terça-feira, 7 de julho de 2009

Fatalismo e histeria: “A narrativa neoliberal sobre a globalização”



O manifesto dos 52 assinado por muitos dos membros deste blogue, e sobretudo o seu eco na imprensa, ou a falta (enviesada) dele, fundamentalmente no Público, já deram bastante debate, nomeadamente aqui, aqui e aqui.

Sobre este debate, e nomeadamente sobre o proselitismo neoliberal – conservador do Director do Público, entre outros, escreveu aqui, e muito bem na minha perspectiva, João Rodrigues sobre as visões alternadamente “fatalistas” e “histéricas” acerca da globalização (neoliberal).

Pareceu-me, por isso, pertinente respescar para aqui um texto que escrevi há allgum tempo, no Público (18/6/2007). Sem falsas modéstias, penso que dá uma boa perspectiva sobre “A narrativa neoliberal sobre a globalização” (o seu título original), bem como sobre os “fatalismos” e as “histerias” que lhes andam muitas vezes associadas:

“Terminou mais uma cimeira do G8, onde se reuniram os líderes das 8 maiores potências mundiais. Fora do recinto, reuniram-se cerca de 100 mil manifestantes que se batem contra a presente globalização e por formas de globalização alternativas.

Na versão actualizada de um livro (Globalism: Market Ideology Meets Terrorism) que, em 2003, recebeu um prémio da Associação Americana de Ciência Política, Manfred Steger faz uma distinção entre “Globalização” e “Globalismo”. A primeira refere-se aos processos sociais associados à intensificação da interdependência global dos vários países, economias, culturas, etc., e que têm sido descritos pelos estudiosos de diferentes formas. O “globalismo” refere-se à narrativa ideológica sobre a globalização que associa tais processos aos valores e conteúdos do neoliberalismo.

A narrativa neoliberal sobre a globalização assenta em seis grandes teses centrais, que o autor ilustra com abundante recolha de material empírico. Primeira tese: a globalização é sinónimo de liberalização e integração global dos mercados. Por exemplo, na Business Week (13/12/1999) argumentava-se assim: “Globalização é sobre o triunfo dos mercados sobre os governos. (…) A verdade é que o peso do Estado na economia tem declinado praticamente em todo o lado.” Por um lado, a narrativa neoliberal da globalização rejeita modos alternativos de regular a economia, o que pode ser concebido como uma certa deriva totalitária. Por outro lado, ao contrário do que sugere a metáfora da “mão invisível”, a liberalização mundial dos mercados tem dependido muito mais da engenharia política do que da acção espontânea das forças do mercado – recorde-se, nomeadamente, a aplicação do “consenso de Washington”. Além disso, tal visão escamoteia o carácter multi-dimensional (isto é, não apenas económico) da globalização.

Segundo, tal narrativa apresenta a globalização como “inevitável” e “irreversível”, dependente da integração mundial dos mercados e da evolução tecnológica (por exemplo, Thomas Friedmann, The Lexus and the Olive Tree, p. 407). Para quem passou décadas a criticar o marxismo pelo seu determinismo económico, como sempre fizeram (e bem!) os liberais, é preciso sublinhar que estamos perante uma visão claramente determinística da história. E que encerra uma total subversão da democracia: os governos, os partidos, os movimentos sociais, não têm outra escolha se não ajustar-se ao processo “inevitável” da globalização. Daqui decorrem as tentativas de neutralizar as forças alter-globalização, bem como os esforços para despolitizar o discurso sobre o fenómeno. Além disso, justificam-se assim as medidas de austeridade conduzidas pelos governos. Finalmente, tal tese envolve uma visão ocidentalocêntrica (tipo Fukuyama e o “fim da história”): as nações mais avançadas no processo da globalização neoliberal como que lideram a evolução da humanidade…

A terceira tese é a de que ninguém pilota a globalização (por exemplo, Thomas Friedmann, Idem, pp. 112-113): No one is in charge… Esta é, porém, uma ideia falsa: basta relembrar o papel das grandes potências, com os EUA e o Reino Unido à cabeça, bem como das organizações internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC, etc.) na implementação da globalização neoliberal. O programa neoliberal associado ao “consenso de Washington”, que foi elaborado por um conselheiro do FMI nos anos 1970, tem orientado muitos governantes do G8 e o FMI, nomeadamente quando esta organização exige a aplicação de tal programa como moeda de troca para a concessão de empréstimos aos países em dificuldades.

A quarta tese é a de que a globalização beneficia toda a gente. A expansão do comércio mundial será uma forma adequada de aumentar a riqueza e o bem-estar dos seres humanos à escala mundial. Terá até beneficiado bastantes pobres de países do Sul. Porém, os resultados da globalização tal qual tem vindo a ser conduzida estão à vista: taxas de crescimento do PIB inferiores às do período do capitalismo regulado (“30 anos gloriosos”); aumento das desigualdades à escala mundial, quer no seio dos países, quer entre países (Relatório da ONU no PÚBLICO, 15/1/06); face aos anos 1960, nas grandes potências mundiais, os “salários recebem (hoje) a menor parcela do PIB de sempre” (DN, 28/11/06). Ou seja, a globalização tem beneficiado sobretudo as grandes empresas transnacionais e o capital financeiro e bastante menos as populações, sobretudo as dos países mais desenvolvidos. Tanto assim é que o próprio FMI (PÚBLICO, 6/4/07) e certos especialistas (DN, 25/5/07) alertam para os riscos que o processo corre, a continuar nestes termos. Sarsfield Cabral (PÚBLICO, 21/5/07) alertava para uma possível “revolta da classe média” e recomendava “subsídios aos salários baixos”.

Associada às ideias sobre o fim da história, a quinta tese associa a globalização à difusão da democracia à escala mundial. Liberdade, mercados livres, comércio livre e democracia são apresentados na prática como sinónimos. A sexta tese, isto é, a globalização requer a “guerra ao terrorismo”, aponta para a necessidade de se pôr o complexo militar-industrial ao serviço da globalização. A realidade tem vindo a desmentir as teorias do fim da história e o tremendo fracasso da invasão do Iraque veio evidenciar que a democracia dificilmente se impõe com a força das armas.

É precisamente porque a globalização tem tido uma clara pilotagem política ao nível mundial que não posso concordar com Sarsfield Cabral (PÚBLICO, 11/6/07), quando este acusava os manifestantes alter-globalização de se terem dirigido a “alvos errados”. Mais, tendo em conta os maus resultados da globalização neoliberal, também me parece errado reduzir as correntes alter-globalização a mero “folclore”: porventura mais do que nunca, torna-se necessário inflectir a globalização tal como a temos conhecido.”

30 comentários:

Bruno Silva disse...

Pergunto:

1º Apoiava Adam Smith a leviandade em relação a activos financeiros promíscuos? Ou mesmo, Milton Friedman?

2º A ganância, o crime económico e a exploração são predicados do Neo-Liberalismo? Seriam eles anulados da condição humana em qualquer outro sistema?

3º Foi o mundo alguma vez Neo-Liberal ou algo parecido para lhe atirarmos com as culpas de todos os males?

4º Se Adam Smith já dizia "Ao estado aquilo que não pode ser deixado ao interesse privado", e sendo o Neo-Liberalismo uma vertente mais "pró-estado" do Liberalismo Clássico porque tentam, demagogicamente, dizer que é a favor da desregularão total dos mercados?

5º Não pode um Neo-Liberal ser a favor de um estado regulador (tirando a regulação de preços e quantidades), estratega, solidário e eficaz nas suas funções basilares?

6º Não deverá o indivíduo livre ter a possibilidade de comprar/vender produtos ou serviços a quem bem entender e pelos valores que entender, desde que cumprindo a legalidade e o civismo?

Anónimo disse...

O Bruno Silva coloca um problema em que já tenho pensado e que se nota paticularmente no ponto 3º do seu comentário:
O Neo-Liberalismo existe ou alguma vez existiu? Muitos Neo-Liberais ferrenhos dizem que nunca o viram nem a nível internacional nem em qualquer dos Estados que acusamos de políticas Neo-Liberais.
Acho que precisamos de conseguir responder a esta questão para não termos que aturar Joões Mirandas para quem a natureza das sociedades humanas seria óptima se todas fossem "sem rei nem roque"

Stran disse...

