quinta-feira, 7 de maio de 2009

Conceitos novos para vencer a crise - I

O texto iniciado nesta posta, a continuar nos próximos dias, foi escrito pela Manuela Silva, economista, professora no ISEG - Universidade Técnica de Lisboa durante longos anos, hoje reformada. Em Portugal, foi pioneira nos estudos sobre pobreza, desigualdade e políticas sociais. Até há poucos meses foi presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz da Igreja Católica, mantendo-se como coordenadora do Grupo de Trabalho “Economia e Sociedade” no âmbito dessa mesma Comissão. Como se pode ver pelo texto que aqui apresento, a Manuela Silva ainda não se reformou no que toca à responsabilidade social da economista de grande qualidade que sempre foi. É um modelo para as novas gerações e, para o Ladrões de Bicicletas, é uma honra dar a conhecer a sua reflexão sobre os tempos que vivemos.

Conceitos novos para vencer a crise*

1. Uma das manifestações mais gravosas da presente crise refere-se ao conceito de trabalho subjacente à empresa capitalista, o qual relega a noção de trabalho para a categoria de “mercadoria” ou de “factor de produção”, descartando a dimensão subjectiva do mesmo (o trabalho factor de desenvolvimento pessoal) bem como a sua dimensão de inserção social e participação na vida colectiva (factor de coesão social). Que o digam os despedimentos massivos, a tendência para o abaixamento dos níveis salariais, a precariedade dos empregos, a perda de direitos e regalias, a crescente oferta do chamado “trabalho lixo”.

A evolução do sistema capitalista, que se acentuou sobretudo a partir do final dos anos oitenta, tem sido impulsionada, como é sabido, pela globalização da economia e pela lógica da competitividade no mercado global, bem como pela preponderância do negócio financeiro sobre a economia real, uma e outra destas facetas servidas por uma tecnologia que abre caminho à grande fluidez e extrema celeridade nas relações económicas. Bauman (2000) fala da emergência de um capitalismo líquido para acentuar esta característica do capitalismo contemporâneo.

Foi este capitalismo líquido que impôs a noção de flexibilidade do trabalho e, sub-repticiamente, tem vindo a abafar ou subestimar a dimensão pessoal e social do trabalho humano, com consequências devastadoras, tanto em desemprego como em precariedade e desqualificação do trabalho. A tal ponto assim é que a OIT se viu pressionada a cometer a uma comissão independente um relatório com propostas para um trabalho decente para que este sirva de inspiração para os gestores e outros actores sociais, e, em particular, para vincular os governos a fomentarem políticas públicas adequadas aos novos desafios.

Com efeito, como adiante direi, não basta fazer apelo aos valores éticos postos em causa por uma tal concepção e esperar que os actores sociais envolvidos correspondam positivamente a tais exigências morais; importa encontrar os indispensáveis enquadramentos jurídico-institucionais que dêem garantia de que é respeitado o valor de dignidade humana que todo o trabalho incorpora e que fica assegurada uma repartição equitativa do valor gerado na empresa.

Por outro lado, a noção de trabalho humano não pode ficar vinculada apenas ao trabalho de produção mercantil de bens, materiais ou imateriais. A esta forma de trabalho, há que associar uma outra modalidade, o trabalho-cuidado, quer o que é realizado na esfera das famílias (cuidado com as crianças, com os idosos, com o bem-estar do grupo familiar) como o realizado em favor da comunidade (serviços cívicos, preservação do ambiente, defesa do património cultural, animação cultural, etc). Este tipo de trabalho-cuidado carece de reconhecimento social e de valorização em termos económicos.

A presente crise na medida em que liberta da esfera da produção mercantil um volume considerável de recursos humanos abre caminho a que surjam alternativas de emprego desses recursos dispensados em modalidades de trabalho-cuidado. Esta é uma questão que se prende com a relação entre trabalho e repartição do rendimento global gerado numa dada economia.

* Comunicação apresentada na Workshop “Trabalho e bem-estar social” integrada na 4ª sessão das Semanas de Responsabilidade Social, Lisboa, 4-7 Maio 2009.

24 comentários:

Anónimo disse...

