segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Syriza está a falar a sério


Depois da vitória eleitoral de Domingo, o Syriza ficou obrigado a negociar um acordo de governo para viabilizar a sua política, naquilo que ela tem de mais central: a restruturação da dívida. Sem uma restruturação da dívida que imponha perdas substanciais aos credores, incluindo os credores institucionais que detêm, de longe, a maior fatia da dívida grega, qualquer discurso sobre o fim da austeridade é conversa.

Nesse sentido, temos já duas boas notícias: o acordo de governo com o Anel e a nomeação de Yanis Varoufakis como Ministro das Finanças. Sobre esta segunda notícia, a escolha parece-me incontroversa. Varoufakis tem sido um incansável e qualificado defensor da restruturação da dívida e o homem certo para conduzir o que será um processo dificílimo, do ponto de vista técnico e político.


Já a escolha do Anel como parceiro para um acordo de governo tem animado um debate esclarecedor entre a esquerda portuguesa. Não é surpreendente: este partido é conhecido por ter posições contra a imigração e os homossexuais que o colocam nos antípodas de um partido como o Syriza. A esse respeito, são relevantes duas notas: (1) a posição do Anel sobre imigração é semelhante à das grandes famílias europeias (PPE e Socialistas) e, portanto, compará-lo à Frente Nacional ou à Aurora Dourada é um exagero que só pode ter propósitos propagandísticos. (2) O acordo Syriza-Anel incidirá sobre as questões económicas e da dívida, deixando de parte qualquer compromisso sobre direitos individuais, área em que as posições são antagónicas e o Syriza tem parceiros bem mais frequentáveis. Era melhor que o Syriza tivesse tido maioria absoluta para dispensar más companhias? Era. Mas não teve.

Seria melhor o Syriza ter privilegiado outros parceiros? Quais, então? O Partido Comunista Grego aceitou reunir com o Syriza, mas apressou-se a adiantar que não faria qualquer acordo de Governo, em coerência aliás com o que já tinha feito na sequência das anteriores eleições. O Pasok defende o memorando e o "respeito pelos compromissos do Estado grego". Os compromissos com os credores, bem entendido, que com os cidadãos não há compromissos relevantes. O Partido de Papandreou não entrou no Parlamento, tal como o Dimar, reduzido à total irrelevância.

Restaria o Potami, um partido de centro, euro-entusiasta, que se tornou a esperança de vários comentadores para "moderar" o Syriza na sua relação com as instituições europeias. O Potami é um partido com o qual o Syriza tem pontos de convergência em muitas áreas e com o qual terá, com toda a probabilidade, muitas alianças pontuais. Tem um pequeno inconveniente: não é um aliado fiável para a condução de um processo de confronto com as instituições europeias sobre a questão da dívida. E esse confronto é decisivo.

Defender a restruturação dívida não é achar que era uma óptima ideia se toda a gente se pusesse de acordo sobre o assunto: Merkel, Tsipras, Juncker, Draghi, etc. Quem governar a Grécia tem de ter uma posição de força. Se essa posição depender de um acordo com quem andou a destruir a Grécia, então esse Governo não estará a negociar. Estará a pedir batatinhas. E terá o mesmo sucesso que tiveram os pedintes anteriores.

Ao contrário do Potami, o Anel mostrou-se disponível para esse confronto. O que resulta desse acordo é o que se poderia classificar como um Governo de unidade patriótica. Esse governo, se honrar o seu compromisso, terá um apoio social esmagador. E precisa dele para enfrentar dificuldades tremendas. Não sabemos se o Anel se aguentará à bronca. Sabemos, sim, que se o Syriza se amarrasse a um parceiro cuja primeira preocupação é entender-se com as instituições europeias, o Governo do Syriza não durava três meses. Nem um. Cairia na primeira chantagem, na primeira retaliação. E haverá muitas.

Estou naturalmente a excluir o cenário louco-furioso de rejeitar qualquer acordo de Governo e provocar novas eleições, exigindo uma maioria absoluta. Semelhante disparate deixaria o Syriza politicamente isolado e ainda mais distante da maioria absoluta ou mesmo… da relativa.