Bruno,

Não sendo as perguntas dirigidas a mim, responderei à mesma (espero que não leves a mal):

1º Não tenho conhecimentos profundos sobre os dois, mas quanto ao Adam, julgo que "abusam" como muitas vezes se abusa de Marx. Julgo que lê-los (Adam e Marx) sem a respectiva contextualização histórica resulta sempre num erro.

2º Quanto ao crime económico, nenhum neo-liberal defenderia, no entanto o modelo que criaram facilmente se deduz que esse tipo de crime fica muito facilitado. Quanto à "exploração" essa palavra não existe no léxico neo-liberal, mas é substituido pela expressão "gestão eficiente dos recurso" (por exemplo). Quanto à ganância, esta é a força motriz dos neo-liberais, portanto neste caso é mesmo um predicado do neoliberalismo. Quanto a outros sistemas, alguns previnem que determinadas situações acontecem (como esta crise), no entanto existe normalmente um trade off.

3º O mundo não (é demasiado grande e diverso), mas os USA praticaram politicas baseadas, ou fundamentadas nesse conceito, assim como algumas organizações internacionais guiaram-se por convicções neoliberais. Mas não se trata de "atirar as culpas de todos os males", mas responsabilizar quem teve actitudes que nos lesaram a todos.

4º Antes demais existem actualmente correntes novas no liberalismo que são mais pró estado, mas não confundir com "neoliberalismo". Esse acenta fudamentalmente nesse pressuposto de desregulação de mercado. Portanto não se trata de demagogia nenhuma.

5º Antes demais é preciso saber quais são "funções basilares", pois para o neoliberal é a justiça e a defesa (e já não na sua totalidade). Quanto à resposta esta é um enorme NÃO. Além de que eficaz é a antitese da maneira como o Neoliberal vê o Estado

6º Fica para depois ;)

Bruno Silva disse...

Caro Stran,

Como você próprio admite (Ao não conhecer a obra de Adam Smith e possivelmente de Milton Friedman, entre ouros)não sabe do que a verdadeira teoria Neo-Liberal trata.. Estamos a falar de pensadores académicos, não confunda as coisas.. Acho muita piada ao facto de as pessoas confundirem o termo "Investidores" com o termo "Neo-Liberais". Em resumo, o Neo-Liberalismo favorece o Investimento, por consequência o investidor, mas segundo o pressuposto de que é o investimento o melhor amigo do trabalhador e do consumidor. Claro que deve haver regras para o Investimento (Deve ser em produtos legais, segundo normas ambientais, de ordenamento do território, etc..). Como é obvio, no curto prazo e em mercados emergentes os investidores ganham bastante dinheiro (fruto da escassez do capital e abundância da mão-de-obra, ou seja, segundo as leis do mercado, LEGITIMAMENTE), mas é esse o facto que chama mais e mais investidores que, através da concorrência, reduzem as TAXAS de lucro a níveis normais para o risco associado e competem por mão-de-obra, aumentando, de forma natural, o valor da mesma (por valor da mão-de-obra entenda-se do Serviço não das pessoas) e consequentemente a sua remuneração (os dados comprovam).
Ninguém defende a ganância, defendem a ambição, o que é MUITO diferente, porque na primeira não se olha a meios e passa-se por cima dos outros, o segundo já envolve civismo e, por que não, solidariedade.
A ganância está para a direita como a inveja está para a esquerda!

Stran disse...

Caro Bruno,

Julgo que realmente a confusão é muita. Antes demais o Adam Smith pode ter sido muita coisa mas neoliberal não o foi de certeza (julgo que o próprio nome é justificação para explicar isso). Depois não confundir neoliberalismo com teoria económica neoclássica. Numa estamos a falar de teoria economica noutra estamos a falar de teoria (ou no caso de prática) politica.

"Acho muita piada ao facto de as pessoas confundirem o termo "Investidores" com o termo "Neo-Liberais""

E quem é que aqui confundiu isso?

"Claro que deve haver regras para o Investimento (Deve ser em produtos legais, segundo normas ambientais, de ordenamento do território, etc..)."

Basicamente a ideia por detrás desta ideologia é que o mercado é o melhor regulador, ou seja criam-se mercados e não normas. O ordenamento éfeito através de mercado e não de normas, etc...

"Como é obvio, no curto prazo e em mercados emergentes os investidores ganham bastante dinheiro (fruto da escassez do capital e abundância da mão-de-obra, ou seja, segundo as leis do mercado, LEGITIMAMENTE), mas é esse o facto que chama mais e mais investidores que, através da concorrência, reduzem as TAXAS de lucro a níveis normais para o risco associado e competem por mão-de-obra, aumentando, de forma natural, o valor da mesma (por valor da mão-de-obra entenda-se do Serviço não das pessoas) e consequentemente a sua remuneração (os dados comprovam)."

À quantos anos Portugal é um país emergente? É que ainda estou à espera dessa segunda etapa, aliás eu e muitas pessoas deste planeta.

"Ninguém defende a ganância, defendem a ambição, o que é MUITO diferente, porque na primeira não se olha a meios e passa-se por cima dos outros, o segundo já envolve civismo e, por que não, solidariedade."

Desculpa mas eu só posso interpretar isto como uma piada. Civismo? civismo aponta para moral e os neo-liberais gostam de defender a amoralidade. Desculpe mas em todas as discussões que tive com pessoas que defendiam neoliberalismo nunca nenhum defendeu civismo, aliás muitas vezes fui classificado de "esquerdalha" apenas por defender algumas coisas que você
defendeu agora.

Que por causa desta crise o "neoliberalismo" tenha evoluido e incorporado conceitos que renegava anteriormente tudo bem, mas desconfio muito quando isso é feito através do branqueamento do seu passado.

Já agora a resposta à 6ª pergunta:

Isso foi sempre o que a maioria da esquerda defendeu nos ultimos anos. O neoliberalismo é que defendia que o civismo não deveria ser tido em conta.

Caro anonimo,

Respondendo também à sua pergunta:

"O Neo-Liberalismo existe ou alguma vez existiu?"

Existiu, existe e desconfio que existirá no futuro também. Os seus defendores mais acérrimos estão apenas transvestidos de "cordeiros".

Ricardo Castro disse...

A análise da realidade de um sistema sócio-económico não pode ser vista pelos seus extremos teóricos. Mas pela tendência das decisões tomadas pelo poder.

Creio que nunca foi implementado um comunismo nem um socialismo na sua forma pura, da mesma forma que também não existe um neoliberalismo puro. Não existe um sistema "acabado".

Por “puro” quero dizer a forma como os seus membros mais radicais a teorizaram.

Destes modelos politicos um defende a via da estatização de todas as relações sociais, o outro defende o caminho exactamente oposto. No limite o comunismo e o neo-liberalismo são duas vias para chegar a um mesmo estado do sistema político: a anarquia.

E nós estamos num mundo que é, nesse ponto de vista, tendencialmente neo-liberal. A lógica que lhe é imanente domina e impôe-se à visões alternativas. Embora não vivamos num mundo absolutamente neo-liberal, até porque a realidade é muito diferente de país para país, recentemente essa lógica política implementou-se na realidade de tal forma que é lícito afirmar que as relações sociais, económicas e políticas são por ela dominadas.

Podemos usar a química como modelo para compreender aquilo que quero dizer. Tal como na química, afirmar que um sistema não está em equilibrio é dizer que a velocidade de certas reações é maior do que as suas inversas. Mas existem simultaneamente reações em todo os sentidos. Também nas relações sociais afirmar que um sistema de ideias (uma lógica) domina não significa que todos os raciocínios produzidos pelos seus agentes (cidadãos, políticos, etc) estejam absolutamente ajustados à lógica dominante. É uma questão de taxas. Na nossa sociedade são produzidas mais decisões de acordo com a lógica do neo-liberalismo do que as suas alternativas.

E arrisco afirmar que vivemos num sistema neo-liberal porque a lógica que se instalou no poder assenta em dois imperativos: “cada vez menos intervenção do estado na economia” e “cada vez mais sectores são encarados como domínios económicos”.