Sugiro a leitura de «Employment and basic needs in Portugal» uma edição da OIT em 1979. Manuela Silva era a Secretária de Estado do Plano e em conjunto com Sérgio Ribeiro (então Director Geral do Emprego) organizaram este Plano de Médio Prazo em cooperação com a OIT. Inserido na teoria do desenvolvimento: necessidades básicas - este estudo e proposta deve ser recordado 30 anos depois. A sua actualidade é espantosa.
Mas voltando á Manuela Silva é de ler o seu capítulo introdutório. Não foi por acaso que se veio a demitir do governo ainda este livro não tinha sido publicado.
Ricardo

João Costa disse...

A necessidade de flexibilidade das empresas deve-se à flexibilidade do consumo! A flexibilidade do consumo deve-se às livres escolhas dos consumidores. Nós não podemos querer deixar de comprar cassetes e querer que quem produz cassetes não seja despedido, nós não podemos querer comprar os produtos mais baratos vindos da china e querer que os postos de trabalho mais caros em Portugal não se percam. Mas a melhor solução não é certamente o proteccionismo cego, isso é para cobardes e preguiçosos, é o dinamismo.

Há uma regra que dá para a culinária, para o futebol e até para a economia, "sem ovos não se fazem omeletas". 60% da população portuguesa tem escolaridade igual ou inferior ao 6º ano... não é por o pessoal de esquerda fazer birra que as empresas vão pagar um salário alto a uma costureira, os salários altos viriam se houvessem menos costureiras e mais formação útil em áreas exportadoras e de maior valor acrescentado, o que em Portugal ainda é ridícula para as nossas necessidades de convergência...

Querem me fazer acreditar que o nível dos salários depende do "grau de generosidade" dos patrões? Se assim fosse quereria dizer que os patrões alemães são mais generosos que os portugueses, e os marroquinos menos generosos... isso é simplesmente estúpido.. combata-se a ignorância.. o mercado fará o resto...

Carlos disse...

"Por outro lado, a noção de trabalho humano não pode ficar vinculada apenas ao trabalho de produção mercantil de bens, materiais ou imateriais. A esta forma de trabalho, há que associar uma outra modalidade, o trabalho-cuidado, quer o que é realizado na esfera das famílias (cuidado com as crianças, com os idosos, com o bem-estar do grupo familiar) como o realizado em favor da comunidade (serviços cívicos, preservação do ambiente, defesa do património cultural, animação cultural, etc). Este tipo de trabalho-cuidado carece de reconhecimento social e de valorização em termos económicos."

Não consigo perceber o que quer dizer com isto.

Que eu saiba esse tipo de funções é reconhecido e remunerado. Chamam-se enfermeiras, educadoras e professores, e funcionários públicos. Quer um salário pago pelo Estado para as donas de casa e todos os que ficam em casa e não trabalham por vontade própria??

Bruno Silva disse...

Caro Carlos,

Estes indivíduos ainda estão presos aos desenhos animados de contos de fadas que viam na infância. É tudo muito bonito mas eu não os vejo, por iniciativa própria, a darem notas de 20€ a quem ajuda uma velhinha a atravessar a estrada, ou a por lixo na reciclagem, ou a quem dá roupa ou alimentos para a solidariedade, simplesmente não o fazem.. e vêm para aqui cheios de tretas.

Da mesma forma também não os vejo a criar empresas, a atravessarem-se no banco, a correrem riscos de negócio e depois renegarem ao lucro ou distribuí-lo pelos trabalhadores. É sempre na onda do "ou outros que o façam, esses capitalistas", mais uma vez cheios de tretas.

Há justificação tanto social como económica para a redistribuição, é, até certo ponto e segundo certos meios, desejável, porém andar de forma exagerada a corrigir artificialmente as diferenças de rendimento não é o melhor caminho.

Estar preocupado com o facto de haver grandes diferenças sociais é um grave erro. O que realmente interessa é como melhorar a vida da base da sociedade, independentemente se outros são muito ricos ou não. A verdade é que para este propósito é o investimento privado a melhor solução, e sem expectativas de rentabilização do mesmo (devido a excesso de impostos e artificialismos) os níveis de investimento caem. As políticas de esquerda podem melhorar a vida das bases no curto prazo, mas não são de todo sustentáveis.

A solução está no que o João Costa muito bem referiu, mas para isso é necessário tanto boas políticas do estado como responsabilização e consciencialização das pessoas e sobretudo dos jovens para a importância que a formação tem para o futuro do nosso país.

