenhuma na cara.
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