Em resumo, a realidade não é um sistema neo-liberal puro, absoluto, teorizado. O que faz este sistema um sistema neo-liberal é a lógica que está no poder.

Bruno Silva disse...

E as confusões continuam...
você está a confundir Neo-Liberalismo com Anarco-Capitalismo. Eu sei que para si é, de longe, muito mais fácil ganhar o debate tentando passar a ideia de que os Neo-Liberais são uma escumalha "Gananciosa", "Imoral", "Exploradores disfarçados".. enfim.. o pior mal do mundo.. mas não vá por aí.. é jogo "baixo".
Vamos pegar no caso Português então.. O que aconteceu com o crescimento económico? O Estado foi crescendo e crescendo, aumentando os impostos, construindo puras INEFICIÊNCIAS, os sindicatos foram exercendo o seu poder (à imagem de carteis) até chegarmos a uma lei laboral estupidamente blindada para os trabalhadores por conta doutrem e vitalícia para os funcionários públicos. As empresas são afogadas em impostos, você tem noção de quanto paga uma empresa para a Segurança Social? Um trabalhador que ganhe o salário mínimo custa à empresa mensalmente cerca de 750€, só para ter uma ideia do inflacionamento dos custos.
Resultado: Estagnação económica, níveis ridículos de formação contínua (falsa sensação do emprego para a vida), níveis brutais de endividamento (falsa sensação de emprego para vida), os melhores alunos foram-se todos formar em áreas cujo o crescimento é patrocinado pelo estado (Saúde, justiça e educação) e hoje vão todos para o desemprego e não há engenheiros a criar bens transaccionáveis de maior valor acrescentado... enfim.. o que faz um estado despesista e excessivamente socialista...

Stran disse...

Bruno,

Antes demais julgo que o comentário do Ricardo Castro está excepcionalmente claro quanto ao que pretendia dizer.

E, a bem da discussão, julgo que não deverá colocar "palavras na minha boca" ou dar intenções que claramente não coloquei nos meus comentários:

"...os Neo-Liberais são uma escumalha "Gananciosa", "Imoral", "Exploradores disfarçados"..

1 - nunca apelidei neo-liberais de escumalha, nem sequer dei implicitamente essa noção;

2 - nunca falei em "imoral", o que referi foi "amoral" o que é profundamente diferente. Espero que entenda a diferença, se não entender no próximo comentário poderei esclarece-lo;

3 - Não são os "neoliberais" que são "Exploradores disfarçados", mas sim o enquadramento sociológico que defendem que permite que exista uma efectiva exploração. Onde julgo que falham é que eles julgam que o mercado resolve esses problemas, quando a realidade aponta que não.

"enfim.. o pior mal do mundo.."

Não, não é nada disso, apenas sublinhei a responsabilidade que tiveram na situação actual.

"você está a confundir Neo-Liberalismo com Anarco-Capitalismo."

Lamento mas não estou nada a confundir, se tivesse a confundir nunca tinha escrito o seguinte:

"Antes demais é preciso saber quais são "funções basilares", pois para o neoliberal é a justiça e a defesa (e já não na sua totalidade)."

Agora quanto ao exemplo de Portugal:

"...até chegarmos a uma lei laboral estupidamente blindada para os trabalhadores por conta doutrem..."

Posso não entender muito de teorias economicas, mas conheço minimamente a lei laboral e o que diz não corresponde à verdade. Por acaso os meus dois ultimos posts (mais o penultimo) no meu blogue é sobre isso (http://blogdotuga.blogspot.com) e lanço-lhe o mesmo desafio: prove-me que o que afirma é verdade.
Essa afirmação deve derivar do seu desconhecimento da lei.

"As empresas são afogadas em impostos, você tem noção de quanto paga uma empresa para a Segurança Social?"

??? Posso lhe dizer que paga 23,75%. E que se for inteligente financeiramente poderá pagar bem menos. Afogadas em impostos? Raios, isso não é mesmo verdade.

"Um trabalhador que ganhe o salário mínimo custa à empresa mensalmente cerca de 750€, só para ter uma ideia do inflacionamento dos custos."

Por acaso e para ser mais concreto o custo mensualizado (isto é a 12 meses) é de 734,39 Eur (e já inclui subsidio de alimentação de 4,20 Eur) e não julgo que seja um valor muito elevado. Aliás é bem baixo. Partindo do pressuposto que tem uma margem de 10% sem mão de obra significa que tem de ter uma facturação mensal de 7.343,90 o que não é nada de especial. Se tiver um restaurante de fast food significa que tem de vender 41 refeições por dia (valor médio da refeição de 6 eur). E se em média tiver a capacidade de servir um cliente em 5 minutos, basta-lhe 3 horas e meia por dia para pagar essa pessoa.

E você tem a noção do que é viver com o salário minimo nacional?

"e não há engenheiros a criar bens transaccionáveis de maior valor acrescentado..."

Bem eu diria que o mal deste país é precisamente ter engenheiros a mais. Mas isso é já uma discussão alternativa e bastante longa.

Ricardo Castro disse...

Para o meu argumento ser mais claro gostaria de apontar certos exemplos concretos.

1 - É comum ouvir-se a seguinte afirmação: "o cliente tem sempre razão". Embora não seja um imperativo seguido na sua forma absoluta é uma frase que nos diz algo sobre a nossa mentalidade: Porque esta frase defende que uma venda é mais importante do que uma exigência ética e social. A venda deve ser feita sob o espectro da degradação das relações sociais e da integridade dos empregados/empregadores.

Por exemplo, acontece com alguma frequência no comércio um cliente ser mal-educado, intolerante e/ou xenófobo. Esta frase sugere que o importante neste caso é tentar resolver a situação sem com isso ter consequências nas vendas. Sem censurar o cliente. E vejo isso acontecer com frequência. Será esta máxima a forma mais certa para regular os nosso negócios?

2- Vi a última audicão do Governador de Portugal na comissão parlamentar de inquérito. E, independentemente da discussão, importante, do métiro ou demérito do governador, a sua argumentação é nitidamente "filha" de um certo contexto lógico. O governador demonstrou que a politica do regulador estava centrada na pedagogia e persuasão e contestou a hipótese de agir alternativamente, de interceder junto dos bancos com medidas mais drásticas. O comportamento do governador-regulador está de acordo com a ideia do estado deixar os agentes económicos em paz.

3 - A forma como hoje se faz jornalismo é também demonstrativa do que é a crescente industrialização dos diversos sectores sociais. Os ditos critérios jornalísticos são cada vez mais critérios da indústria dos media. Existem decisões que são explicitamente decisões empresariais: a publicitação exclusiva das telenovelas produzidas pela empresas nos seus próprios noticiários. Se o critério fosse jornalístico o início de uma telenovela ou não era noticiada ou era em todas as cadeias televisivas. Também a gestão de conteúdos noticiosos centrada nas audiências é a demontração de que a informação que nos é dada depende do consumidor, diminuido todo o restanto espaço de cidadania.

4 - Um dos argumentos mais usados para a necessidade de fazer uma reforma na Justiça é o prejuizo que o seu estado actual acarreta para a economia. O debate da Justiça é aqui também orientada por motivos económicos.

5 - O debate sobre a regulação do mercado laboral também é vista por certos sectores exclusivamente pela perspectiva económica. É um erro a váriós níveis: por um lado o trabalho tem uma função social de manutenção da integridade moral e psicológica do cidadão. E os custos do desemprego não são mensuráveis apenas pelas contas directas feitas pelos economistas.

O trabalho é também uma forma de preservar um valor fundamental em democracia: a escolha. Só com trabalho é possível ter liberdade.

Finalmente, o trabalho é hoje uma questão global. Parte da desvalorização de certo tipo de emprego, de baixa nível de competências, deve-se à entrada de milhões de trabalhadores sem qualquer protecção. Penso que é praticamente unânime na nossa sociedade que esse também não é o caminho certo. Mas essa questão só pode ser resolvida nos fóruns internacionais. O trabalho também é um assunto de direitos humanos.

O problema não pode ser resolvido, apenas, no âmbito nacional. Caso se procure essa via, e esse tem sido o caso, não existirão limites para a redução dos salários, direitos sociais, impostos sobre o trabalho, etc.

