domingo, 13 de outubro de 2019

Quando as bruxas andam à caça

Exposição de José Luís Neto, Vigiar, Esconder e Punir
Os membros em maioria no Conselho Deontológico (CD) do Sindicatos dos Jornalistas divulgaram – na página no Facebook do Sindicato dos Jornalistas - uma nota onde pedem que o jornalista do Jornal de Notícias Alfredo Maia, comunista eleito para assembleia municipal da Maia, se demita dessas funções.

Dizem eles:
Os membros eleitos pela Lista B para o Conselho Deontológico (São José Almeida, João Paulo Meneses, Margarida Neves de Sousa e Miguel Marujo) reiteram que, respeitando os direitos de cidadania de todos os jornalistas, há uma manifesta incompatibilidade entre o exercício de funções neste órgão e a prática partidária. Não é apenas uma questão - para nós importante - da promiscuidade entre jornalismo e política, mas sobretudo uma questão de separação clara de funções. Dissemo-lo publicamente na última campanha eleitoral para os órgãos sociais do Sindicato e sublinhamos de novo, perante o facto de Alfredo Maia ter sido candidato em lugar elegível por uma lista partidária no seu círculo eleitoral. Se na altura entendíamos como importante que o camarada Alfredo Maia renunciasse ao seu mandato na Assembleia Municipal da Maia, caso fosse eleito para o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, agora reiteramos que consideramos incompatível o exercício desta função com a atividade partidária e com o desempenho de mandatos políticos de nomeação ou de eleição.

Os membros da lista B no CD poderão pensar o que quiserem, mas não há nada na Constituição, no Estatuto do Jornalista (EJ) ou na Lei de imprensa que o impeça. O EJ cria um conjunto de incompatibilidades, mas nenhuma inclui ser deputado ou membro de uma assembleia municipal. Veja-se o artigo 3º da lei 64/2007 que remete para as alíneas a), b), c), e) e g) do artigo 1º da Lei 64/93. E nessa lista, as questões comerciais surgem bem à frente da participação em cargos públicos!

E sobre este último caso, o CD teria muito que fazer. Teriam de extirpar da comunicação social todas as estranhas funções indirectas "de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias" ou "de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais" ou "é igualmente considerada actividade publicitária incompatível com o exercício do jornalismo a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais" (artigo 3º), como são as de vendedores de carros, viagens, hotéis, restaurantes, telemóveis, computadores, aspiradores, clínicas privadas, etc., etc., dependentes de agendas comerciais, incentivadas por agências de comunicação, levadas a cabo por jornalistas num suposto apoio ao consumidor. Mas aí nada se diz.

Na verdade, muitos jornalistas acham que ser membro de um partido é o obstáculo à independência do jornalista. E nalguns casos - que convém evitar - pode efectivamente prejudicar. Mas e se o jornalista não for militante de um partido, embora seja um diligente seguidor de um partido, de uma ala política da sociedade, de um credo, um defensor férreo de uma ideologia, ou apenas daquilo que as autoridades sustentam? É-se mais independente? Claro que não. "Mas no caso dos membros dos partidos pelo menos estão identificados", parecem dizer os empenhados membros do CD. É ridículo.

Mas se é assim, de onde vem esta ideia de que basta ser militante comunista para deixar de ser independente?

Apenas de um exacerbamento das funções de CD, pois nenhuma sua decisão ou parecer se sobrepõem à lei. A sua exigência é idiota, destrambolhada e inquinada de um maniquismo difícil de entender. Até custa a crer que os quatro membros da lista B tenham escrito o que foi escrito. Ou que a Direcção do Sindicato pense isso. Ser humano é ter ideias. Ter ideias é ser independente.

Mas caso quisessem olhar para a falta de independência política dos jornalistas, aí também teriam muito a deliberar. E nada se fez porque se considerou que fazia parte do seu direito de opinião como jornalistas.

