quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Japão, Europa e a reestruturação inevitável


Foi anteontem anunciado que a terceira economia mundial, o Japão, entrou novamente em recessão. Depois das promessas de uma política económica activista por parte do primeiro-ministro Shinzo Abe, baseada numa política monetária expansionista (sobretudo com injecções de liquidez do Banco do Japão através da compra de activos de forma a aumentar a inflação e diminuir o valor do iene), um política orçamental activa (através de um programa de estímulo ao investimento público) e nas famigeradas “reformas estruturais” de liberalização de mercado trabalho e tudo mais. No entanto, deste trio, a política orçamental ficou para trás, com preocupações sobre a posição orçamental do Japão a imporem um previsto aumento dos impostos sobre consumo. Assim, não admira que a deflação e a recessão continuem, com uma diminuição dos salários reais e procura deprimida como a que agora se verifica. (Sobre o diferente conteúdo da política monetária e orçamental ver este post.)

Entretanto na Europa, onde o mesmo tipo de acção é activamente promovida pelo BCE, a situação parece ainda mais complicada. Apesar de alguns apelos, não existe qualquer intenção política da maior economia da zona euro, a Alemanha, em promover a despesa e assim animar a sua estagnada economia. O artigo de Wolfgang Munchau no Financial Times pode ajudar a perceber os debates de política económica na Alemanha, onde os economistas “se dividem entre os que nunca leram Keynes e os que não percebem Keynes”. Continuamos com uma procura deprimida devido ao esforço simultâneo de poupança do sector público e do sector privado. Não admira pois que David Cameron se esforce nos alertas sobre a iminente recessão europeia que inevitavelmente afectará o Reino Unido – conquanto o próprio tenha bastante com que se preocupar com uma recuperação britânica alicerçada no endividamento das famílias e na bolha imobiliária (onde é que já vimos isto?).

E por cá? Por cá, tudo parece calmo. Já estamos habituados à depressão da procura e à estagnação e, entretanto, as doses de austeridade diminuíram e as taxas de juro que incidem sobre a dívida estão em mínimos históricos. Portugal beneficia, paradoxalmente, da excessiva liquidez reinante que deprime as taxas de juro, embora os motivos por detrás desta impeçam qualquer recuperação económica pelas exportações. Isto é sustentável? Não. Se tudo continuasse na mesma, não se conseguiria vislumbrar qualquer recuperação da economia portuguesa com a estagnação internacional. De qualquer forma, este não é de todo o cenário mais provável. Mais provável é que as condições internacionais se agravem, reflectindo-se no nosso (de)crescimento. Mesmo num cenário de permanência de baixas taxas de juro, graças a eventuais intervenções do BCE, a insustentabilidade da dívida pública tornar-se-á mais saliente. Ora, tal realidade imporá uma mais profunda reestruturação da dívida pública, além das que têm já sido feitas em torno das taxas de juro e maturidades, tal como argumentado aqui pelo insuspeito Barry Eichengreen.

Esta perspectiva interpela directamente o debate político em Portugal pré-legislativas: quem à esquerda faz bandeira com o incumprimento do tratado orçamental e pela reestruturação da dívida (Bloco de Esquerda e o novo Tempo para Avançar) não tem de se preocupar . A manter-se o actual quadro europeu, ambas são só uma questão de tempo. O primeiro é simplesmente impossível de cumprir – alguém imagina o país a reduzir a sua dívida mais de três por cento do PIB todos os anos, a partir de 2017? O segundo consubstanciará o que a Europa anda a empurrar com a barriga há alguns anos – um perdão parcial da dívida. Por esta altura já passou suficiente tempo para dar como adquirido que o dinheiro emprestado pela UE não será totalmente devolvido. A questão que então se coloca é se estes dois temas mudam alguma coisa. A resposta é clara: não. O poder europeu e a sua gestão da crise são hoje cristalinos. A dívida reestruturar-se-á o suficiente para evitar uma dinâmica descontrolada. A política monetária será expansionista, beneficiando e suportando o sistema financeiro europeu, sem que isso tenha grandes efeitos na economia real (ou a ter, será na forma de bolhas especulativas). A política orçamental continuará muito constrangida, com eventuais transferências a tomarem a forma de perdões de dívida (qualquer estímulo ao investimento público está vedado). Conclusão, esta esquerda arrisca-se a conseguir o que clama, sem com isso mudar alguma coisa no actual panorama. Quando chegarmos a esse ponto, ou se dão por satisfeitos, ou arranjam um novo caderno reivindicativo mais exigente. Em qualquer dos casos, arriscam a desilusão dos seus votantes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Agora que a esquerda parecia ter encontrado algum terreno e rumo comum (assente na reestruturação da dívida), afinal tudo volta à estaca zero e têm de arranjar um novo caderno reivindicativo mais exigente. Não está fácil!

Anónimo disse...

Ora se se lessem bem os textos em vez de apressadamente virem postar as generalidades banais.

Que tal ler de novo.

É barato, não custa nada

"quem à esquerda faz bandeira com o incumprimento do tratado orçamental e pela reestruturação da dívida (Bloco de Esquerda e o novo Tempo para Avançar) não tem de se preocupar .

Confundir isto com " a esquerda" ou melhor, generalizar isto para a "esquerda" é manifestamente confundir os desejos com a realidade.
Quase um axioma.Os neoliberais usam-nos como missas divinas

Um anónimo dizia num outro post uma coisa que cheirava a vacuidade.Mas que aqui até poderia ser aplicada.
"Desculpe que lhe diga mas a sua ânsia de escrever desta vez atraiçoou-o"

Mas sinceramente não gosto deste tipo de linguagem.
Os factos são mais poderosos do que os rodriguinhos

De