As consequências?!... Assim continuemos e será o próprio modelo político - a democracia - que pode ser posta em causa.

Miguel Rocha disse...

Meus amigos,

Quando 1% da população mundial detém 40% da riqueza mundial e 50% vivem com menos de 2 dólares por dia...

...algo está muito errado...

Acerca do suposto civismo e solidariedade, esta está bem evidente, por exemplo, na forma como os hipermercados da Sonae recebem a pronto e pagam, se for preciso, a 300 e tal dias...(com algumas falências pelo meio)...

O Estado carrega nos impostos por um simples motivo...os "engenheiros" nacionais estão demasiado ocupados em investir em offshores do que em contribuir para a causa nacional...

Se gostam de perspectivas diferentes escrevam no google "Zeitgeist" e entrem no link...pode não ser real..mas lá que faz sentido...depois digam qualquer coisa.

Saudações

Bruno disse...

Eu poderia fazer um comentário específico aos pontos que ambos focam, mas o tempo é escasso.
Friso apenas este excerto "deve-se à entrada de milhões de trabalhadores sem qualquer protecção", acho muita piada ao pessoal de esquerda que se acha o protector dos pobres e indefesos... E antes da abertura aos mercado? que protecção tinham? a enxada que usavam pa cavar a terra e comer uma malga de arroz por dia? Não foram as empresas oferecer condições melhores? Não estão as empresas, em competição, a oferecer condições cada vez melhores? Acham que poderiam artificialmente passar em poucos anos o rendimento das pessoas de uma malga para arroz para um ordenado mínimo de 300 ou 400€ sem consequências para o desenvolvimento económico??
Se o excesso de barbeiros prejudica os barbeiros, se o excesso de leiteiros prejudica os leiteiros, se o excesso de talhante prejudica o talhante, porque é que é um "Flagelo" que o excesso de mão-de-obra não qualificada prejudique a ela mesma? Em vez de congeminar contra os empregadores não seria mais produtivo motivar/exigir aos jovens que hoje em dia têm um sistema de educação que os mais velhos não tiveram, que o aproveitem e em vez de entupirem o já entupido mercado de mão dobra indiferenciada se formem em áreas que atraem investimento estrangeiro de maior valor acrescentado?

Segundo, vamos por de parte os vossos argumento românticos e vamos olhar para a realidade, se é assim tão vantajoso ser-se patrão em Portugal, se o regime fiscal é assim tão atractivo que há ainda espaço para o estado ir buscar ainda mais impostos para patrocinar os vossos tão amados investimentos públicos, se afinal, segundo o Stran temos excesso de engenheiros, ENTÃO PORQUE RAIO É QUE O INVESTIMENTO EM PORTUGAL TEM CAÍDO TANTO???

Terceiro, se o problema do salário mínimo ser muito baixo é tão facilmente resolvido com leis porque não aumenta-lo já para os 800€ ou 1000€.. é assim que se resolve as coisas??

Stran disse...

Bruno,

vou tentar então responder a algumas das suas novas questões:

"Não estão as empresas, em competição, a oferecer condições cada vez melhores?"

Bem já se fala em aumentar o horário de trabalho. É isso que significa para si "oferecer condições cada vez melhores"?

"Em vez de congeminar contra os empregadores não seria mais produtivo motivar/exigir aos jovens que hoje em dia têm um sistema de educação que os mais velhos não tiveram, que o aproveitem e em vez de entupirem o já entupido mercado de mão dobra indiferenciada se formem em áreas que atraem investimento estrangeiro de maior valor acrescentado?"
´
Isso à muito que foi feito. Não é à toa que o Pinho disse o que disse na China ou que temos um tão elevado numero de licenciados à procura de emprego. Original era "motivar/exigir" os empregadores para eles aumentarem o seu próprio know how para poderem competir no mercado externo, ou para aprender a lei laboral, sei lá...

"...vamos por de parte os vossos argumento românticos e vamos olhar para a realidade..."

Julgo que os meus argumentos eram bastantes reais e factualmente exactos. Mas olhemos para a SUA realidade:

"...se é assim tão vantajoso ser-se patrão em Portugal..."

Não o disse que o era, no entanto em média é mais vantajoso (e a cada dia que passa fica mais) ser-se empresário que trabalhador assalariado.

"...se o regime fiscal é assim tão atractivo..."

Uma vez mais ninguém disse que o era. Esta na média, menor que alguns países (como os escandinavos) piores que outros.

"...que há ainda espaço para o estado ir buscar ainda mais impostos..."

Bem agora parece que entrei na twilight zone! Poder-me-á transcrever onde eu defendi isso?

"...para patrocinar os vossos tão amados investimentos públicos..."

Julgo que a ideia não é aumentar impostos para efectuar os investimentos publicos, mas eu não assinei o manifesto por isso deixo essa explicação aqui aos autores do blogue.

"...se afinal, segundo o Stran temos excesso de engenheiros..."

Mea culpa que me expliquei mal. O excesso de engº está nos que desempenham cargos de gestão e alguns cargos politicos. Aí claramente temos um elevado número de engº's. Se os engenheiros fizessem principalmente aquilo para que estão talhados (cargos de engenharia) e deixassem de ocupar os cargos de gestão para os quais, salvo raras excepções, não estão talhados, provavelmente teriamo-nos desenvolvido muito mais...

"...ENTÃO PORQUE RAIO É QUE O INVESTIMENTO EM PORTUGAL TEM CAÍDO TANTO???"

Julgo que não foi só em Portugal que caiu. Mas já agora tem os dados nos quais se baseou para colocar esta pergunta?

"Terceiro, se o problema do salário mínimo ser muito baixo é tão facilmente resolvido com leis porque não aumenta-lo já para os 800€ ou 1000€.. é assim que se resolve as coisas??"

Eu cá por mim bastava-me um rácio entre maior e menor salário dentro de uma empresa, sei lá umas 100 vezes era o suficiente para começar. O que é que acha?

Ricardo Castro disse...

Bruno,

existe um equívoco na tua análise: eu não sou de esquerda. Nem de direita. Nem todos têm de pertencer a essa divisão, que me parece cada vez mais redutora. Mas concordo com uns e outros em várias questões.

É melhor discutir com pessoas pelo que elas dizem, em vez de discutir com pessoas como se elas fossem domínios políticos.

Mas talvez tenha explicado mal o meu raciocínio. Até porque estava mal enquadrado. O problema da entrada de milhões de novos trabalhadores na economia global não é um tema sobre os valores e lógica da filosofia neo-liberal, é uma consequência do seu próprio êxito.

É evidente que é bom ter um trabalho, e muitas dessas pessoas foram beneficiadas por isso. Defendi os efeitos positivos do trabalho no meu comentário.

Mas o desenvolvimento social não é apenas a melhoria das condições materias, essa condição é acompanhada pela expansão das espectativas.

De qualquer forma um progresso nas condições de vida desses povos, a haver progresso, que me parece que existiu ao nível material, não significa que as condições sejam suficientes. Nem sequer acredito que essa seja a tua opinião.

Mas a questão que pretendi levantar neste ponto específico é outra. A entrada de novos trabalhadores com baixos salários e pouca protecção está a pressionar de tal forma o modelo social do mundo ocidental que pode pôr em perigo o nosso modo de vida. E o debate interno está demasiado centrado na discussão nacional. Uns falam da redução dos impostos, redução dos salários, redução da protecção social para manter o seu lucro. Os outros consideram isso um ataque aos direitos adquiridos e vêm nisso um ataque neo-liberal dos "patrões" contra "trabalhadores". Ambos têm razão, as empresas não vivem num mundo competitivo sem lucros e a sociedade não aceitará nunca uma redução das condições de trabalho ao ponto de a equiparar ao século XIX.

O problema está mal centrado. E essa conflitualidade não tem gerado soluções bem sucedidas. Porque a resolução fundamental não passa pela questão nacional. Essa pressão manter-se-á caso a assimetria se mantenha. Se a questão não adquirir maior importância nos fórums internacionais o problema manter-se e pode criar uma elevada conflitualidade na europa e um empobrecimento radical progressivo.

Isto é o que eu acredito, intuitivamente. Está aberto a discussão, evidentemente.

Bruno Silva disse...

