quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Chumbo pelas piores razões


"São as empresas que fomentam o emprego. O reforço do consumo sem ter o devido equilíbrio na produção gera défice externo ou inflação ou défice externo e inflação. O Governo põe o consumo à frente sem cuidar da produção".

"O problema não é haver ricos, mas haver pobres". 

A citação é do líder do PSD, Rui Rio, esta tarde, quando anunciou que o PSD irá votar contra a proposta de lei de Orçamento de Estado (OE) para 2021.

As tiradas enfatizam a importância de o OE apoiar as empresas, coisa que, para o PSD, não o faz. Na verdade, o OE de 2020 ajudou e o de 2021 ajuda as empresas como nunca o fez. O lay-off simplificado e a sua variante actual garantiu e garante poupanças consideráveis nos custos salariais das empresas abrangidas (no caso do lay-off simplificado era de 84% dos salários dos trabalhadores abrangidos), embora em muitos casos para empresas que não necessitivam. Foram quase 900 milhões de euros em poucos meses de 2020, em muitos casos com isenção de TSU, embora metade das verbas tenha ido para grandes empresas, mas sobre isso o PSD nada disse. O problema desta medida é, antes, ser mal orientada e o de cortar rendimentos salariais durante uma recessão. 
 
Se o OE peca é por ser, precisamente, parco no combate orçamental a uma conjuntura nunca vista de afundamento económico - e sem inflação de monta. Seja no lado do investimento, seja na protecção do rendimento dos portugueses. O PSD parece, pois, nada aprender da evolução do pensamento das instituições multilaterais - como o FMI - que já aplaudem a eficácia do investimento público. 
 
Municiado pelas ideias requentadas de Miranda Sarmento - o tal Ronaldo  do PSD - Rui Rio critica o Governo de não entender a velha fábula da cigarra e da formiga que ele terá aprendido e digerido na 4ª classe. Mas Rui Rio não se recorda que, no tempo dessa velha 4ª classe, um governo de consumo parco empobreceu todo um povo (que as empresas não enriqueceu), em que os miúdos mais pobres - a esmagadora maioria - não conseguiam seguir os estudos básicos e tinham de ir trabalhar. De tal forma que ainda hoje a população activa de Portugal é das menos instruídas da Europa, situação que tanto cria obstáculos ao desenvolvimento do país. 
  
A incapacidade de Rio para o entender não é, porém, nova. Essas mesmas ideias basearam o programa económico do PSD/CDS de 2011 a 2014. Ao arrepio até do patronato, as empresas tiveram todas as condições: embarateceu-se o emprego (cortou-se salários, aumentou-se horários de trabalho, cortou-se compensações por despedimento), facilitou-se o despedimento e penalizou-se quem estava no desemprego para que aceitasse as ofertas de emprego que aparecessem, liquefez-se a contratação colectiva, cortou-se e congelou-se os rendimentos a Função Pública - tal como se congela neste OE -, impedindo que a valorização do seu trabalho contagiasse o sector privado. E no entanto, a economia afundou.
 
Medidas, aliás, que se mantêm quase todas em vigor. Como se mantém em vigor um injusto regime fiscal entre assalariados e detentores de outros rendimentos, nomeadamente de capital. Tal como se mantêm em  vigor todos os dispositivos que permitem a ocultação de rendimentos ou de propriedade e património que prejudicam a igualdade de oportunidades, prevista na Constituição.   
 
Baseado na mesma fábula, esse governo forjou a poupança forçada de todos os portugueses através de uma terapia de choque com sucessivas medidas de austeridade que geravam o pânico quotidiano - método para conseguir aplicar medidas impopulares - e, afinal, o investimento não surgiu. Caiu como nunca, porque todos estavam mais pobres e assustados, e isso levou a economia ao cadafalso: empobreceu os portugueses, estrangulou as empresas, forçou a emigração da população qualificada e fomentou o desemprego cuja taxa efectiva atingiu 25% da população activa. 

Já se esqueceu Rui Rio? Por que insiste na velha tónica geradora de desigualdades? E nalguns casos por que se esquece o PS?

3 comentários:

Geringonço disse...

Quando é que estes vigaristas liberais se decidem?
Querem o Estado fora da economia ou não?
Se querem o Estado fora da economia porque pedem que o Estado ajude as empresas?
Não é sempre o Estado ineficiente?
Porque é que o Estado se torna eficiente quando é para ajudar o patronato?
Não gasta o Estado sempre mal o dinheiro dos “outros”?
Não estará a ser o Estado ineficiente ao pôr o dinheiro nas mãos do patronato em vez do trabalhador?
Então o Estado ajudar as empresas não é uma interferência nos assuntos divinos do todo poderoso “mercado-livre”?

Dizem os liberais que o dinheiro não cresce numa árvore mágica, mas assim que precisam o Estado tem que lhes arranjar uma catrefada de guito, nessa altura dúvidas sobre de onde vem o dinheiro se dissipam num ápice, é um não assunto. Claro, as dúvidas eternas voltam assim que alguém pense pôr o Estado a servir a maioria da população não privilegiada…

Sempre a mesma incoerência deliberada e tão consciente destes liberais!

Anónimo disse...

Por acaso, já conhecemos a receita do PSD para as crises do capitalismo.
Como dizia o outro: "UM BRUTAL AUMENTO DE IMPOSTOS"

Jose disse...

Verdades absolutas, se as há, são escassas.
Fazer do lay-off uma ajuda às empresas, ignorando que só o será porque o despedimento pode ser mais caro ou porque a cessação de actividade é um pântano burocrático, decorre no essencial do pressupor a actividade empresarial como um privilégio consentido pelo Estado.
Falar no programa de 2011-14 como se de um projecto não condicionado se tratasse é pura desonestidade.

O mais estranho de tudo isto, são as loas ao investimento público sem nunca o ilustrar com o conteúdo de um orçamento em fase de discussão.
O concreto de um Estado incompetente e corrupto sempre fica fora da análise.