Agora estes indivíduos, que se acham muito espertos, arranjaram um bode expiatório (O Neo-Liberalismo, doutrina que nem conhecem) e acham que são os maiores, chamando a todos os comentários que visam apelar aos verdadeiros problema"conversas de café".

Carlos disse...

Bem visto caro Bruno.

Na linha do seu post recomendo-lhe, caso ainda não tenha visto, um video que poderá encontrar no youtube "The anticapitalists: barbarians at the gate. Há uma passagem particularmente interessante em que o autor aborda alguns dos escritos de Marx e cita o exemplo dos trabalhadores da industria textil em Inglaterra por altura da Rev. Industrial. Para Marx, o facto de em termos absolutos o rendimento desses operários ter aumentado em 30% ou 40% numa década não era relevante. O que era relevante era o facto dos empresários terem enriquecido ainda mais durante esse período, o que para Marx era um flagelo social. Esqueçamos o incremento absoluto do rendimento.. é preciso é acabar com a acumulação de capital pelos "porcos capitalistas e empresários".

L. Rodrigues disse...

"para as donas de casa e todos os que ficam em casa e não trabalham por vontade própria"

Carlos,

Vê-se que não percebeu:
o cerne da argumentação é que TRABALHAM, e a esse trabalho é dado um valor ZERO no paradigma actual.

Uma educadora de infância ou uma enfermeira, passam um recibo e contam para o PIB.

Uma mãe que cuida dos filhos (ou no meu caso, um avô que cuida dos netos), ou alguém que cuida do familiar doente, faz o mesmíssimo trabalho mas, nas suas palavras, "fica em casa e não trabalha por vontade própria". Topa?

L. Rodrigues disse...

João Costa,
uma costureira em espanha faz o mesmo que uma costureira em portugal e ganha o dobro....

Tanto o trabalho qualificado como o pouco qualificado são mal remunerados em Portugal, em média.
Só mesmo os nossos geniais gestores é que ultrapassam a média europeia.

Carlos disse...

Carlos L. Rodrigues

Esta a querer dizer que deve receber um cheque da segurança social por cuidar dos netos?

De que forma quer ver o seu trabalho reconhecido?

Não percebe que, ao contrário do que a educadora ou professora faz (porque esta cobra um preço pelo seu trabalho), o que você faz não pode ser medido em termos de valor monetário, porque você próprio não cobra um preço aos seu filho(a) para cuidar dos netos. Para mais, quem beneficia do seu trabalho são os muidos, o seu filho(a) e voçê mesmo presumo. Não pode imputar esse custo porque ele é subjectivo.

L. Rodrigues disse...

Naquela história eu fui o neto. Note que eu nao falei em preço, e sim em valor.
O meu ponto, e creio que em parte o da autora, é que há multiplas actividades que têm impacto social e económico, e que no entanto não são valorizadas quer social quer economicamente.

A simples caracterização que fez: "ficam em casa e não trabalham" é em si uma desvalorização.

Não sei o que a autora preconiza como solução para o problema, mas a mim faz-me confusão que uma actividade apenas seja considerada "económica" quando é feito o outsourcing da mesma.

Se eu plantar uma árvore no meu quintal, isso vale zero. Mesmo que dê sombra, ajude a fixar o solo, produza oxigénio, albergue familias de pássaros, contribua para um, subjectivo, bem estar pelo melhoramento da paisagem, etc.

Se eu pagar a um tipo para abrir um buraco e voltar a tapá-lo, contribuo para a riqueza do país.

Há algo de errado nisto tudo.

Carlos disse...

Os exemplos que deu criam valor, mas não valor económico. Está a confundir qualidade de vida e valor social com valor económico. São duas coisas distintas. Não quero dizer que um é mais importante que outro... isso é uma análise subjectiva, logo difícil senão impossível de quantificar eficazmente. De qualquer forma existem estudos que têm produzido índices do nível de felicidade e satisfação de uma determinado país, por exemplo. O que é praticamente impossível de fazer, como já disse antes, é atribuir um valor monetário a isso, o que inviabiliza que entrem na contabilidade do PIB.

L. Rodrigues disse...

"Está a confundir qualidade de vida e valor social com valor económico. São duas coisas distintas. "

Não confundo, questiono, a divisão entre uns e outros que é feita hoje em dia.

Talvez por isso mesmo seja de abandonar o PIB como medida de progresso e usar outros sistemas mais inclusivos.