Meus caros,

Todos nós queremos o mesmo. Uma melhor sociedade e a diminuição da pobreza. Temos porém visões distintas das metodologias de o fazer e do limite das mesmas.

Penso ser consensual que a sociedade deverá ter valores solidarios, que haja um processo redistributivo que de certa forma corrija no Plano Social, a discrepância de rendimentos que decorra eventualmente no Plano do Mercado. Mas deve haver limites, porque pergunto: Quando um individuo enriquece (honestamente) é porque fornece um produto/serviço o qual a sociedade valoriza economicamente("paga"), logo, até que ponto é que a sociedade tem a legitimidade de depois reaver gratuitamente esse mesmo valor? Até que ponto é que ponto é "solidariedade", exigida em conta peso e medida a TODOS, e a partir de quando passa a ser "extorção encapotada e legal" ao individuo? E, deixando agora o círculo do índividuo, até que ponto essa política (com grandes benefícios sociais de curto prazo) não vai prejudicar o médio e longo prazo da sociedade geral pela fuga de capital, cérebros e a desmotivação à criação de riqueza que promove?? Têm sido os ganhos maiores do que os proveitos? Têm as classes mais desfavorecidas aplicado o dinheiro que deixam de pagar ao Estado de forma construtiva (na educação e na formação) ou vai para telemóveis, LCD's, carros, férias, enquanto os filhos continuam com a cárie para qual eles já não têm dinheiro?? Eu não estou a declarar uma guerra contra a redistribuição, nem a culpar os mais desfavorecidos, mas onde está o bom senso? onde está o civismo? Não deveria ser o estado o primeiro "responsabilizador" do povo e não, demagocicamente, o primeiro "desresponsabilizador" culpando "o patronato", a "crise mundial", "o neoliberalismo" e até, imagine-se, assumindo por vezes a culpa de tudo?

Podemos ter uma visão muito romântica do trabalho, mas poderá ser o trabalho outra coisa que não a sua essência? Ou sendo outra coisa mais, poderá deixar de ser a sua essência? E, na sua essência, numa economia de mercado (Onde o mercado é uma plataforma de troca de bens e serviços, para não termos de produzir individualmente tudo o que queremos consumir), a sua essência é de ser um SERVIÇO, e como todos os bens, e como todos os serviços, está exposto à mais fundamental das leis económicas, a Lei da Procura vs. Oferta, e as suas infinitas divisões, sub-divisões e interligações entre mercado mundial, mercados nacionais, sectores, sub-sectores, segmentos, nichos....

Não percam objectividade, numa economia de mercado (com todas as suas virtudes e defeitos, como tudo no mundo terreno), o trabalho é, essencialmente um serviço e a sua valorização é dada como tal, por isso é que quando hipocrates criou a primeira Universidade de Medicina na ilha greaga de Cós, e esta ficou lotada de médicos e aspirantes a tal, a população tinha serviços médicos a preços incrivelmente baixos, assim como acontece agora com os enfermeiros, advogados, professores, etc.. e, porque o investimento em Portugal é reduzido, sobretudo em indústria produtiva, reduzindo a procura por mão-de-obra, também o é da mão-de-obra pouco qualificada. Esta é a realidade, esta é a visão pragmática da realidade. Ou agímos segundo estes pressupostos (e atíngimos, a médio e longo prazo, os objectivos sociais que desejámos) ou se continuamos a agir segundo a lógica do que é romântico (protecção ao emprego, aumento de salários, redistribuição a todo o custo) a atractividade do serviço dos trabalhadores portugueses cai, assim como o número dos seus "clientes".

Bruno Silva disse...

(Continuação)

Se não queremos ser atractivos pela vertente do preço, só nos resta uma alternativa, sê-lo pelas vertentes da qualidade e da diferênciação, e isto exige a participação de todos, sobretudo do somatório das participações individuais de cada um. Direitos, direitos meus amigos, até um animal tem! O que valoriza o ser-humano são as responsabilidades!!

Exportação é urgente! Sem divisas nenhuma economia sobrevive, e o furo que temos de baixo do nosso balde tem uma corrente superior a que entra por cima (e as torneiras da Europa e dos imigrantes vão-se fechando aos poucos), ou assumimos todos esse compromisso, e isso exige ESFORÇO, não apenas lançar leis que mandem subir as coisas ou que proíbam outras, ou estamos mal!

Quem põe o romântismo da política social à frente do crescimento económico, acaba com uma soma inferior de ambos! Só com uma efectiva criação de riqueza é que poderemos investir nas coisas importantes para a sociedade mas não necessárimente importantes para o mercado!

Se o caro Stran quer por a responsabilidade da mudança apenas nos patrões, os méritos da mudança deverão ser apenas dos patrões, sobrando para os restantes apenas as externalidades. Agora se defender que a responsabilidade (e a acção) é de todos… aí o resultado cairá para todos…

Bruno Silva disse...

*emigrantes

Stran disse...

"Se o caro Stran quer por a responsabilidade da mudança apenas nos patrões, os méritos da mudança deverão ser apenas dos patrões, sobrando para os restantes apenas as externalidades. Agora se defender que a responsabilidade (e a acção) é de todos… aí o resultado cairá para todos…"

Começando pelo fim.

Julgo que é importante, se calhar, esclarecer um pouco mais sobre a minha posição:

- eu não defendo, não defendi, nem defenderei que a culpa é SÓ dos "patrões". A primeira justificação é porque eu não sigo a dictonomia patrões-trabalhadores. Aliás julgo que vai ser um desenvolvimento quando desaparecer a palavra "patrão" do nosso léxico pois ela encerra em si uma realidade ficiticia (a de dono de empresa "dono de estado") e que é penalizadora. No contexto empresarial eu vejo detentores de capital (vulgo empresários ou accionistas), gestores e colaboradores. Agora obviamente julgo que a maior fatia da responsabilidade recai sobre os detentores de capital e gestores de topo, pois durante anos a fio ouvimos que a justificação para a discrepância de rendimentos era essa mesma: a de maior responsabilidade! Julgo um pouco "cobarde" que agora que chega a altura do accountability se venha diluir a responsabilidade por todos de uma forma diametralmente oposta à diluição do rendimento.

2 - Honestamente fiquei sem entender se era contra ou a favor do papel redistributivo do Estado. Eu sou a favor, mas espero que um dia não seja necessário. Até que seja serei sempre a favor.

3 - Também julgo que as exportações são essenciais para Portugal poder aspirar a viver uma vida condigna. Como não temos riquezas naturais não nos resta outra alternativa. No entanto gostaria de saber o que classifica de sector produtivo?

4 - Concordo com a questão de apostarmos em sectores de valor acrescentado (aliás solução também para a Europa) em contrapartida de preços. Infelizmente é uma aposta que tarda em aparecer.

5 - Não vejo a questão como politica social vs crescimento económico. São para mim temas diferentes embora conexos.

6 - Eu centro a minha analise da sociedade no ser humano e não nos trabalhadores ou no hommo economicus, nesse campo vejo o trabalho como um dos vectores da vida do ser humano, mas não a unica.

Posto isto vou tentar responder a algumas das suas questões:

"Quando um individuo enriquece (honestamente) é porque fornece um produto/serviço o qual a sociedade valoriza economicamente("paga"), logo, até que ponto é que a sociedade tem a legitimidade de depois reaver gratuitamente esse mesmo valor?"

Quando a forma desse enriquecimento não traduz uma correcta distruição de rendimento.

"Até que ponto é que ponto é "solidariedade", exigida em conta peso e medida a TODOS, e a partir de quando passa a ser "extorção encapotada e legal" ao individuo?"

Quando deixa de ser fundamentada.

"...até que ponto essa política (com grandes benefícios sociais de curto prazo) não vai prejudicar o médio e longo prazo da sociedade geral pela fuga de capital, cérebros e a desmotivação à criação de riqueza que promove??"

Como qualquer politica se for bem aplicada não implica essa desmotivação ou fuga de capital.

"Têm sido os ganhos maiores do que os proveitos?"

Presumo que quer dizer os ganhos maiores que os custos. A minha resposta é: até hoje sim.

"Têm as classes mais desfavorecidas aplicado o dinheiro que deixam de pagar ao Estado de forma construtiva (na educação e na formação) ou vai para telemóveis, LCD's, carros, férias, enquanto os filhos continuam com a cárie para qual eles já não têm dinheiro??"

