quinta-feira, 17 de abril de 2014

O elefante da dívida no meio da sala


José Gomes Ferreira entrevistou ontem, na SIC, Pedro Passos Coelho. Dialogaram, durante sessenta minutos, sobre a perenidade dos cortes nos salários e nas pensões; o equilíbrio orçamental e os objectivos do défice; as receitas, as despesas e os custos intermédios; a reforma do Estado e a «libertação» de funcionários públicos; o aumento da pobreza e o aperto do cinto à classe média; o crescimento, o desemprego e a competitividade; o passado e o presente; os calendários eleitorais e a putativa «desoneração» de salários e pensões, no eterno futuro. A cumplicidade entre entrevistador e entrevistado era umbilical: podia discutir-se tudo, desde que o debate não transbordasse o perímetro de se saber quanto mais de austeridade é necessário, pois esse é o caminho e está a resultar. E sobretudo nem uma só, blasfema palavra, sobre a dívida: vamos fazer de conta que ela não existe, vamos fingir que a questão da sua sustentabilidade não é assunto que se leve para aquela sala, por mais que por lá esteja a pairar, tão esmagadora como um enorme, mas deliberadamente ignorado, elefante.

Depois da divulgação pública do Manifesto dos 74Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente»), promovido por um conjunto de personalidades representativas de um vasto espectro político e ideológico; depois da petição a que esse manifesto deu origem, subscrita numa semana por mais de 34 mil cidadãos e já entregue na Assembleia da República; depois de 74 economistas estrangeiros, de diferentes nacionalidades, terem dado o seu apoio ao documento; depois de demonstrado o irrealismo delirante e irresponsável das contas feitas por Cavaco Silva e por Pedro Passos Coelho (ver a excelente síntese e resposta produzida pelo Observatório sobre as Crises e as Alternativas), que tanto um como o outro nunca contestaram (nem muito menos Durão Barroso, o presidente da Comissão Europeia que se reduz, em nome de interesses próprios, ao papel de crente oportunista de convicções alheias); depois de tudo isto, dizíamos, José Gomes Ferreira não tem uma única palavra, uma única questão a colocar, nesta matéria, ao primeiro ministro. Vivemos de facto tempos estranhos. Tempos estranhos e muito perigosos.

6 comentários:

Dias disse...

Reestruturação é mesmo palavra maldita, até Barroso ordenou que nunca fosse pronunciada!
JGF mostrou-se muito pouco vivaz na tal entrevista; aliás, a mim nunca me encantou…

João disse...

Aquilo foi uma entrevista? Engraçado...estou a ficar senil.

Anónimo disse...

Também não terá sido alheio o facto de precisamente ontem se ter discutido na Assembleia da República o projeto de resolução do PCP pela renegociação da dívida pública, que lembrava incomodamente a primeira iniciativa nesse sentido, de há três anos atrás, ainda antes da chegada da troika, e de como a situação se degradou desde então, levando a que largos sectores da sociedade portuguesa convergissem para a evidência dessa necessidade.

Anónimo disse...

Entrevista ou conversa em família ?

Anónimo disse...

Juntaram-se os dois á esquina a tocar a concerina e a dançar o sólidó...
Mas que raio de duo este. Um é aquilo que se sabe, mente tanto que ele próprio já não sabe quando é que está a falar verdade; e o outro.? Bem o outro, que tem a mania que percebe alguma coisa disto, afinal não é bem assim. Basta ler algumas passagens do seu livro (não me lembro agora o titulo - tão importante que ele é.!).

Jorge Martins disse...

O José Gomes Ferreira não passa de um reles serventuário do neoliberalismo.
É, além do mais, um convencido do pior. Só o facto de ter escrito um livro intitulado "O meu programa de governo" mostra isso. Presunção e água benta...
A conversa com o PM pode ter sido um frete ou uma encomenda. Não foi, certamente, uma entrevista!