Bruno Silva disse...

Caro L.Rodrigues,

Você muito provavelmente não tem formação económica, ou se tem deve-se resumir ao Marxismo, e portanto diz coisas como esta:

"uma costureira em espanha faz o mesmo que uma costureira em portugal e ganha o dobro....Tanto o trabalho qualificado como o pouco qualificado são mal remunerados em Portugal, em média."

O que está a dizer é factual, mas acontece por um motivo, motivo esse que é facilmente entendido por uma peixeira do bolhão ou outro qualquer profissional que tenha o seu rendimento variável e constantemente dependente das flutuações do mercado e da atractividade dos produtos/serviços que vende. O que não deve ser o seu caso, que tal como eu, deve ser um privilegiado da separação do valor do trabalho vinculado às flutuações do mercado. (O que também é um facto e que vai de encontro com o texto, mas como já existe e é dado como garantido vocês não falam nisso)

Eu explico..
O salário das costureiras é mais elevado por dois motivos: Existe relativamente mais investimento lá, e existem relativamente menos costureiras disponíveis, capisce?

Apesar de Espanha também não ser nenhum Row Model nesse campo, existiu um maior aproveitamento do sistema de ensino, tanto pelo governo como pelos estudantes, e que hoje já não estão a competir com as costureiras mais velhas, o que mantém o salário baixo. E como diz o João, são hoje ovos para fazer as omoletas de negócios de maior valor acrescentado...

Quanto ao tema que tem debatido com o Carlos, digo, se há remuneração pecuniária está implícito o valor económico, como diz o Carlos não faz sentido que uma avó tenha um acréscimo na remuneração, dado pelos contribuintes, para cuidar dos próprios netos, em termos sociais acho que essa tarefa ficaria inclusivamente desvalorizada. No âmbito social concordo que poderia ser mais valorizado, mas isso nada tem que ver com política económica, são os livres gostos e condutas das pessoas, podemos critica-los e tentar mudar consciências, mas não é certamente o grande problema do nosso país, o facto dos pais ficarem mais ou menos agradecidos aos avós por cuidarem dos netos.

L. Rodrigues disse...

Caro Bruno Silva,

Creio que na sua equação está a desprezar um factor importante que é o papel do empresário. É ele o agente entre o trabalhador e o mercado.

E o modelo da mão de obra barata tem dois efeitos:
preguiça nos empresários, que mantém a competitividade dos seus produtos pela via mais fácil, à custa dos baixos salários, (negligenciando inovação, agressividade comercial (no sentido de procurar mercados), investimento em construção de marca, o que leva ao ponto seguinte):

O abaixamento do valor percebido do produto. As coisas da China são baratas, mas a qualidade percebida e, muitas vezes, real é muito baixa. E Portugal seguindo esse modelo sofre necessariamente por isso.

E quanto a Espanha, um país que tem cronicamente alguns 15% de desempregados, (disfarçados durante algum tempo no boom imobiliário), não seria de ter voluntários para costureiras em barda?

Não tenho formação económica, e provavelmente as noções que tenho são essas mesmo básicas, da economia clássica, que no entanto se me aparentam insuficientes, para dizer o mínimo.

A observação diz-me que os mercados reais não são coisas abstractas com leis a que ninguém escapa, mas sim construções cujo funcionamento é condicionado por factores múltiplos, nomeadamente políticos, e portanto nada é inevitável.

Já agora e no melhor espírito de correcção fraterna, diz-se Role Model.

Bruno Silva disse...

Grande calinada da minha parte, obrigado pela correcção.

Tal como refere, a economia não se resume a uma ou outra regra. Daí a necessidade dos economistas a recorrerem ao termo "Ceteris Paribus". Podemos falar de todos os factores, mas isso implicaria que cada post fosse do tamanho de um livro, face a essa impossibilidade, julgo que o mais profícuo é limitarmo-nos aquilo que achamos mais pertinente, na minha opinião, em Portugal é o atraso dos níveis educacionais, sobretudo em áreas que acrescentem maior valor às exportações.

Quanto ao cluster têxtil espanhol, este tem uma GRANDE diferença face ao Português, domina as últimas fases da cadeia de valor (Logística, Distribuição e Comercialização) e esse facto traz benefícios às suas empresas, sobretudo sendo uma cultura tão nacionalista. Mas não acredito que esteja a recrutar muitas pessoas, vive mais d as que já tinha (isto para responder ao seu comentário do desemprego de 15%).

