quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Um orçamento indigno

A Dona L. vive num casebre de 20m2, numa 'ilha' do Porto, com a neta e um bisneto. O casebre não tem cozinha nem WC, apenas uma janela. No momento em que escrevo não conheço a situação laboral da neta, apenas sei que fazia limpezas em estações do metro e estava sujeita à máxima informalidade de um contrato verbal. Durante o confinamento não teve qualquer apoio monetário; foi socorrida por esmolas. Talvez já a tenham chamado para voltar a trabalhar.  A Dona L. tem mais de 80 anos, é diabética e já foi amputada de um pé. O seu rendimento mensal é 250€, a soma da sua pensão com a de sobrevivência por falecimento do marido. Paga 180€ de renda. 

O Orçamento do Estado para 2021 prevê dar-lhe um aumento de 10€ na pensão, mas só a partir de Agosto para não agravar excessivamente o défice.

Acabei de ouvir na RTP um jornalista a comentar o orçamento, muito preocupado com o nível da dívida pública e o futuro cumprimento dos critérios da Zona Euro. Não só não percebe nada de economia como não faz a menor ideia da vida sofrida de uma boa parte da população do país. Caso contrário não dizia o que disse. Um orçamento que oferece mais 10€ à Dona L., a partir de Agosto, é um orçamento indigno. E os jornalistas que debitam opinião neoliberal, fazendo-se passar por analistas independentes, são um nojo. 

Quanto ao manifesto que promovi em Junho, nem sequer houve um telefonema do gabinete da Srª Ministra. E o meu telemóvel estava junto ao meu nome. Aí se dizia o seguinte: "Em Portugal, há cidadãos a passar fome e isso é intolerável num Estado europeu dotado de serviços de Segurança Social. E também é intolerável que, no nosso país, o recurso à esmola (pecuniária, ou em espécie) seja a rotina da sobrevivência."


16 comentários:

Ana Maria disse...

Nunca li tanta demagogia junta. Jorge Bateira a decepcionar. Porque motivo o défice não dispara para 20% para retirar toda a gente da pobreza? E a dívida resultante, será para pagar?

Mais défice => Mais dívida => Mais juros => Mais dividendos para os agiotas financeiros e grande capital

Anónimo disse...

Num país que não emite moeda própria, a dívida pública é uma questão diferente do que seria se emitisse moeda.
O Portugal "encavacado" aderiu a este monstro neoliberal em troca de acesso a crédito fácil, numa moeda forte - o marco.
Como tudo o que aconteceu no Portugal das maiorias absolutas, isto beneficia apenas uma franja de 10% da população, como o MOSTRAM AS ESTATÍSTICAS, pois o período de aplicação do neoliberalismo JÁ PERMITE FAZER ESTATÍSTICAS, pois estamos desde 1980 a brincar "às escondidas" com o futuro de Portugal
40 anos!
Os jornaleiros que se permitem fazer apartes, como aquele que dizia "as propostas do bloco de esquerda são insensatas" deviam ser colocados a fazer trabalhos menores, ou simplesmente despedidos - mas não!
A RTP consegue manter os mesmos "cavalheiros" nas direções de programas durante anos a fio.
Vá-se lá saber porquê.

Jaime Santos disse...

É muito bonito apelar à solidariedade com a Dona L., Jorge Bateira, mas sucede que os recursos do Estado são finitos e há seguramente e infelizmente, muitas Donas L. a quem acorrer.

O pior que poderia acontecer seria uma nova crise financeira que obrigaria a cortar no rendimento de muita gente, incluindo no das Donas L., e nos serviços do Estado como o SNS que são a rede que sustenta essas pessoas.

A falência do Estado Português no final do sec. XIX e a forma como essa falência condicionou toda a nossa política no sec. XX, da violência política antes e durante a I República, ao autoritarismo e atraso impostos pelo Estado Novo e cuja influência se prolongou pelos primeiros anos da democracia (eu lembro-me bem da situação económica de 1976-1985 e com franqueza, não quero voltar para ela), deveria servir como história cautelar a todos os aprendizes de feiticeiro à Direita e à Esquerda que querem resolver as crises a golpes de caneta...

Fazer o discurso exclusivo do Pathos é, com franqueza, demagogia.

E já sei que depois me vai falar dos constrangimentos do Euro, da UE, etc, etc.

Apresente um programa político alternativo, com as medidas detalhadas e os sacrifícios que serão requeridos à população para que recuperemos a soberania monetária e tudo o mais que você julga necessário para mudar o rumo às coisas, incluindo claro está onde irá uma Economia pequena e aberta como a nossa financiar-se para pagar tudo isso. E não me venha, se faz favor, com a MMT, que isso é para quem tem uma dimensão que nós não temos!

