quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O trilema


Realizadas as manifestações convocadas pela CGTP e pelo movimento Que Se Lixe a Troika, tudo indica que a falta de uma proposta credível para romper com a actual depressão, a falta de uma luz ao fundo do túnel, é a razão fundamental para a desmobilização das pessoas. Contudo, são cada vez mais visíveis os sinais de que há uma cólera sufocada que, mais tarde ou mais cedo, acabará por irromper com violência no espaço público. Na Grécia dos nossos dias, como na Alemanha dos anos trinta, a violência é sintoma de um enorme fracasso político à esquerda: a incapacidade de produzir uma alternativa mobilizadora. A situação em que nos encontramos foi descrita pelo economista Dani Rodrik sob a forma de um trilema. Dos três vértices do trilema - globalização, estado-nação, democracia - as sociedades contemporâneas apenas podem escolher dois.

A globalização comercial e financeira, consagrada no Consenso de Washington, logo após o fim da União Soviética, foi progressivamente imposta nos vários continentes através do FMI, do BM e da OMC. Na Europa, os estados colocaram-se sob a tutela dos mercados financeiros e as várias dimensões do Estado social europeu foram sendo reconfiguradas em nome da "competitividade". Nesta nova ordem, a política económica contra cíclica tornou-se anátema, o trabalho foi desprotegido, a legitimidade dos direitos sociais foi posta em causa e a finança desregulada infiltrou os maiores partidos, controlando agora apertadamente os estados. Por conseguinte, a escolha entre diferentes projectos de sociedade ficou praticamente eliminada já que a ideologia neoliberal e os interesses de uma minoria induziram a escolha dos vértices globalização - estado-nação. A situação de tutela que hoje vivemos, sujeitos a "condicionalidades" que não dependem dos resultados eleitorais, faz-nos sentir na pele o que vários povos de outros continentes há muito sabem: a globalização esvaziou a democracia no estado-nação.

Tratando-se de um trilema, há mais duas escolhas possíveis. Uma delas é o binómio democracia - integração, neste caso deixando cair o estado-nação e transferindo para um nível superior os mecanismos da democracia representativa. Esta opção não existe à escala mundial mas é o sonho de muitos europeístas, pelo menos como a meta de um processo lento e cheio de obstáculos. Tendo abdicado da soberania económica através da criação de uma moeda única, de um banco central independente e do Tratado Orçamental, os estados pertencentes à Zona Euro poderiam dar mais alguns passos de natureza federal: eleger o Presidente da Comissão, criar um orçamento federal com transferências dos países mais ricos para os que estão em dificuldades, mudar o mandato do BCE para que financie os estados mais frágeis e lhes torne mais favoráveis a taxa de câmbio e a inflação, etc. A crise que estamos a viver já tornou evidente que a Alemanha nunca aceitará este caminho, embora esteja disposta a camuflar essa recusa com cedências de menor alcance, sempre tentando ganhar tempo. O SPD, o novo parceiro de Angela Merkel no governo, será muito útil para camuflar a sua estratégia de completa submissão da UE ao ordoliberalismo. Porém, como observaram Kevin O'Rourke e Alan Taylor num recente artigo académico (Cross of Euros), "Uma coisa é levar mais longe as instituições federais dos Estados Unidos em tempo de crise, dentro do que já é um país, outra coisa é fazê-lo numa união de 17 estados independentes."

Perante a urgência de encontrar uma saída para esta crise, ainda podemos virar-nos para a terceira escolha, o binómio estado-nação - democracia, deixando cair a Zona Euro e protegendo-nos da globalização. É este o caminho de saída da crise que as esquerdas se têm recusado a assumir. Por isso é que continuamos sem luz ao fundo do túnel. E também é por isso que, em França, Marine Le Pen vai à frente nas sondagens.

(O meu artigo no jornal i)

16 comentários:

Filomena Fonseca disse...

A escolha "estado-nação-democracia" não implica degolar todo o processo em que Portugal se encontra desde que se solicitou o pedido de resgate? Em caso afirmativo como será possível se "se esquerdas" se põem de fora?, ou fala de novos movimentos não partidários a que os media não dão enfoque? Peço desculpa pela ignorância evidente nas questões que coloquei mas a vontade de perceber e fazer a minha parte para terminar com "este tormento" deu-me alento para no espaço dum comentário, pedir explicações talvez impossíveis por ausência de conhecimentos basilares.

Anónimo disse...

"Dos três vértices do trilema - globalização, estado-nação, democracia - as sociedades contemporâneas apenas podem escolher dois."

Uma dúvida: o espaço de alternativas é composto apenas pelos lados dos triângulos ou pela sua área interior?

Jorge Bateira disse...