Naturalmente, está quase tudo por fazer. As dificuldades que o Syriza enfrentou até agora são uma brincadeira comparadas com o que agora os espera. Era bem mais fácil enfrentá-las com uma maioria absoluta. Os gregos não quiseram assim. Resta esperar que o Syriza consiga apoios sólidos no Parlamento. E saiba manter os que tem na rua.

18 comentários:

R.B. NorTør disse...

Na generalidade concordo com o artigo. O partido em causa é de longe o melhor aliado do Syriza para formar um governo, isto face aos grandes desafios que se avizinham. Para qualquer outro desafio interno não faltarão aliados internos.

No entanto amanhã começa a realidade. Vamos ver no que dá...

Dias disse...

Concordo com a análise.
Obviamente que bater-se pela restruturação da dívida não vai ser um convite para jantar, tendo como convivas Tsirpas, Merkel e Junker…Julgo que haverá dura confrontação.
PS: Os cúmplices oficiais e oficiosos das políticas seguidas nos protectorados estão a ficar nervosos, e a intoxicação cresce. Afinal, o pensamento único e as cumplicidades foram postos em causa.

Souisa Mendes disse...

É curioso ver a "verdadeira esquerda" e defender as posições pragmáticas que critica aos partidos de esquerda moderada. Será que a esquerda só é "verdadeira" quando está fora do poder?

Miguel disse...

A escolha do ANEL para parceiro de coligação foi a meu ver a mais acertada, acima de tudo porque este partido parece-me estar colocado mais à esquerda no plano socioeconómico do que o To Potami. Considerando-me eu de esquerda (no plano sociocultural tendo para o centro, admito) há certos pontos da Politica do ANEL que me repelem como a defesa da aproximação entre o estado e a igreja ortodoxa grega e a não promoção dos direitos dos homossexuais, apesar disto revejo-me na crítica que este partido faz ao Multiculturalismo e também não sou contrário a uma política de emigração mais controlada. Tendo em conta a grave crise financeira, social e humanitária que afeta a Grécia, o que é prioritário neste momento é que haja consenso em termos de políticas socioeconómicas, o que parece haver efetivamente entre os partidos da coligação.

João Ricardo Vasconcelos disse...

Bom post. Fiz referência no Ativismo de Sofá (www.ativismodesofa.net). Não há mudança sem riscos.

j. disse...

Deixo uma nota de preocupação acerca da possibilidade da pasta da defesa ser atribuída aos Gregos Independentes. Sempre achei, um pouco na linha do Partido Comunista da Grécia, o desenterrar de algum argumentário sobre reparações à Grécia por causa dos estragos na II Guerra Mundial lastimável. Cuidado para que a paranóia sobre «chantagens alemãs» não tome conta de algumas cabeças... (Se o Syriza é um partido da esquerda democrática e quer governar com maioria absoluta que recusasse formar governo e fosse de novo a eleições, esclarecendo e mobilizando o eleitorado)

Jose disse...

Fico atónito com esta treta de que a dívida é que atrapalha a Grécia, quando não só não está a pagar dívida como tem acordos financeiros que lhe permitem aumentá-la!!!!
O que atrapalha a Grécia é que quer continuar corrupta e improdutiva e mantendo um nível de vida que obteve martelando contas e usufruindo da permissividade (leia-se estupidez) das instâncias europeias.
E os que clamam solidariedade com a Grécia digam quanto mais de austeridade querem cá para dar folga aos gregos.

Anónimo disse...

A crispação e a irritação de jose é de facto paradigmática.

Porque o comentário que aqui pospega só mesmo saído das caves mais fétidas e podres dos ultramontanos que nos governam e governam a europa.

Eis como desta forma emotiva jose repete as teses da merkel e do caniche dela. Apaga com aquele ar teutónico característico todos os dados disponíveis que contrariam de forma acertiva as manhas austeritárias.