E depois apresente-se a votos. E se ganhar as eleições pode aplicar o seu programa. Caso contrário, continuará a fazer o que sempre fez, um discurso moralista a partir das margens...

P.S. Não lhe fica nada bem mostrar azedume porque a Ministra (ou alguém do seu gabinete) não lhe fez um telefonema. Ou acha que os Governos têm que responder pelo telefone a todas as iniciativas cidadãs, com boas ou más intenções? O Jorge Bateira não é nesse campo diferente de mais ninguém...

Geringonço disse...

Ontem no telejornal da RTP um tipo chamado Manuel Carvalho foi apresentado, mais uma vez, como especialista em economia e finanças!
O "jornalista" Manuel Carvalho, director do panfleto Europeísta de referência Público é um conhecido defensor das políticas criminosas da Troika.

Pergunta a pivot da RTP: "O que diz a teoria económica?"

Manuel Carvalho: "patati patata", ou seja, as aldrabices neoliberais do costume.

A criatura até teve a desfaçatez de dizer que daqui a dois anos, quando o Covid passar (o génio já sabe quando o Covid vai deixar de ser um problema!!!), a austeridade tem que voltar, a diferença agora é que a criatura já não utiliza a palavra "austeridade", Manuel Carvalho tem pelo menos inteligência suficiente para perceber que "austeridade" tornou-se radioactiva, mas não tem a inteligência suficiente para saber que muitos já conseguem identificar a sua agenda neoliberal/ austeritária mesmo não utilizando essa palavra.

E mais uma vez, o "jornalista" Manuel Carvalho debitou a tralha neoliberal sem qualquer contraditório.

Não, o FMI, o BCE, a Comissão Europeia, a comunicação -manipulação- social não aprenderam nada com o vandalismo que praticaram e praticam contra a vasta maioria da população dos países como Portugal, Grécia, etc...

Manuel Carvalho e os restantes da seita europeísta/ neoliberal já devem ter percebido que estão entalados nas mentiras que andaram a contar anos a fio, a "solução" que lhes resta é continuar a mentir.

Paulo Marques disse...

Jaime,

Porque é que não fazem antes os partidos "responsáveis" um programa político que assuma o desemprego estrutural perto dos 10% de recursos, com outro tanto de emprego precário para controlar a inflação, bem como assumir que saltaremos de crise em crise porque não temos capacidade para sermos um país desenvolvido no fim da história? E, já agora, que nos vamos preparando para os 3ºC de aquecimento?
Ou, pelo menos, admitir que as previsões nunca valem o papel em que são escritas e podíamos poupar em não as fazer?
Não? Pois, irrealista é uma descrição adequada da economia, claro. Nunca fazer de conta que a crise já passou o início graças a um programa insuficiente que não foi aprovado quanto mais financiado!

Óscar Pereira disse...

Cara Ana Maria,

Por favor deixe-se de disparates. É perfeitamente possível criar dinheiro sem gerar dívida. E mesmo no caso deste nosso Portugal não monetariamente soberano, continua a ser possível, se Bruxelas quiser.

O único limite -- e sublinho, *único* limite --- à criação de dinheiro, é a inflação. Que apenas acontece quando a quantidade de dinheiro disponível excede os *recursos* disponíveis. É isso que torna a pobreza no mundo de hoje tão profundamente imoral: que haja pessoas a passar fome, quando não há falta de comida nos supermercados, apenas porque "ah e tal não há dinheiro". Se não há dinheiro, cria-se!!

Isto apenas não se faz porque esses ditos "agiotas financeiros" de que fala convenceram toda a gente de que o dinheiro só se cria com dívida. E que são os mesmos que lucram com os juros dessa dívida! Não lhe parece um pouco de coincidência a mais?!

Por favor, pelo seu bem e pelo de todos nós, abra os olhos!!!

Ana Maria disse...

Caro Óscar Pereira, concordo na totalidade consigo, mas não é isso que os partidos de esquerda defenden e propõem. Os partidos de esquerda a única coisa que pedem é mais despesa pública, que gera mais déficit e que gera mais dívida (em euros).

Óscar Pereira disse...