As pessoas não têm direito de escolher onde aplicam o seu dinheiro?

Ricardo Castro disse...

Bruno,

Será que em política a melhor forma de lidar com os problemas é colocar as questões entre realidade ou romantismo? Ou entre mercado ou estado? Ou entre desenvolvimento social ou desenvolvimento económico.

Não será essa forma de colocar as questões uma das grandes causas do nosso atraso económico? Eu acho que sim.

1º "Ver” a realidade não resolve os problemas. As soluções surgem da criatividade, que de alguma forma estão assentes no espírito romântico de quem as propôe.
Evidentemente que nem todo o romantismo é realizável, mas quem define a bondade das propostas é a realidade e isso pressupôe experimentar.

2º O mercado tem muitas falhas, o estado tende a ser opressivo. Se estas afirmações não são verdadeiras, são pelo menos exemplos de situações frequentes. Uma boa política tem de oferecer alternativas que suprimam as falhas do mercado e que mantenham a capacidade criativa da sociedade. E ambos devem cooperar.

Mas centremo-nos num país pequeno. Alguns mercados são muito pequenos com um número reduzidos de operadores. Não é isso um defeito estrutural do funcionamento dos nossos mercados? E isso não pode ser suficiente para reduzir a eficácia do mercado.

Vejamos o exemplo das flutuações do preço do petróleo, a demora na redução dos preços não é um empecilho para o nosso desenvolvimento económico? Quem pode resolver essa situação?

Existem sectores que ainda não são rentáveis, as energias verdes não o são, pelo menos comparativamente com as energias clássicas. E cada vez mais países compreendem a importância da investigação científica e tecnológica nessa área. Se isso não for uma aposta das empresas portuguesas, deve o país esperar que o mercado responda?

3º Como é que é possível colocar o desenvolvimento económico como oposição ao desenvolvimento social? Se são opostos é porque algo vai mal. E se algo vai mal temos de puxar pela nossa veia romântica, e encontrar meios para ultrapassar essa situação. Mas os problemas socias são muito complexos. A partir de certa intensidade a conflitualidade social torna-se num empecilho ao desenvolvimento económico e político. Os benefícios sociais não são uma benesse dada por razões puramente altruistas. Uma parte dessas políticas são formas de aumentar o sentimento de coesão social, criar um sentimento de interdependência e, finalmente, gerar confiança entre cidadãos. E a confiança é um factor fundamental para gerar ideias, cooperação e acção.

Mas sem dúvida que é necessário desenvolvimento económico.

Ricardo Castro disse...

- Continuação -

4º Essência do trabalho? Mas esse não é exactamente um ponto de divergência política? A tua caracterização do que é trabalho é essa, mas essa não é a minha. Já tiveste sem trabalho durante algum tempo ou já tiveste um familiar ou amigo nessas condições? Esta pergunta pode ser demagógica. É perigosa por isso. Mas com toda a sinceridade a minha resposta a essa questão impede-me de ver o trabalho apenas como um serviço. Quem depende do seu trabalho, não sente que deixou de estar ao serviço quando está desempregado. O desemprego pode ser para muitos uma oportunidade para mudar de vida, mas também é um factor que corrói a psicologia de muita gente. E neste ponto posso ser um romântico, mas não consigo deixar de dar valor a essas situações. (verdadeiramente, sem demagogia)

5º Os salários são tão baixos em Portugal que é difícil encontrar argumentos mais válidos do que os próprios números. É verdade que a produtividade é fundamental para avaliar a saúde da economia e das empresas. Mas os números da produtividade também não respondem às causas dessa falta de produtividade. A visão económica frequente olha para os números e afirma que o aumento dos salários tem um impacto negativo na produtividade das empresas. Nominalmente isso é verdade. Mas também podemos ver o contrário: se não aumentarmos os custos do trabalho não criamos pressão para os empresários cuidarem das outras dimensões do seu negócio: administrativa, vendas, dimensão, criação de novos produtos, etc. A diferenciação é com certeza uma resposta positiva das empresas. Sem dúvida! Mas se os nossos salários têm um impacto muito grande nas contas das empresas é porque as nossas empresas não têm sido capazes de criar muita riqueza. De quem é a responsabilidade? Não sei, mas todos somos prejudicados com essa situação.

PS. Peço desculpa pela extensão do texto.

Bruno Silva disse...

Caro Stran, o que você disse foi isto:

"Original era "motivar/exigir" os empregadores para eles aumentarem o seu próprio know how para poderem competir no mercado externo"

Respondendo ao Stern e ao Ricardo ao mesmo tempo:

Sem ovos não se fazem omeletas! O grande problema português é a manifesta falta de formação, sobretudo, em áreas produtivas de maior valor acrescentado. Temos pouca gente formada (ensino superior ou técnico), e da pouca que temos ainda está virada para a saúde, justiça, educação, construção civil.. etc.. todas elas essenciais.. mas o "excesso" (ou pelo menos mais do que as possibilidades do país) não serve para nada.. e depois temos uma muito pequena franja de gestores e engenheiros em áreas tecnológicas. Já começam a aparecer e ainda bem (o mercado eventualmente funciona), outros já o são e estão no desemprego, é verdade, mas compreenderão que não é com dois ou três ovos que se faz um bolo (desculpem recorrer excessivamente aos ovos), só com a criação de "clusters" é que vamos lá!

Para mim, é esta a chave para o nosso desenvolvimento, é esta a chave para um mercado mais dinâmico, e um mercado mais dinâmico é melhor para todos (sendo adepto do Neoclassicismo não me preocupo com as diferenças, preocupo-me com as bases, para além de acreditar que um mercado dinâmico flui naturalmente para a aproximação de classes.

É esta mediocridade geral de formação que, para mim, resulta na mediocridade e falta de criatividade de patrões, gestores, políticos e trabalhadores. Passando a responsabilidade de mudar isto POR TODOS e cada UM!

Só mais uma coisa, Stran, longe de mim achar que as pessoas não têm o direito a comprar o que querem, o que falo é numa questão de consciência, acha que num sistema redistributivo, onde todos têm os MESMOS direitos (pelo menos teoricamente) ao nível dos serviços públicos, mas nem todos pagam o mesmo, não acha que deverá haver mais consciência na hora de gastar o dinheiro, que, sem o processo redistributivo pagaríamos ao estado, mas como temos essa margem dada solidariamente (de forma coerciva mas necessária, obviamente) por outros?
Claro que vai ler isto e assumir automaticamente aquele sentimento, “olha-me este a desancar no desfavorecido e a defender “os ricos”, que pobre de espírito” e moldar a resposta automaticamente a esse sentimento.. mas tente lá ser pragmático por um bocadinho.. acha coerente? Não é o sentido da redistribuição dar aos que não ganham tanto, ou simplesmente, não ganham a possibilidade de melhorarem a sua vida mas ao mesmo tempo poderem arranjar ferramentas (para eles ou para os filhos) para saírem do enguiço, que infelizmente estão metidos? Ou vão negar que em Portugal muita gente em vez de gastar em “ferramentas”, gasta em futilidades e nas frívolas “aparências”?

Bruno Silva disse...

O que eu acho é que os portugueses não se podem dar ao luxo de querer elevada protecção no trabalho e elevada protecção no desemprego...é simplesmente incomportável para um povo que não é assim tão atractivo pela via da diferenciação ou qualidade.. Sou totalmente a favor da protecção no desemprego, acho fundamental, e, como frisa o Ricardo, já que o trabalho é algo tão importante para o ser humano, que quem está infelizmente nessa situação desempenhe funções sociais (também elas muito importantes e não necessariamente valorizadas pelo mercado). Mas, uma vez assegurada esta, é totalmente ineficiente, indesejável e improdutivo que depois também se crie demasiada rigidez no lado de quem está empregado. Facilmente admitirão que rigidez na descida de salários cria, obviamente, rigidez na subida. Rigidez no despedimento, cria, obviamente, rigidez na contratação, de acordo? Veja-se o fenómeno dos recibos verdes, não é esta uma resposta do mercado a necessidade emergente de mais flexibilidade, ou vão pela vertente de que é tudo “ganância do patronato”?

