segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Quem beneficia com as amnistias fiscais aos capitais fugidos do país?

Pouco se sabe sobre as acusações que impedem sobre José Sócrates. Nem se pode confirmar as informações vindas a público de que foi beneficiário das duas primeiras versões do Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT) para capitais saídos ilegalmente do país, aprovadas pelo seu próprio Governo.

O que me importa discutir aqui é, sobretudo, a quem beneficia os RERT. Será aos cofres do Estado ou aos capitais amnistiados?

A imagem é suficientemente explícita.

O RERT - nas suas três versões de 2005 e 2010 (Governo José Sócrates) e 2011 (Governo Pedro Passos Coelho, ver artigo 166º) - constitui um regime especial para pessoas singulares que tenham irregular ou fraudulentamente posto valores mobiliários fora do país e que ainda não tenham processos a correr contra si. Inclui depósitos, certificados de depósito, valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, incluindo apólices de seguro do ramo 'vida' ligados a fundos de investimento e operações de capitalização do ramo 'vida'. Ao autodenunciar-se, o contribuinte livra-se de todos os procedimentos criminais e do risco de o Estado ficar com metade dos capitais.

Para isso, têm apenas de pagar. E a taxa é a mesma para pequenos e grandes. No RERT I e II, era de 5% sobre esses valores. A partir de Abril de 2010, passou a ser obrigatório o repatriamento desses capitais. Mas, já no RERT III, assinado pelo actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, advogado vindo do escritório Garrigues Associados, a taxa subiu para 7,5%, mas foi afastada a obrigatoriedade do repatriamento. Os capitais escusavam de voltar ao país! Era como um visto Gold, mas ao contrário.

Porquê então o espanto pela crescente afluência de capitais irregulares? Olhe-se de novo para o gráfico: não valerá a pena correr o risco da ilegalidade? Claro que vale! Pior: espera-se que a História um dia o conte, mas entre fiscalistas e pessoal da administração fiscal existe a forte suspeita de que os legisladores aprovaram estes regimes tendo em conta destinatários precisos. Veja-se alguns casos conhecidos: aqui e aqui.

Ainda pior: sabe-se que a elaboração destes regimes teve a participação de peritos de firmas de consultoria, cujos clientes podem ser, precisamente, os beneficiários das medidas. Luís Magalhães, responsável pelo departamento fiscal da KPMG, assumiu-o publicamente e nem deu mostras de ver aí um evidente conflito de interesses (Expresso 12/5/2012). Veja-se, aliás, como essas mesmas firmas se referem aos RERTs junto dos seus clientes, através das suas newsletters: aqui, aqui, aqui ou aqui.

Ou como o próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais o “vendeu” – enquanto advogado – aos seus clientes como uma amnistia, embora como secretário de Estado tenha tentado que as notícias saídas sobre o seu RERT omitissem essa designação. E preferiu antes apresentá-lo como uma forma de combate à fraude e evasão fiscais e uma fonte de aumento de receitas fiscais em IRS.

Mas por que será que nunca são dadas explicações pelo Governo, no relatório sobre o combate a Fraude e Evasão Fiscais, sobre que tipo de contribuintes beneficiou destes esquemas? Se não houvesse essa má consciência, como explicar que estes regimes, nas suas três versões, nunca tiveram um preâmbulo da lei que enalteça as suas virtudes, tal como acontece na esmagadora maioria dos diplomas e se tivessem encavalitado na lei do Orçamento de Estado?

Não se tratará, na prática, de uma forma encapotada de branqueamento oficializado e que, como tal, deveria ser revisto? Quando crescentemente se aperta sobre os capitais irregulares, não será que mais estas amnistias se tornam no porto seguro - e a baixo preço - desses contribuintes relapsos?

A eficácia desta medida precisa urgentemente de ser analisada e perceber se foram esses contribuintes que contribuíram para o país ou se foi o Estado quem lhes prestou um serviço.

9 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez...na mouche

De

R.B. NorTør disse...

E agora espera-se uma actuação igualmente célere do DCIAP para investigar os outros todos que andaram, como se costuma dizer, a "mamar" com esse regime. Porque é impossível ter sido só um!

mexilhão disse...

