sexta-feira, 16 de maio de 2014

Do pânico, da euforia e da farsa


Não deixem de ler o recente estudo de Paul De Grauwe e Yuemei Ji, «Disappearing government bond spreads in the eurozone – Back to normal?», que vem uma vez mais demonstrar que o comportamento dos juros das dívidas soberanas, no decurso da crise da zona euro, resulta fundamentalmente das garantias dadas por Mario Draghi (de que o BCE tudo faria para salvar o euro, posicionando-se como prestador de último recurso) e não das variações observadas nos principais indicadores económicos (como a sustentabilidade da dívida pública, a balança comercial, o défice ou a competitividade).

Para De Grauwe e Yuemei Ji, o anúncio, em 2012, de uma eventual intervenção do BCE no mercado da dívida - através de um programa de OMT (Outright Monetary Transactions) - separa dois momentos fundamentais da crise da zona euro, permitindo distinguir a fase de «pânico» (iniciada em 2010, com a percepção distópica dos impactos da crise financeira de 2008 nas economias e nas finanças públicas), da fase de «euforia», desencadeada pelas declarações de Mario Draghi e que se prolonga até à actualidade (beneficiando, mais recentemente, da confluência de outros factores, que reforçam a descida continuada das taxas de juro).

De facto, como sublinham os autores do estudo publicado pelo CEPS, «as taxas de juro começam a aumentar espectacularmente a partir de 2010», depois de um período, que antecede a crise, em que se encontravam «próximas do zero» nos diferentes países, sendo por isso «muito limitada» a relação entre esse aumento e a «deterioração dos principais indicadores económicos». Considerando, da mesma forma, que «as taxas de juro começam a descer espetacularmente a partir do terceiro trimestre de 2012 (...), não podendo esse declínio ser associado a alterações», que se tivessem entretanto verificado, «nos principais indicadores económicos» (o que revela, paralelamente, os riscos e o irrealismo que essa mesma descida comporta).

É por isso, aliás, que Paul De Grauwe e Yuemei Ji preferem falar de oscilações nos «sentimentos dos mercados» (a transitar entre o «pânico» despropositado e a «euforia» exacerbada), desligando-os assim da suposta «clarividência», «racionalidade» e «eficiência» que se lhes pretende associar. E sublinhar, em contrapartida, o papel primordial do BCE na gestão desses «sentimentos», assinalando o facto de «instituições burocráticas terem adquirido responsabilidades muito relevantes, sem que esteja assegurado o seu escrutínio político», o que obriga a denunciar os mecanismos insustentáveis de «transferência de soberania» para essas instituições ditas «independentes» que, não sendo eleitas, carecem de manifesto controlo e «legitimidade democrática».

NOTA: À luz deste debate, torna-se ainda mais evidente o descaramento despudorado do governo, de Cavaco Silva e do presidente da Comissão Europeia, entre outros, sobre os pretensos méritos caseiros na proclamada «saída limpa» e na «dispensa» de um «segundo resgate». Tal como se torna irresistível citar, nesta linha, o oportunismo chico-esperto subjacente às declarações de Eduardo Catroga, na entrevista do passado domingo ao DN e TSF: «O país está melhor porque conseguiu recuperar a credibilidade externa. Conseguiu criar condições para a diminuição da percepção de risco por parte dos mercados financeiros, o que é uma condição de base, necessária mas não suficiente, para o financiamento da economia portuguesa. (...) É fundamental os nossos parceiros e os mercados sentirem que temos condições de estabilização financeira, por forma a que a taxa de risco da economia portuguesa não suba outra vez.»

1 comentário:

Manuel Henrique Figueira disse...

Caro Nuno Serra:
Não tenho outro meio de o contactar, pelo que lhe peço desculpa de o fazer aqui.
Estou a coordenar uma revista que se publica na Suíça para a Comunidade Portuguesa naquele país: Lusitânia Contact.
A mesma não tem fins lucrativos e é distribuída gratuitamente entre os 237 mil emigrantes (embora tenha preço na capa mas apenas para orientação quanto ao custo da assinatura que inclui os portes de correio por 20€ / 4 números)
Temos uma rubrica, «Sociedade e Economia», onde publicamos temas como o deste seu post.
Já fiz um contacto com o Ricardo Paes Mamede convidando-o a colaborar connosco, disse-me que sim embora tenha pouquíssima disponibilidade de tempo.
Pedi-lhe mesmo textos não inéditos, que poderiam ser os que aqui deixa de vez em quando, enquadrados apenas por uma pequeníssima introdução que os contextualize.
Queremos texto de um máximo de 3200 caracteres incluindo espaços.
Estaria na disponibilidade de colaborar também connosco
E em que condições?
Poderia ser com estes textos dos posts.
Ou o Nuno fazia a introdução ou a fazíamos nós e a púnhamos à sua consideração.
É preciso romper com a narrativa «oficial» troikiana, apresentando outras visões da realidade.
Aguardo a sua resposta.
O meu e-mail é: manuelhenrique1@gmail.com
Saudações amistosas
M. H.