quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Do trabalho para o capital: as novas contas certas

Hoje, o INE tornou público que a “remuneração bruta total mensal média por trabalhador (por posto de trabalho) aumentou 3,1% no trimestre terminado em junho de 2022 (2.º trimestre do ano), em relação ao mesmo período de 2021”. 

Na mesma informação pública também ficámos a saber que os preços subiram 8% no período em referência. 


O INE ainda não divulgou a sua estimativa para o crescimento do PIB real e por isso não conhecemos a evolução da produtividade do trabalho. 

Conhecendo os dados acima, o que podemos esperar relativamente à evolução do peso da retribuição do trabalho no PIB? 

Antes de responder a esta pergunta, recordemos que o peso da retribuição do trabalho no PIB é um rácio em que o numerador é igual à remuneração por trabalhador e o denominador igual ao PIB por trabalhador. 

Ora, como dizemos aqui, uma política de rendimentos destinada a assegurar que o peso dos salários na riqueza produzida se mantém, pelo menos, constante, tem de garantir uma variação dos salários igual à variação do PIB. 

Dito de outro modo, se o peso dos salários no PIB é um rácio em que o numerador é igual às remunerações por trabalhador e o denominador igual ao PIB por trabalhador, então, para assegurar que este rácio se mantém constante, a variação da remuneração tem de ser igual à variação do PIB. 

Como o PIB varia em termos de quantidades (produtividade), mas também em função dos preços (inflação), uma variação equivalente dos salários obriga a que estes também variem de acordo com quantidades (produtividade) e com preços (inflação). Ou seja, medir o peso da retribuição do trabalho no PIB implica dividir remunerações nominais por trabalhador por PIB nominal por trabalhador. 

Assumindo que no período em causa a produtividade evoluiu de acordo com a previsão do governo para o conjunto do ano de 2022, ou seja, 3,5%, podemos esperar que o PIB nominal por trabalhador tenha crescido 11,5% (8% em preço e 3,5% em quantidade). 

De acordo com a regra acima, para garantir que o peso dos salários na riqueza produzida se mantinha, pelo menos, constante, a remuneração nominal por trabalhador deveria ter crescido também 11,5%. Como cresceu apenas 3,1%, a diferença para 11,5% representa, grosso modo, o valor da transferência do trabalho para o capital. 

Para obter o valor exato desta transferência, a referida diferença de 8,4% deve ser dividida por 1 mais o valor do PIB nominal por trabalhador (11,5%), o que representa 7,5%*.

*Editado. De facto, não 7,5%, mas 7,8% - ver comentários a este post, abaixo.

4 comentários:

Anónimo disse...

O INE já divulgou a sua primeira estimativa para o crescimento, homólogo e em cadeia, do PIB real no 2º trimestre de 2020. Cf. destaque do INE de 29 de julho de 2022.

Além disso, no texto, há uma conta não inteiramente rigorosa, embora se possa tomar, dentro dos seus pressupostos, como aproximação razoável. Se o PIB tivesse crescido 3,5% em quantidade e 8% em preço, então nominalmente teria crescido 11,78%, arredondados para 11,8% (não para 11,5%).

Acácio Pinheiro disse...

Paulo, onde está a contribuição das empresas ( TSU ) para a SS? Está na remuneração bruta?
Abraço

Paulo Coimbra disse...

Caro anónimo (11-8-22, 23h10)

Agradeço o seu comentário. Tem razão em ambos os reparos.

Quanto aos números do PIB, quando pesquisei, não encontrei o destaque que refere. Fui ver às “Contas Nacionais” do INE e os últimos dados ali publicados referem-se ao primeiro trimestre de 2022. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_cnacionais2010b2016&perfil=392022253&INST=391941652&contexto=am
De qualquer modo, assumir o crescimento da produtividade adoptado pelo governo no OE parece-me um pressuposto razoável.

Quanto às contas do efeito conjugado do crescimento em volume e em preços também é verdade que simplifiquei. Obviamente, este efeito obtém-se com um produto = (1+0,035) x (1+0,08) -1 = 0,1178. Nesta circunstância a parcela do PIB destinada à remuneração do trabalho decresce 7,8% e perde 4,3 p.p. passando de 55,5% para 51,2%".

Abraço

Anónimo disse...

Por isso eu digo: estou-me nas tintas para o crescimento económico. Quero sim o crescimento do poder de compra e da qualidade de vida.