domingo, 21 de agosto de 2011

Controlar e harmonizar


Os grandes grupos económicos privados são actores políticos decisivos e muito pouco escrutinados. Saúde-se, por isso, o trabalho do Público de hoje sobre os esforços fiscais dos grandes grupos económicos nacionais para fugir às suas responsabilidades – do uso de paraísos fiscais, ou seja, dos infernos ético-políticos, à criação de sociedades em países europeus com um sistema fiscal mais vantajoso para o capital. Ficámos a saber que os vinte maiores grupos nacionais, na boa lógica da responsabilidade social da empresa de que fazem gala, têm 74 sociedades com sedes no estrangeiro, fundamentalmente para efeitos fiscais. Esta economia imoral, ainda mais gritante porque muitos dos responsáveis político-empresariais, como Ricardo Salgado do BES, fazem constantes apelos “patrióticos” ao sacrifício, tem de ser colocado no seu devido contexto estrutural. É o que faz o jornalista João Ramos de Almeida:

“A ‘deslocalização fiscal’ acontece porque não existe uma harmonização fiscal na União Europeia. Aproveitando-se das diferentes legislações nacionais, os grupos económicos conseguem reduzir custos de actividade e, consequentemente, obter lucros maiores. Mas sobretudo pagam menos impostos do que pagariam em território nacional, embora isso lapide receitas fiscais nacionais e aumente a desigualdade na tributação dos diferentes tipos de rendimento.”

Olhem com atenção para o gráfico que encabeça este post e que regista a corrida para o fundo em matéria de taxação das empresas à escala internacional. Ir ao fundo deste problema é também lembrar a liberalização sem freios da circulação de capitais, que foi a grande vitória neoliberal com impactos estruturais nos anos oitenta e noventa e que não provocou apenas maior instabilidade instabilidade financeira e ineficiência, mas também criou as condições para uma maior pressão política a favor da redução da taxação sobre as empresas, uma verdadeira economia imoral da chantagem permanente associada à ideia da “concorrência fiscal”.

A UE foi parte desse processo, com a construção política de um mercado interno sem harmonização fiscal: por exemplo, o comissário europeu para a fiscalidade afirmava há uns anos atrás, numa esclarecedora entrevista, que, num contexto de livre circulação de capitais, “harmonizar as taxas de IRC é acabar com a concorrência fiscal” à escala da União Europeia (UE), responsável, na sua opinião, pela criação de “um melhor ambiente para os negócios”. Para negócios cada vez mais sórdidos, claro.

Reverter esse processo à escala europeia exige um impossível acordo entre os 27 ou então iniciativas soberanas unilaterais, desafiadoras dos tratados existentes, por parte de Estados, ou de grupos de Estados, com coragem política para superar este inferno europeu. No nosso país existem pelo menos nove milhões de razões por dia para reintroduzirmos controlos de capitais, tal como existiam até ao início da década de noventa.

4 comentários:

ASMO LUNDGREN disse...

Controlos de capitais?

Apenas levarão a depósitos fora dos bancos em território nacional

Impedem a saída dos capitais existentes é verdade, impedem também a entrada...

De resto retirar 100 ou 2000 notas de 500 é sempre possível

Além disso há muitas contas de emigrantes que o movimentam

nem todas as transferências para a Nova Zelândia são do Carlos Cruz

ASMO LUNDGREN disse...

De resto a saída de capitais deve ultrapassar em muito os nine ou 10 mil milhões

Diogo disse...

«iniciativas soberanas unilaterais, desafiadoras dos tratados existentes, por parte de Estados, ou de grupos de Estados, com coragem política para superar este inferno europeu»


E quem pensa o meu amigo que controla esses Estados?

Num artigo de Fernando Madrinha no Jornal Expresso (01-09-2007):

«Os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais.»


Não meu caro, uma máfia nunca se regenera por dentro. Só pode ser esmagada por fora.

ASMO LUNDGREN disse...

e há o problema da banca electrónica e das compras electrónicas de um chateau na florida

logo esta capacidade de movimentação de dinheiro...

cê num volta aos 90 não