"Esquece-se" do paleio sobre o comportamento humano com que desculpabiliza o grande poder económico e os banqueiros.Esquece-se dos avé-Maria rezados à concentração do capital e a sua defesa do crescimento das desigualdades. "Esquece-se" quando fala em corrupçao que por cá temos exemplares maiores bem instalados na governança e que são defendidos pelo jose duma forma quase..."Esquece-se" que tentou desculpabilizar os corruptores àa custa dos corruptos
(tudo isto está documentado)

E a cereja no topo do bolo.A irritação, a crispação e a raiva são tantas que tenta virar os portugueses contra os gregos num processo germânico bem conhecido por alturas da ascensão dos nazis na Europa.
Tentando "esquecer" que a nossa luta está irmanada também com a dos gregos.

Jose está irritado com o resutado das eleiçoes na Grécia e com a derrota estrondosa dos podengos da merkel.
Ainda bem.
Oxalá o povo grego dê uma resposta exemplar a coisas como jose e tome nas suas mãos o destino do futuro

De

pvnam disse...

Vamos ver como é que vão cumprir as suas obrigações... nomeadamente, por exemplo, pagar aos funcionários públicos (nota: não podem imprimir moeda).

José M. Sousa disse...

E nós ficamos atónitos e fartos com a dimensão da estupidez do José!

Ana Matos Pires disse...

Como dizia a minha irmã, Zé, "racismo, xenofobia e homofobia são linhas vermelhas para mim"

R.B. NorTør disse...

Caro D.

O Juncker será o menor dos problemas desse jantar. O tipo até é magrinho e se os ventos do Conselho mudarem vai ser vê-lo a ir com eles.

Quanto ao teu PS, foi curioso ver que entre os chefes de estado o que teve a reacção mais ofensiva acabou por ser mesmo o nosso PPC.

No caso grego, o argumentário sobre dívidas passadas alemãs não se prende com compensações de guerra, mas com um empréstimo que os alemães terão contraído antes da guerra e que não pagaram. Não sei os detalhes (a colega grega que me contou não os adiantou), mas o jantar terá de ser cozinhado com poucas especiarias, sob risco de causar azia a todos os convivas. ;)

Anónimo disse...

E são bem, Ana, mas também convém não perder de vista que as posições do parceiro governativo não têm que ser, e quanto a isso estamos convencidos que não serão, as do governo Syriza.

Um pouco mais de bom senso, por favor.

Ainda o Tsipras não tinha ido à retrete e já a Ana, no seu blog, estava a dizer que a "cagada já tinha começado".

Pode desconfiar da boa vontade, ou da capacidade (como é o meu caso), do Syriza, mas não há necessidade de ser tão destrambelhada.

José M. Sousa disse...

http://pt.euronews.com/2013/04/07/grecia-podera-reclamar-mais-de-150-mil-milhes-de-euros-de-dividas-a-alemanha/

Anónimo disse...

Julgo que para o artigo ser correcto necessita de uma precisão. o KKE apesar de recusar uma aliança com o Syrisa afirmou que iria votar favorávelmente todas as propostas que visassem livrar a Grécia das mãos da troika.

A.Silva

Pedro Homero disse...

Este artigo dá mais informação sobre esse partido dito-centrista que se calhar tem muito de podre por trás: https://theirategreek.wordpress.com/2015/01/26/strange-bedfellows/

Dias disse...

Caro Nor Tor, essa tua leitura do meu Post Scriptum é completamente acertada.

Uma opinião meramente pessoal: dizer ainda que vejo uma enorme coragem e inteligência nesta iniciativa de coligação do Syrisa. (Efetivamente, o país Grécia nunca foi extinto por decreto em Bruxelas…)

MM disse...

Falta de honestidade na análise ligeirinha do ANEL... então é parecida com a do PASOK e isso permite este desvio, faltam aí tantos outros pontos onde o ANEL é de extrema direita como por exemplo a sua ligação à igreja ortodoxa, em muitos pontos igual aodefendido pelos nazis ucranianos.
Regojizem com o Syriza enquanto não lhes cai a máscara por completo.