Cara Filomena
A concretização da opção "estado-nação + democracia" só é possível com um partido, ou com uma coligação de partidos (muito pouco provável), que ganhem eleições e comecem uma negociação que acabará certamente em ruptura. Durante o processo negocial estarão a ser preparadas as condições para travar a especulação financeira (à maneira de Chipre). Tudo isto, que será inicialmente turbulento, permitirá desbloquear a situação na Zona Euro porque rapidamente os outros países do Sul farão o mesmo. Ficam criadas as condições para a introdução de uma moeda bancária comum nos países cooperantes - semelhante ao ECU - gerida em comum para os pagamentos externos, circulando internamente a nova moeda nacional.
Portanto ... falta o mais importante, o partido!
Sobre as implicações da saída do euro, ver este texto: https://docs.google.com/file/d/0B00H3y0k3iMSbVpraktwT2hocjg/edit?pli=1
Beijinhos

Anónimo disse...

Uma segunda questão.
Como analisa este trilema do ponto de vista de um país como a Holanda, por exemplo.
Dito de outra forma, se a globalização for um factor de desenvolvimento qual é então o dilema "restante"?

Anónimo disse...

Uma terceira dúvida.
O sistema de democracia liberal só pode existir em países "ricos", em que as restrições financeiras são menores logo existem mais alternativas, ou o sistema de democracia liberal continua a ser, ainda assim, "o pior sistema excepto todos os outros" em contextos de fortes restrições financeiras?

Jorge Bateira disse...

Anónimo 10:03,
O triângulo é um símbolo/metáfora que remete para as opções que queremos tornar inteligíveis. Na realidade, não há triângulo sem área, lados e vértices. O que importa é perceber que, em tese, há 3 escolhas possíveis - os três lados do que é, desde o início, uma realidade insustentável, a zona euro.

Anónimo 10:08,
Os países do centro da zona euro, Holanda, Alemanha, Áustria, Finlândia, Bélgica e Luxemburgo (a França tem uma economia que não consegue aguentar uma moeda forte) tenderão a optar pela federalização. Resta saber se estes povos estão preparados para a opção federal. Porém, a continuidade da germanização da UE (sem legitimação democrática supranacional) vai também reforçar os partidos da direita nacionalista e a pressão para a renacionalização da política económica. Vamos ver o que acontece nos próximos anos na Holanda (com uma bolha imobiliária a esvaziar) e na Alemanha ("Alternativa para a Alemanha").

Anónimo disse...

Ainda sobre a geometria do triângulo.
Parece-me claro que os vértices tornam as opções "limite" inteligíveis. Qualquer alternativa situada num vértice exclui as outras duas. Qualquer alternativa situada num lado representa um compromisso entre dois vértices, excluindo o terceiro. Pela sua frase "em tese, há 3 escolhas possíveis - os três lados" presumo que esteja a excluir a possibilidade de alternativas situadas no interior do triângulo em que pode haver um compromisso entre os três vertices (equidistante entre os três ou mais próximo de um deles).

É esse o meu ponto. O triângulo mostra bem a "tensão" que existe entre os 3 vértices (escolhas) mas não exclui (por si só) a possibilidade de alternativas dentro do triângulo de compromisso entre os 3 vértices. Ou se esse compromisso só é possível para alguns países (daí o exemplo da Holanda - podia ser outro).

Dito ainda de outra forma: se um país estiver razoavelmente/bem adaptado à globalização ainda se coloca o dilema (as alternativas ainda estão confinadas aos lados do triângulo)?

HY disse...

Verdadeiramente, nao vejo saída positiva para um país como Portugal que não seja integração/federalização. Não estou tão seguro que a Alemanha nunca o aceitará (historicamente, a Alemanha esteve sempre muito mais aberta à federalização do que, por ex., a França). Mas se os países como o nosso nao se baterem politicamente para avançar nesse sentido é que nada se passará.

Lowlander disse...

"Ainda sobre a geometria do triângulo."
"O triângulo (...) não exclui (por si só) a possibilidade de alternativas dentro do triângulo"

O seu "ponto" e pura ma-fe argumentativa. O autor do post expoem as ideias de um outro autor, o anonimo vem-nos explicar que se calhar ideia nao era mesmo essa atraves de um argumento "geometrico".
Notica escaldante para si entao: um triangulo e um poligono, assim sendo, e impossivel que alguem, caminhando ao longo de um triangulo, ponha pe no seu interior...
Da mesma forma, como uma circunferencia nao e um circulo.
Resumindo: a sua geometria do triangular redunda em pura ignorancia. Quadrada.

"se um país estiver razoavelmente/bem adaptado à globalização"

Onde fica esse mitico pais? Mande postais.

Ricardo disse...

http://inacreditavel.com.br/wp/o-governo-mundial-de-facto-da-atualidade/ ignorar isto é como ignorar a floresta para ficar a olhar a árvore.

Pitágoras disse...


Um triângulo é uma figura geométrica (como o círculo), NÃO um polígono ( ou linha poligonal fechada).