Cara Ana Maria,

O seu comentário parece, a meu ver, revelar alguma confusão sobre a noção de "despesa pública". Quando eu digo que um estado com moeda própria pode «criar dinheiro sem gerar dívida», isso significa, entre outras coisas, que pode aumentar a sua despesa sem gerar mais dívida. Como? Instruindo o Tesouro (no caso português seria o IGCP) a emitir toda a dívida que fosse necessária, e instruindo depois o banco central a adquirir toda a essa dívida, transferindo o custo respectivo -- i.e. dinheiro que entretanto criou do zero -- para o Tesouro. [1] Em termos nominais, houve de facto, um aumento de dívida. Mas em termos reais? Não aumentou nada -- tratou-se apenas de um artifício contabilístico.

A ideia de que mais despesa quer dizer mais dívida para ser paga ou por nós, ou pelas gerações vindouras, não vem da esquerda, mas sim dos neoliberais, como de resto Paulo Coimbra bem explicou aqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/04/bancos-centrais-independencia-ou.html. Cito dois trechos relevantes:

«Uma das características diferenciadoras de um regime monetário neoliberal, talvez a mais importante de todas, é a autoimposição, política e institucionalmente construída, da subordinação creditícia do Estado soberano colocando-o numa situação em que concede o monopólio da emissão monetária, hoje inteiramente fiduciária e da sua força legal inteiramente dependente, a um banco central e, simultaneamente, se auto exclui da possibilidade de, junto deste, se financiar diretamente, colocando-se, assim, por escolha, na dependência dos mercados financeiros privados.»

O que é um disparate porque o «facto desse mesmo Estado depender do crédito de agentes privados, cuja solvência [o próprio Estado] tem de assegurar, é uma contradição nos seus próprios termos».

As exigências da esquerda vão totalmente na direcção oposta...

[1] - Isto pressupõe, claro está, que o banco central está na dependência do Tesouro, em vez de ser «independente» -- do poder eleito, bem entendido. Para ver os desastres em que pode resultar esta independência, ver por exemplo: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/04/bancos-centrais-independencia-ou.html

Óscar Pereira disse...

ERRATA: No meu comentário anterior, o link para o post de onde cito dois trechos é este: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/04/o-tabu-foi-quebrado.html

Ana Maria disse...

Caro Óscar, tudo certo, mas nesse caso teríamos de sair do Euro e do BCE. E lembra-se do tempo que que tínhamos soberania monetária e o Banco de Portugal fazia exatamente o que refere? Tivemos também duas intervenções do FMI e a inflação era um problema grave (em 1984 foi de cerca de 30%). Na sua ideia, como resolvemos então o problema da inflação? Sinceramente parece-me que estamos todos mal habituados a não ter de lidar com os graves problemas da inflação e em como esta depaupera salários, pensões e rendimentos.

A esquerda política em Portugal, como tem consciência de que não há inflação, insistentemente provoca aumento da despesa pública, que gera défice, que gera dívida, que gera dividendos para o grande capital e para os agiotas. Na prática e de facto é isso que se passa, independentemente da ideologia que cada um apresenta, temos a esquerda parlamentar a promover os dividendos dos grandes agiotas e dos grandes capitalistas que vivem dos rendimentos gerados pelos juros da nossa dívida gigantesca.

Esse é o segredo que ninguém lhe conta!

Óscar Pereira disse...

Cara Ana,

«mas nesse caso teríamos de sair do Euro e do BCE.»

Certo, mas mesmo dentro do euro, se Bruxelas acordasse para a vida, poder-se-ia injectar dinheiro novo na economia, sem qualquer aumento de dívida. Mas infelizmente, parecem dormir um sono cada vez mais pesado: a prova provada é que mesmo agora, em situação da pandemia, e em que não se pode apontar para o despesismo dos estados, mesmo assim, a "bazooka" europeia consiste numa parte de dívida a privados -- os seus agiotas, cujos dividendos são os juros dessa dívida. Exactamente quem é que na esquerda defende isto?

«Tivemos também duas intervenções do FMI e a inflação era um problema grave (em 1984 foi de cerca de 30%). Na sua ideia, como resolvemos então o problema da inflação?»

No link que lhe referi sobre os bancos centrais, fala-se num documentário onde se explica como o Banco Central do Japão utilizou a inflação para engendrar uma mudança profundíssima da economia nipónica, ao arrepio de qualquer controlo democrático. Tanto quanto sei, por estes lados, no período que refere, isso foi feito como um primeiros requisitos para a estabilização cambial que precedeu a moeda única. Portanto a inflação pode ser um problema. Mas agora? Ou no futuro próximo? Quando o grande risco é uma espiral deflacionária? Não tem qualquer sentido. Alias faz lembrar os chamados "deficit hawks" que nos Estados Unidos andavam alarmados que ia chegar a inflação... ANY DAY NOW!!! Mas os anos passam... e nada...