Stran disse...

Bem vou responder a ambos neste post mas por partes. Primeiro ao Bruno.
Bruno,

Disse isso e disse também que "eu não defendo, não defendi, nem defenderei que a culpa é SÓ dos "patrões"." Com original apenas quis referir ao facto de que raramente se aponta a pouca formação aos empresários. E quando disse que seria original, é porque ao fazer-se isso poder-se-ia, por exemplo, começar a orientar politicas nesse sentido. Já não seu onde li o estudo mas actualmente a formação média dos trabalhadores já supera a dos empresários o que para mim é um erro substancial. Estarei a dizer que a culpa é só dos empresários? Não, obviamente que não.

Mas aponta para uma realidade em que existe um baixo nivel de propensão para o risco para ambos os lados e falta de condições (muitas delas financeiras) para que haja uma maior abertura de novas empresas. Como o nosso mecanismo distributivo não funcionou bem significa que teremos de fazer algo para alterar essa realidade e a simples liberalização fará com que as discrepâncias actuais se assentuem.

Mas convém dar-me a conhecer um pouco pois você voltou a falhar na minha caracterização. Politicamente considero-me um liberal-social-democrata (um bicho raro portanto) pois vejo como soluções boas as que derivam destas duas visões (a liberal-social e a social democrata) e também julgo que sou de esquerda, embora julgo que essa classificação já está ultrapassada. Mas para mim tudo isto são palavras e mais do que representar uma ideologia eu sou uma pessoa que penso por mim e tento encontrar soluções "livres" destas amarras. Gosto mais de olhar para a sociedade e tenta-la compreender per si sem nenhum pré-conceito.

Posto isto e como é obvio, não pensei nada do que você imaginou. Pelo contrário, a minha veia "esquerdista" logo me deu a tentação para até concordar consigo e achar que realmente foi dinheiro desperdiçado (e para mim é indiferente o facto redistributivo pois ele existe para mim por outros motivos). Mas essa veia foi temperada pela minha costela "liberal" e quando você afirma que " Não é o sentido da redistribuição dar aos que não ganham tanto, ou simplesmente, não ganham a possibilidade de melhorarem a sua vida..." julgo que é exactamente o que eles fizeram pelo que não os posso recriminar. Pelo que não posso critica-los apenas porque tenho uma concepção diferente de o que é melhorar a vida. O que para mim é um desperdicio para essa pessoa é um sonho realizado, que ao fim e ao cabo é para isso que estamos cá a viver.

"É esta mediocridade geral de formação que, para mim, resulta na mediocridade e falta de criatividade de patrões, gestores, políticos e trabalhadores. Passando a responsabilidade de mudar isto POR TODOS e cada UM!"

Raios você é de esquerda! ;)

"...não me preocupo com as diferenças..."

Aqui diferimos um pouco. Para mim as diferenças TAMBÉM são importantes. Se vivessemos num mundo sem bens escassos então não seria, mas como essa não é a realidade...

"Ou vão negar que em Portugal muita gente em vez de gastar em “ferramentas”, gasta em futilidades e nas frívolas “aparências”?"

Lá salta cá para fora a minha veia "liberal" outra vez e afirma que foram futilidades e frivolas aparências para si. Mas sim julgo que existiram bastantes erros, eu próprio cometi um erro ao começar a trabalhar e não ter ido dar uma volta ao mundo. Mas os erros são de cada um e é a cada um que compete carregar. O que acho injusto é que alguns erros é o próprio individuo que o comete que sofre, enquanto outros da mesma natureza não são repercutidos apenas nas pessoas que os cometem, mas isso é já outra discussão.

Stran disse...

Ricardo,

Excelentes comentários!!! Julgo que concordo com quase tudo (senão tudo).

Compreendo o que afirmas com o desemprego perfeitamente (embora felizmente nunca tive desempregado).

Sendo gestor a minha actividade já me levou a promover e levar acabo bastantes despedimentos pelo que sei em primeira mão o que isso implica para uma pessoa.

Além de que quando uma pessoa trabalha em determinado sitio durante X tempo está a empenhar o seu tempo que é irrecuperável, é por isso que eu acho incompreensivel que determinados gestores tenham o habito de ter uma pessoa até ao final do tempo a contrato para depois não os passarem a efectivos e contratarem outra pessoa a contrato outra vez.

Quem tem uma visão de que o trabalho é um serviço (e não sei se o Bruno concordará com o que direi a seguir) dirá que não há problema pois essa pessoa nesse periodo esteve a ser paga. Para mim essa actitude é um crime pois basicamente roubam anos da vida das pessoas que são irrecuperáveis.

Por isso e por muito mais é que julgo que tens toda a razão quando afirmas que o trabalho não é apenas um serviço!

PS - afinal descobri que existe um limite para os comentário

Stran disse...

"Veja-se o fenómeno dos recibos verdes, não é esta uma resposta do mercado a necessidade emergente de mais flexibilidade, ou vão pela vertente de que é tudo “ganância do patronato”?"

Os recibos verdes é um caso tipico de como o "patronato" não valoriza a flexibilidade, e quando nem o "patronato" valoriza como é que queres que os "trabalhadores" valorizem?

Bruno Silva disse...

Entenda-se... Obviamente que eu estaria a cuspir no prato que como se estivesse a questionar a liberdade das pessoas gastarem o seu dinheiro da forma que mais lhes aprouver. Mas, como sabe, a teoria económica, sobretudo a neoclássica, parte do pressuposto que o consumidor é racional, porém esta racionalidade é algo complicado. Para mim, racionalidade existe sempre, porém nem sempre assenta nos pressupostos mais eficientes para o bem de médio e longo prazo do indivíduo e da sociedade (pois estes estão interligados). Ou seja, para haver "melhor" racionalidade, deve haver mais informação, mais debate, mais consciência, aí as nossas escolhas LIVRES serão mais eficientes para todos. Exemplificando: Se eu tiver consciente da importância de uma balança comercial positiva, na hora de escolher entre dois artigos, absolutamente equivalentes, mas um é Português e o outro é importado, vou de LIVRE vontade preferir o português. Isto é consciência e não imposição estatal, o que é bem melhor pois ao não ser "imposta" mas sim de livre iniciativa, não está a reduzir o bem estar do indivíduo.

P.S. Um liberal não pode achar que a mediocridade se abrange a generalidade dos agentes económicos portugueses? Obviamente que pode, mas sabe que é o melhor que temos. Se o Sr. José com a 4ª Classe criou uma confecção que chegou às 250 pessoas, eu não vou agora cair em cima dele por não ter formação.. eu vou é pôr-me de pé e aplaudir, porque, para a formação que tinha, o homem fez bem mais do que a média!

Stran disse...

"...sobretudo a neoclássica, parte do pressuposto que o consumidor é racional.."

Pois é por isso que essa teoria produz modelos incompletos e por isso tem que se ter muito cuidado com as conclusões da mesma.

"Ou seja, para haver "melhor" racionalidade, deve haver mais informação, mais debate, mais consciência, aí as nossas escolhas LIVRES serão mais eficientes para todos."

Concordo parcialmente embora existirá sempre racionalidade limitada. Além de que não somos seres puramente racionais pelo que os "gostos" serão sempre diversos.

No entanto julgo que uma revolução será sem duvida no campo da informação. Por exemplo não sei se não era util saber-se por exemplo estrutura de custos (ou por exemplo saber-se qual a disparidade de rendimentos dentro de uma empresa) ou se quanto uma empresa gasta em "responsabilidade social".

"Isto é consciência e não imposição estatal, o que é bem melhor pois ao não ser "imposta" mas sim de livre iniciativa, não está a reduzir o bem estar do indivíduo."

Só tenho uma duvida sobre este modelo: não parece-se um pouco com a sociedade de "Big Brother"?

"P.S. Um liberal não pode achar que a mediocridade se abrange a generalidade dos agentes económicos portugueses? Obviamente que pode, mas sabe que é o melhor que temos."

Bem isso não tem a ver com liberal ou não liberal, mas sim com expectativas, e com a noção de se efectivamente é o melhor que temos, eu julgo que não.