Exemplos:


1) Entre 2010 e 2011, directores de vários jornais prepararam a entrada da troica em Portugal e elogiaram, vangloriaram, elegeram o governo PSD/CDS, marcado pela ideologia neoliberal, como um verdadeiro governo que era capaz de fazer as reformas estruturais necessárias ao país. Ao longo do seu mandato pressionaram o Governo a tomar medidas duras como cortes de salários nominais no sector privado, reduzir despesas sociais e de funcionamento do Estado. Pior: quando o governo começou a borregar – dada o aprofundamento da recessão que essas medidas criaram e a explosão de desemprego que chegou aos 25% da população activa (em termos latos) – esses mesmo directores fustigaram o Governo por não ter coragem de avançar mais determinado. E acabaram desiludidos com o Governo, mas não com as suas próprias ideias, que voltaram a defender anos mais tarde (sem aprender), já com o Governo PS apoiado à esquerda, dizendo que tudo iria correr mal e que era necessário voltar à linha neoliberal. Foi uma prática independente? Era opinião ou militância?

2) Casos como este e com outras causas, poderiam ser repescados ao passado sem que nunca o CD do Sindicato tivesse levantado um dedo;

3) Jornalistas que escrevem sobre a política têm bate-papos discretos com políticos e publicam o que estes lhes dizem, sem se perceber no texto onde questionam as suas ideias, ou enchendo páginas sem uma única fonte, em que o leitor desconhece a sua origem, embora muitas vezes pareça ser um exercício de contrainformação. É normal? É um exercício independente? A presidente do CD fá-lo amíude nas páginas do jornal Público onde escreve.

Indo à hemeroteca, encontrar-se-á casos flagrantes das fragilidades da dita independência dos jornalistas. E ver-se-á os repetidos apelos à independência dos jornalistas, sem que nada mude.

O problema é que muitas vezes, a defesa da independência dos jornalistas é uma forma de condicionar opiniões diferentes daquela que são dominantes. Ou ainda – e pior – uma exigência dos advogados das empresas dos meios de comunicação (e dos seus proprietários), preocupados com acções judiciais contra os órgãos de comunicação social, contra a informação que possa ser – muitas vezes – prejudicial aos seus interesses.

A nota de quatro membros do CD é um degradante e ilegal, desproporcionado e inviesado exercício de caça às bruxas. E nesse capítulo, os quatro elementos da lista B fizeram um péssimo serviço à verdadeira independência dos jornalistas portugueses e pluralismo da sua actividade.

Será que os jornalistas comunistas deverão passar a uma militância clandestina para poderem ser aceites pelos seus pares? E caso não façam, o que deve acontecer-lhes?

12 comentários:

Miguel Marujo disse...

É falso que os membros do CD tenham pedido a Alfredo Maia que se demita — pedimos na campanha eleitoral que resignasse, nã o fez, nem o pedimos agora; é ler bem a nota. Aí lamentámos que Alfredo Maia se tivesse candidatado a deputado pela CDU sem nunca ter contado aos seus parceiros do Conselho Deontológico, que mantêm uma posição discordante sobre a atividade partidária; e registo que "o EJ cria um conjunto de incompatibilidades, mas nenhuma inclui ser deputado ou membro de uma assembleia municipal", quando o próprio Alfredo escreveu aos membros do CD que se fosse eleito, imediatamente resignaria, "como decorre do Estatuto do Jornalista", escreveu ele; quanto ao mais, abstenho-me de comentar, não vale a pena.

João Ramos de Almeida disse...

Caro Miguel,

Sinceramente não percebo: se não pedem que se demita ou "resigne", pedem que deixe de ser jornalista?

Quanto à incompatibilidade, os outros membros poderão ter a opinião que quiserem, mas não podem sobrepor-se à lei. Não há regulamentos internos do CD à margem da lei. Pela leitura que faço da lei, ele pode assumir o cargo político e ser jornalista. Mas estou disposto a dar a mão à palmatória se estiver errado. Contudo, se acham que a lei está do vosso lado, não peçam: os membros do CD que interponham uma acção judicial para o demover. Caso contrário, é apenas política ou opiniões. E vale o que vale.

