sexta-feira, 17 de julho de 2009

O princípio do fim do Euro (I)

Em vez de anunciar o fim da crise vou fazer uma previsão polémica: o aprofundamento da actual crise com a entrada em cena de uma crise política europeia que irá juntar-se às crises financeira e económica.

aqui disse que a Alemanha desempenha um papel central no próximo futuro da Zona Euro. Também alertei (aqui) para a imperiosa necessidade de uma coligação de países da Zona Euro confrontar a Alemanha com as suas responsabilidades no que toca à sustentabilidade da nossa moeda comum.

De facto, uma ‘moeda única’ não é sustentável quando as grandes desigualdades de nível de desenvolvimento dos estados envolvidos não são contrabalançadas por uma política económica comum (ver aqui e aqui). Confirmando esta objecção de fundo, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) aguentou-se mal no passado recente e teve de ser flexibilizado. Agora, a recessão global em que estamos mergulhados está a criar as condições que vão precipitar o fim do próprio euro. Custa-me fazer esta afirmação, mas o meu europeísmo é um projecto político realista e não uma ideologia que transporta para fora da realidade. E a realidade a que não podemos fugir é que a Alemanha está a criar as condições perfeitas para acabar com o euro. Vejamos como.

Embora a nossa comunicação social não lhes tenha dado relevo, alguns sinais de mau presságio viram a luz do dia nas últimas semanas:

1) A crescente preocupação dos especuladores com a degradação da economia da Zona Euro, a solvabilidade de uma parte importante do seu sistema bancário e a sustentabilidade das finanças públicas de vários Estados (ver aqui) reflectiu-se já num episódio de fuga, em termos líquidos, das obrigações emitidas pela Alemanha. Como dizia um gestor de fundos (aqui), ao contrário do passado, “os investidores têm sérios receios relativamente à sua exposição na região.”

Por conseguinte, nos próximos meses a dívida pública alemã não só vai crescer mas também vai encarecer gerando um efeito bola de neve que levará a ortodoxia governante a cortar (mais) na despesa para reduzir o défice. O que provocará mais recessão, portanto menos receita e mais despesa pública, ou seja ainda mais défice em percentagem do PIB.

Tendo em conta que a bancarrota da Califórnia e outros estados vai agravar a crise nos EUA, é razoável admitir que nos próximos tempos a Alemanha não vai ter mercados para onde exportar. Por isso, na falta de mercado interno europeu, o seu horizonte é uma profunda recessão agravada pela política económica adoptada. Ao mesmo tempo, o eleitorado alemão não vê a esquerda como alternativa credível e cada vez mais volta as costas à Europa (ver aqui).

2) O parlamento alemão tomou uma decisão da maior relevância para o futuro da Zona Euro. Tornou os défices públicos inconstitucionais, salvo em circunstâncias excepcionais (ver aqui). A partir de 2016 os défices do governo federal superiores a 0,35% do PIB serão inconstitucionais e a partir de 2020 nenhum estado federado pode incorrer em défice. Isto significa, em primeiro lugar, que a Alemanha fixou na sua constituição (e sabemos o que isso significa no espírito germânico) uma política orçamental pró-cíclica tal como a descrevi no ponto anterior. Em segundo lugar, e apesar das consequências que a medida vai ter para o resto da UE tendo em conta o grau de integração já alcançado, a decisão da Alemanha foi unilateral. Agora, de nada serve clamar por um Fundo Europeu de Estabilização Financeira para acudir aos Estados em ruptura porque a Alemanha acaba de dizer, com esta decisão unilateral, que não vai assumir a sua quota-parte na garantia orçamental necessária à criação desse fundo. Um estado da União Europeia que se aproxime do incumprimento terá de pedir empréstimos ao FMI e não à sua “União”.

3) O tribunal constitucional alemão aprovou há dias o Tratado de Lisboa sob condições. Segundo Wolfgang Münchau (ver aqui), estas condições obrigam o parlamento alemão a uma estrita vigilância de toda a legislação proveniente das várias instâncias da UE para aferir da sua constitucionalidade. Uma das áreas consideradas críticas é a política orçamental que, segundo o tribunal, só pode ser exercida por um estado soberano. Para os juízes, a UE é uma entidade inter-governamental pelo que está fora de questão qualquer avanço federal no que toca à política orçamental, fiscalidade incluída. Ou seja, o processo de integração da UE não pode ir além do actual estádio. Ficamos com uma moeda única mas sem política económica (monetária, orçamental, cambial, comercial) para gerir o mercado único. Como diz Münchau a rematar o seu artigo, “no mínimo, quem está trancado numa união monetária com a Alemanha deveria estar muito preocupado.”

4 comentários:

zé carioca disse...

há muito tempo que não lia tanto disparate em tão poucas palavras.

CCz disse...

"Ficamos com uma moeda única mas sem política económica (monetária, orçamental, cambial, comercial) para gerir o mercado único."
.
IMHO uma política económica é secundária. Estar trancado numa união monetária com a Alemanha, com uma moeda forte, sem uma micro-economia real a comportar-se como alemã, a competir não pelo preço mas pelo valor acrescentado vai sempre dar estrilho.

Bruno Fehr disse...

A Alemanha não tem de sustentar a moeda comum, pois a moeda comum não é sustentada por nada a não ser divida. Não existem reservas em ouro de sustentar a moeda e não é um país sozinho que poderá sustentar as fogueiras de dinheiro que se fazem em Portugal e noutros países.

O Euro é sustentado pelo Euro. O que dá valor ao Euro imprimido é o Euro em circulação. Tendo em conta que o dinheiro é dívida basta que a divida continue a ser criada para que o dinheiro tenha valor. É correcto? Não, mas é o sistema que temos.

A crise actual deve-se ao facto de as pessoas não conseguirem pagar a dívida. mas isso é responsabilidade de quem? Da Alemanha? Não é responsabilidade de cada governo de cada país que não criam soluções de emprego para que a dívida seja paga.

Isto parece o típico pensamento de esquerda em que os ricos precisam de ajudar os pobres enquanto os pobres nada fazem, e como pobres refiro-me tanto a países como governos. Pobres nem que seja de espírito.

Anónimo disse...

Dizer que a crise se deve a que as pessoas não conseguem pagar a dívida é tão profundo e explicativo como dizer que está molhado porque choveu...