«A esquerda política em Portugal, como tem consciência de que não há inflação, insistentemente provoca aumento da despesa pública, que gera défice, que gera dívida, que gera dividendos para o grande capital e para os agiotas.»

Irra que isto é voltar ao mesmo. Será que não se lembra do tempo em que a esquerda defendia a RENEGOCIAÇÃO da dívida? Ou também acha que isso é defender os interesses dos "grandes capitalistas"? E isto não foi nos anos 80, mas sim na última década.

Mas não se preocupe, que há solução simples: põe-se o BCE a distribuir "helicopter money": um verdadeiro rendimento básico incondicional. E se a esquerda continuar a dizer que é preciso mais dívida -- daquela que se tem que voltar a pagar aos agiotas financeiros -- então aí, eu dou-lhe razão!

Mas entretanto, vou à minha vida, que acho que espera vai ser longa :-)

Anónimo disse...

A Ana Maria não é o joão pimentel Ferreira?

É que eu já li isto em qualquer lugar. Mas estava assinado pelo tipo dos multinicks e cia

JE disse...

"Ana Maria" começa assim o seu mister discursivo:
"Nunca li tanta demagogia junta. Jorge Bateira a decepcionar"

E termina assim o seu trabalho:

"Mais défice => Mais dívida => Mais juros => Mais dividendos para os agiotas financeiros e grande capital"

Já vimos esta última idiotice escrita por aqui. Várias vezes. Também a negrito em jeito de propaganda gobeliana

Mas quem assinava os berros panfletários não era esta "Ana Maria". Eram coisas como joão pimentel ferreira ou aonio eliphis

Por exemplo:

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2018/07/urgente-clarificacao.html

João pimentel ferreira pensa que por rapar o bigode à Adolfo, fazer voz de falsete, imitar uns trejeitos efeminados, se converte como por magia nesta "ana maria" a proclamar toda ofendida com a "demagogia" e com a decepção?

Uma coisa abjecta, confessemos

JE disse...

Há mais?

Há.E muito

A versão ( uma das versões) de rebolucionário de joão pimentel ferreira é a de geringonço.Mas já teve mais umas dezenas. Que vão sendo desmascaradas

A sua utilidade está aqui bem patente. Por um lado servir de cavalo de Tróia para quando necessário, surgir a fazer coro com.

Por outro para servir as deixas tidas como oportunas às diatribes idiotas,reaccionárias,extremistas, neoliberais, gordas e obscenas de outros nicks a usar.Pelo mesmo joão pimentel ferreira.Com agora o desta depilada "ana"

Há ainda um outro motivo. Mas esse fica para depois

Óscar Pereira disse...

Caro JE,

De facto, a verborreia acerca de ter uma esquerda que na realidade protege os lucros dos agiotas, etc é quase tirada a papel químico desses comentários de 2018 por Pimentel Ferreira (entre outros?).

Faz-me lembrar uma coisa que Edward Snowden conta acerca dos seus primeiros encontros com esta novidade da altura, que era a internet (ver "Permanent Record", London: Macmillan, 2019). Adolescente na altura, conta Snowden que uma das coisas que ele fazia era participar em discussões online, mas sempre através de pseudónimos. Isto permitia, quando ao dar-se se conta que tinha dito uma asneira qualquer, mudar de nick, voltar à discussão como uma pessoa nova, tendo adoptado uma opinião melhorada (e por vezes, cascando na ignorância do seu nick anterior).

Um comportamento quiçá criticável, mas que pelo menos lhe permitia *crescer*. E recorde-se que ele era adolescente na altura. Ao contrário de Pimentel Ferreira, que em primeiro lugar, já não deve ser adolescente, e em segundo lugar, em vez de utilizar os nicks para crescer, os utiliza -- sugerem fortemente as aparências -- para continuar a chafurdar no mesmo charco. Se mais prova fosse precisa de que o neoliberalismo está reduzido a uma seita evangélica, ei-la aqui.

JE disse...

Caro Óscar Pereira

Agradeço a sua atenção, não a mim, mas ao debate e à forma como ele se processa. E também lhe agradeço o nível argumentativo que utiliza, que, concordando-se ou não, total ou parcialmente com ele, tem essa imensa virtude de respeitar a inteligência, para além de ser didáctico e fornecer, regra geral, novas pistas e informações para a "conversa".

Com outra qualidade. Fá-lo com elegãncia

(Creio que por vezes somos muito ingénuos. Mas isso é uma conversa para depois)