Albino M. disse...

Concordo.
Mas o texto merece revisão (várias gralhas)...

Ricardo M Santos disse...

O CD da Lista B do SJ prefere casos como o do célebre Sebastião Bugalho, com uma ascensão meteórica que, ao fim de 18 meses como jornalista no Observador, acabou nas listas do CDS. Estes não preocupam.

Geringonço disse...

O que é Helena Garrido?

Jornalista?
Administradora?
Directora (adjunta na RTP)?
Comentadora?
Sócia do "Iniciativa Liberal", do PSD, CDS ou do "Chega"?
Propagandista?


Será que o Sindicato dos Jornalista alguma vez incomodou esta senhora?

Jose disse...

mi·li·tan·te
(latim militans, -antis, particípio presente milito, -are, ser soldado)
adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros

1. Que ou o que milita.

2. Que ou quem luta, combate.

3. Que ou quem defende algo de forma activa ou convicta.

"militante", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/militante [consultado em 14-10-2019].

Paulo Rodrigues disse...

O paradoxo do discurso ético, que serve para camuflar a falta de ética de quem o profere.
Neste, como em muitos outros casos, a deontologia só se aplica aos outros, àqueles que não fazem parte do "clube".
É uma espécie de bullying: todos os que não se encaixam no perfil do bully, todos os que não prestam reverência aos "sublimes princípios" defendidos pelo bully são perseguidos, pelo motivo que estiver mais à mão.
O facto de muitos jornalistas, sem filiação partidária conhecida, fazerem comentários tendenciosos em frente às câmaras de TV já não interessa a ninguém.
Na última campanha eleitoral e pelo pouco que apanhei nos telejornais da hora do jantar, ainda consegui ouvir um jornalista da rtp1, num meio de uma entrevista a um candidato, dizer que as propostas do BE são insensatas.
O senhor não acha insensatos os 25 biliões de euros que o contribuinte pagou, está a pagar e vai pagar para cobrir os calotes dos bancos.
Não! As propostas do BE é que são insensatas.
Mas ninguém achou que o senhor jornalista estava a ultrapassar os seus deveres de isenção, no quadro das funções que estava a desempenhar naquele momento, para passar a ser interveniente ativo no debate.
Um jornalista que assuma funções políticas, mas que sabe subtrair do seu trabalho profissional as suas opções políticas, não fará qualquer mal à democracia.
Aliás, tem todo o direito de o fazer.
Um jornalista que não pertence oficialmente a nenhuma cor política, mas que não hesita em defender ideologias, visões partidárias ou privilégios de classe, esse sim, está a mais.

Anónimo disse...

Uma boa idiotice esta do dicionário do jose

O que faz um tipo para militar assim ?

Anónimo disse...

Mais uma vez um discurso inenarrável do mister multinik Paulo rodrigues

Parece ou não aquele “ pedro” , a louvar Zeca Afonso e os demais artistas progressistas. ?

Uns dias depois assumia-se como mister multinick e como racista abjecto

JE disse...

Paulo rodrigues, infelizmente o digo, é outro dos muitíssimos micks de loão pimentel ferreira.

O IP holandês.

Mais a conversa da treta para encher chouriços. Com o toque de rebolucionário para ver se passa

O paradoxo do discurso ético, que serve para camuflar a falta de ética de quem o profere.

Anónimo disse...

qual é a vossa moral se continuam a roubar fotografias sem identificar os autores? já não é a primeira vez que temos está conversa.

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo,

Quando se tratou de uma fotografia de Blaufucks, eu dei a mão à palmatória. Era um enquadramento muito fechado e poderia, de facto, interpretar-se como sendo uma utilização dessa obra. E retirei, depois do protesto dele.

Neste caso, caro anónimo, trata-se - visivel e obviamentemente - de uma fotografia de uma exposição. Não creio que quem olhe esta foto, acredite que "roubei" o que quer que seja. E já não me lembro do autor, mas, caro anónimo, se souber de quem se trata, terei o máximo prazer em colocar uma legenda.