Daí falar-se na área de um triângulo, como na área de um círculo, e NÃO no comprimento de um triângulo (como no comprimento de uma circunferência)!

Mas não é essa a discussão, lamento. Logo, para a fazermos nestes termos, temos de aceitar a alegoria do Autor citado por J. Bateira.

Aceitando-a por princípio, eu opinaria que o binómio Estado-Nação/Democracia me parece também a mim o preferível.

A integração europeia foi aceite por muitos democratas sobretudo como instrumental para a consolidação da Democracia, num Mundo ainda ameaçado por totalitarismos e num País muito marcado por uma histórica ausência de práticas democráticas e pela falta de uma opinião pública informada e madura.

Vemos agora que o preço a pagar pelo "pacote" completo da globalização pode ser demasiado alto.

Mas, por outro lado, será que já estamos assim tão confiantes da vitória da Democracia em Portugal para prescindirmos da muleta europeia?

Queremos correr o risco inerente à assunção plena do referido binómio?

Ou estaremos já irreversívelmente amarrados ao binómio (apesar de tudo) menos gravoso a curto prazo, o da Integração/Democracia, e prontos para aceitar a erosão progressiva da nossa identidade como Estado-Nação?

E com que poderíamos substituí-la? Um renascimento do iberismo?

É que, mal por mal, o que devemos preservar acima de tudo, parece-me a mim, é mesmo a Democracio, sem a qual nada mais tem qualquer virtude..

Lowlander disse...

"Um triângulo é uma figura geométrica (como o círculo), NÃO um polígono ( ou linha poligonal fechada)."

http://www.mathopenref.com/triangle.html

Triangle From Latin: tri- "three" , angulus "corner, angle."
A closed figure consisting of three line segments linked end-to-end.
A 3-sided polygon.

http://www.thefreedictionary.com/triangle

tri·an·gle (trnggl)
n.
1.
a. The plane figure formed by connecting three points not in a straight line by straight line segments; a three-sided polygon.

http://www.mathsisfun.com/definitions/triangle.html

Triangle
more ...

Triangle
A 3-sided polygon (a flat shape with straight sides).

http://www.fontedosaber.com/matematica/triangulos-definicao-elementos-e-classificacao.html

A palavra “triângulo” tem origem do latim triangulu, e é um polígono que possui três lados e três ângulos

http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/tri%C3%A2ngulo;jsessionid=ywizhfWusIWWRhyKu40-Rg__

triângulo
nome masculino
1. polígono que tem três ângulos e três lados
"

Lowlander disse...

"Mas não é essa a discussão, lamento. Logo, para a fazermos nestes termos, temos de aceitar a alegoria do Autor citado por J. Bateira."

Nisto, de facto, concordamos Pitagoras.
Essencialmente porque as definicoes sao o que sao e nao aquilo que o anonimo ou o Pitagoras querem que sejam.

Em segundo lugar, e aqui parto assumo que o Pitagoras nao e o anonimo dissimulado (mas isso os administradores do blog poderao dizer ja que tem os IP's de quem comenta). Em segundo lugar, como dizia, de facto a discussao nao e esta, nem eu estava a discutir, estava simplesmente a expor que a argumentacao do comentador anonimo era, alem de pura ma-fe, porque os termos da discussao sao definidos pelo livro e pelo autor referido neste post e nao os termos imaginados pelo comentador anonimo, alem de ma-fe e estupido, porque nem matematica esta cambada de trolls sabe.
Mas aparecem aqui armados ao pingarelho. Ignorancia atrevida e arrogante. Nao ha pachorra, e nao tenho o minimo de tolerancia para essa corja.
Espero que o Pitagoras nao seja parte desse clube.

Pitágoras disse...

Lowie,

dá muito bem para perceber que não sou o anónimo que quer fugir à discussão do essencial.


Até porque contestei o facto de um triângulo ser uma linha poligonal fechada. Não é, é uma figura geométrica plana. Como tu confirmas em Inglês, embora não percebas puto.


Como dá para perceber muitas outras coisas relevantes a teu respeito, a partir do teu comentário, mas isso é matéria para outro tipo de "discussões"...

Lowlander disse...

Pita

"Até porque contestei o facto de um triângulo ser uma linha poligonal fechada. Não é, é uma figura geométrica plana."

Tem toda a razao. Erro crasso meu.
Fica-me de licao para o futuro.
Agradecido pela correccao.

Passando à frente disse...


Ok, Lowie. Os meus Parabéns pela tua corajosa resposta.

E aproveito também para me penintenciar por uma arreliadora "gralha", que macula o meu primeiro comentário.

Não vos querendo enfadar, só a corrijo porque nunca é demais repetir que "sem a DEMOCRACIA, nada mais tem virtude".

Parece que há muit@s por aí a esquecê-lo...

Abr.,

Pita.