"Se o Sr. José com a 4ª Classe criou uma confecção que chegou às 250 pessoas, eu não vou agora cair em cima dele por não ter formação.. eu vou é pôr-me de pé e aplaudir, porque, para a formação que tinha, o homem fez bem mais do que a média!"

Depende. Com a informação que me dás não é suficiente para eu "cair em cima" ou aplaudir. Se, por exemplo, ele não trouzer um beneficio para a sociedade, se não se comportar com "civismo" (para utilizar uma expressão cara a ti) cairei em cima dele obviamente e acharei que quanto mais rápido ele sair do mercado melhor nós ficamos.

A ligação formação-melhor actuação, não vem propriamente do canudo que ele tem, mas sim dos conhecimentos que tem, que empiricamente normalmente está relacionada com a formação que tem.

Ricardo Castro disse...

Nesta fase do debate acho que já posso elaborar um pouco mais os meus argumentos acerca da natureza do mercado. Até porque são debates assim que me ajudam a pensar sobre estes assuntos.

Vou usar uma afirmação do Bruno, apenas porque ela é paradigmática da forma de argumentar de todos aqueles que confiam muito no mercado. Eu também já acreditei muito. Hoje tenho certas dúvidas, porque a minha experiência é cada vez mais rica e a complexidade dos factos que assimilo é cada vez mais contraditória.

A frase é esta: “Veja-se o fenómeno dos recibos verdes, não é esta uma resposta do mercado a necessidade emergente de mais flexibilidade, ou vão pela vertente de que é tudo “ganância do patronato”?”

Ponto assente, não é tudo ganância do Patronato. Aqui também estou com o Stran, a própria designação “patronato” é antiquada e está associada a uma visão de sociedade com a qual discordo.

Mas é uma resposta adequada à tal lógica do sistema, vamos chamá-lo, capitalista. Quando saliento esta lógica, da procura do lucro, não o faço baseada em qualquer censura moral. Pessolamente, luto pelas criação de cada vez mais empresas lucrativas, que para tal precisam de ambientes propícios.

E é mesmo por isso, em nome do desenvolvimento económico que eu desconfio da visão de mercado que impera nas nossas sociedades. E estou mesmo a falar da sua epistemologia.

Mas iremos verificar que a minha posição não diaboliza o mercado, pretende apenas reposicioná-lo.

O problema desta argumentação, que relaciona de forma determinista aumento dos recibos verdes, flexibilidade e eficência, é fazer do mercado, dos seus comportamentos e reacções, o equivalente ao que a biologia faz quando observa a dinâmica dos ecossistemas naturais. Como se não existisse uma diferença entre leis naturais e leis económicas. Independentemente da discussão epistemológica da objectividade, o mercado é uma construção humana os ecossistemas naturais não são.

Defender que a proliferação dos recibos verdes é uma resposta do mercado, porque este exige maior flexibilização não é uma leitura económica errada. Isso é de facto o que diz o mercado. O que está errado não é essa interpretação, é tentar passar a ideia de que o mercado deve ser a única fonte de orientação para a decisão política. Neste caso seria flexibilizar a legislação do trabalho.

Porquê? Primeiro, porque o mercado, rege-se pela maximização do lucro e pela maximização da eficiência produtiva. É a sua lógica, é o seu racional. É um objectivo aberto e transparente. E na óptica da empresa é sempre um objectivo salutar. Mas tal como no diálogo social, onde por vezes fazem-se políticas sociais para resolver problemas emergentes sem ter em conta os custos a longo prazo, também as empresas procuram o lucro demasiadas vezes sem ter em conta os objectivos a longo prazo.

A proliferação dos recibos verdes é uma decisão do mercado, mas essa escolha não é fruto de um comportamento "natural" do mercado, só é possível ao mercado escolher esse meios de contratualização de serviços porque a política criou esse sistema.

O custo de oportunidade deve ter sido determinante nas decisões das empresas. E a oportunidade aqui é uma tomada de decisão para ganhar vantagens de curto prazo. Do ponto de vista da gestão e em certos casos da legalidade são perfeitamente lícitas.

Ricardo Castro disse...

- cont. -

As empresas em função da sua própria racionalidade usaram aquilo que tinham disponível para facilitar a sua acção, porque os recibos verdes permitem aumentar os graus de liberdade dos gestores. Dando melhores condições para operar no mercado competitivo. Mas será que essa decisão, com vista à própria rentabilização a longo prazo do próprio negócio e do mercado, era a melhor via? Ou foi tomada porque era mais fácil, porque estava facilmente disponível?

Se o mercado faz escolhas em função da arquitectura de mercado desenhada peloas políticos e pela sociedade em geral não é possível defender que o mercado funciona como uma “mão invisível”. A mão está lá, a montante, a tentar desenhar o tal ambiente propício ao negócio. Todas as decisões políticas mexem com o mercado. Inevitavelmente. Apoios à ciência, tipos de cursos criados, conteúdos dos programas escolares, leis de qualquer tipo, apoios à exportação, etc.

A proliferação dos recibos verdes associado a uma interpretação do tipo que o Bruno fez pode estar a criar uma “bolha” na economia portuguesa. Os empresários, nas suas plataformas associativas, ao acreditarem legitimamente nesse argumento estão mais centrados em fazer política e menos em criar valor para o empresariado. Criaram uma certa obsessão acreditando, ou deixando passar essa mensagem, que a vida das suas empresas e dos trabalhadores vai ser um oásis depois de alterada a legislação do trabalho. Já não estou a analisar a questão social, só a económica. Ao invés de aumentar a produtividade, riqueza, vitalidade ou dimensão dos seus mercados estão preocupados com questões de curto prazo. Esta dissociação provém do facto da própria medida da criação dos recibos verdes ser uma medida política reclamada pelo mercado de trabalho, que depois reclama que a sua expansão é consequência das suas necessidades. Aqui o debate é político e não económico.

A dinâmica pode ser tão dissociativa que os agentes do mercado podem acreditar profundamente que o seu principal problema está no mercado de trabalho, dirigindo todo o seu esforço para uma luta política específica e disponibilizando-se menos para a discussão sobre a sua qualidade de gestão. Se o ambiente e cultura facilitam essas opções, como a do recibo verde, esse pode ser o caminho seguido apenas por ser “mais fácil”, fazendo com que as empresas descurem outras vertentes do negócio: as vendas, a inovação, a eficiência administrativa, o posicionamento no mercado, as parecerias, etc.

Ricardo Castro disse...

Não há mercado sem cultura, a eficiência do mercado também depende da cultura que o envolve e do desenho global da sociedade. Uma coisa é uma economia de mercado competir com uma economia de outro tipo, outra coisa é competir com outra economia de mercado. É nesse plano que devemos estabelecer a discussão. Uma empresa com produtos inovadores, apetecíveis, que faz boas vendas, aguenta salários altos, falta de flexibilidade, até aguenta um certo grau de ineficiências de vária ordem. Empresas que estão no limbo, essas sim estão sempre a procurar ganhar eficiência através dos mecanismos legislativos, exteriores à sua própria área de negócio.

Esse comportamento demonstra como a política faz o mercado e vice-versa. Ambos têm de cooperar. Por vezes é errado fazer certas alterações porque essa não é a escolha da sociedade. Mas uma sociedade responsável tem de partir dessa ineficiência e desenhar um sistema global que seja propício para os negócios. É necessário é criar riqueza, seja lá como for. Um empresariado que se diz refém da legislação do trabalho é um empresariado passivo, sem criatividade nem força.

Mesmo que exista a necessidade de adequar as leis do trabalho, não estou qualificado para afirmar isso, desconfio que os ganhos de produtividade vão ser marginais. Os nossos desafio estão dentro e fora das empresas, não me parece que se deva dar tanta atenção às leis do trabalho. Acho que isso nos distrai: à sociedade, aos políticos e aos empresários.

Portanto, o mercado é feito por humanos para humanos. Não é ambiente natural. O seu desenhos faz-se de escolhas. Existe e deve existir liberdade política para desenhar o mercado tal como consideramos mais justo e produtivo. esse deve ser o nosso objectivo.

Isto é romantismo enquanto não tivermos ideias concretas e experimentadas? Claro! Falta trabalhar essas ideias.

Stran disse...

Ricardo,

Excelentes comentários.