Por isso sempre defendi e defendo que só os funcionários públicos em regime de exclusividade (sem acumulações) é que devem elaborar consultas e pareceres técnicos seja para fundamentar a realização de obras públicas seja para reformas fiscais, etc.

Só estes têm o dever de isenção e imparcialidade, o que impede de pareceres e consultas feitos à medida...O Estado tem funcionários em todas as áreas do saber, tem, por exemplo, fiscalistas, uns professores universitários, outros que são altos quadros da administração tributária. não há justificação para, nomeadamente, ser o Dr. António Lobo Xavier a fazê-lo...O Ladrões de Biciclestas deveria apresentar um estudo sobre o valor astronómico destes pareceres e consultas uma verdadeira gordura do estado q ninguém toca. Porque será!?

R.B. NorTør disse...

Isso do que faz o Lobo Xavier pode ser visto nas análises à reforma do IRC aqui dos Ladrões.

Anónimo disse...

É bom sempre saber a opinião de todos, mas não investigar o maior antro de corrupção e traficância de influencias, basta ver o despedimento coletivo que o Kasino Estoril fez destruindo centenas de famílias em troca de outras por capricho, isto é pior ou igual ao problema SÓCRATES.

Jose disse...

As perguntas inteligentes são duas:
- Porque fogem os capitais?
- Como evitar a fuga ao fisco?
Porque verificado que a fuga ocorreu, e que os capitais emigraram, a única questão é fazê-los regressar ou fazê-los contar para cálculo de imposto.
Seguramento a AT sabe hoje quem acumulou esse dinheiro e saberá assim onde vigiar. Foi assim que chegou à nódoa socratica.

Anónimo disse...

Sublinhe-se a "pedantice" de alguém nomear as "perguntas inteligentes"

Porquê? As outras não o são?

Depois é o convite permanente à submissão aos capitais...
ou a defesa mais ou menos envergonhada ( ou mais ou menos desavergonhada?) da fuga ao fisco.
(Um que se comprtava como uma autêntica nódoa até defendia a fuga ao fsico de coisas como soares dos santos e afins...)

Ou de como o branqueramento oficializado pelo poder político a soldo do poder económico tem defensores...

Outras formas de elogiar as nódoas do capital

Saia aí um auditor que certifique estas práticas a raiar as mafiosas

De

Anónimo disse...

( mas é bom sabermos que a resposta à pergunta do João Ramos de Almeida tem respostas afirmativas...vindas dos mais insuspeitos sítios...

Ah, Marx tinha de facto razão quando falava em Luta de Classes e na avidez do Capital)

De

Anónimo disse...

Jose pode ser que tenha informação privilegiada sobre o caso sócrates.

Como se sabe a manipulação informativa sobre o caso e as "fugas de informação" são o prato forte do momento.

É bom não esquecer que "são anos, décadas, de maus governos e maus governantes. São anos de leis ideologicamente concebidas, de políticas a preceito de uma determinada lógica de promiscuidade e favorecimento entre poder político e poder financeiro. São legislaturas inteiras pautadas pela submissão das regras da democracia às regras da finança. É todo um sistema poderoso e corporativista, manhoso, oculto, esperto, promíscuo, que perpassa, resiste, conspira e patrocina a alternância entre PS, PSD e CDS"
Ivo Rafael Silva

Mas a afirmação "Seguramento a AT sabe hoje quem acumulou esse dinheiro e saberá assim onde vigiar. Foi assim que chegou à nódoa socratica." carece de qualquer fundamento. Segundo as notícias difundidas pelos meios de comunicação :"No dia seguinte à detenção de José Sócrates, a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um comunicado em que explicava que a investigação havia nascido de um alerta bancário como determina a “lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais”.
"A Caixa Geral de Depósitos, de acordo com a lei de prevenção de branqueamento de capitais, deu o alerta à PGR , Banco de Portugal e PJ"

O que se passa?
Informação confidencial do jose ou apenas processos mais obscuros ( para ser simpático) de actuar e de confrontar argumentos?

De