Veja se entende uma coisa, não é por em última instância ser o patrão a definir o nível salarial do trabalhador que é ele o culpado dos salários baixos. 95% dos trabalhadores ganham mais do que o salário mínimo, acha que isso tem que ver com níveis de generosidade? E dentro da empresa.. o facto de uns ganharem mais do que outros deve-se, tirando certas situações (entre seres humanos não há regra sem excepção), a diferenças de generosidade do patrão???

Olhe, uma pessoa, no mercado português, que tenha como função apenas e só baixar uma determinada alavanca várias vezes ao dia, ganha o mesmo seja essa função integrada na produção de meros objectos de plásticos ou micro-chips todos XPTO's. Não é a natureza do negócio que conta, mas sim da tarefa. Grosso modo, os níveis de salário devem-se à escassez, face à procura, de determinadas competências (académicas ou pessoais) de cada indivíduo dentro do mercado em que se insere. Não é perfeito, mas a não ser que inventem um super-computador que compile toda a informação sobre toda a gente, a economia de mercado, delegando o escrutínio de preços a todos o agentes económicos e não centralizando-o num "comité central", é o melhor sistema POSSÍVEL. E acredite no que lhe digo, enquanto mais dinâmica a economia, a um nível económico, mais justos são os rendimentos face à realidade (boa ou má) de cada sub-mercado. Claro que depois há uma vertente social que não deve ser descurada, mas deve ser analisada com bom senso para não corromper excessivamente as verdades do mercado.


É a dinâmica que ajuda a diferenciar o bons patrões do maus patrões, assim como empregados. Bloqueios à dinâmica, apesar de nos poderem dar uma falsa noção de segurança e justiça de curto prazo, acabam por prejudicar esse processo.
O problema não são os gestores portugueses que só têm a 4ª classe, esses já fizeram muito face à sua formação, o problema é não estarem a ser substituídos por jovens, mais instruídos, e em negócios de maior valor acrescentado. E para isso é preciso mais instrução a todos os níveis (Gestão, Quadros e Trabalhadores). O desaproveitamento do sistema de ensino português é crónico, pergunto: Deve-se apenas aos patrões e políticos? Ou também não há um q.b. de responsabilidade em todos e cada um dos indivíduos que vivem livremente em democracia?

Wyrm disse...

Não percebo nada de economia.
Mas quem trabalha full-time, tem de ter o suficiente para ter comida na mesa, um tecto digno sobre a mesa e protecção na doença.

Sobretudo quando existem outros que auferem lucros obscenos. E são obscenos quando, sob a protecção do Estado, esse "inimigo" capital e da liberdade, pagam 10 para poderem lucrar 10000.

Eu sei que nem todas as empresas são milionárias, mas é obsceno quando empresas despedem em massa "preventivamente". Quando a única variável de ajustamento parece ser o custo salarial.

Enfim, há uma guerra de classes e as classes mais baixas estão a perder. Falar de flexibilização e precarização quando as grandes corporações (BP, Shell, Nestle, e muitas outras menos mediáticas) lucram biliões sobre biliões, é obsceno.

E não, não sou de todo comunista e acredito na cultura do mérito. Não tenho quaiquer problemas que uns tenham muito e outros muito menos. Desde que o muito menos seja suficiente para uma vida digna e saudável.

Não é o que acontece.

As coisas poderão mudar é certo. Mas infelizmente acho que só mudam quando as pedras da Concorde voltarem a ficar vermelhas...

Bruno Silva disse...

Caro Wyrm,

Se pensar um pouco "out of the box" verá que a economia de mercado, agindo livremente, está a aproximar classes. Está a aproximar as classes das economias emergentes das do mundo ocidental.
Claro que no processo uns ficam muito ricos, e a população pouco qualificação ocidental fica a perder. Mas acredite que não fica pior do que o resto do mundo se lhes negarmos o crescimento. É também o facto de uns ficarem muito ricos, que leva outros a irem para lá, até ao ponto em que a rendibilidade marginal deixar de compensar. Mas isto ainda contribui mais para esse aproximar global das classes. Alguns milhares ficam muito ricos, alguns milhões ficam um pouco mais pobres, mas BILIÕES saem progressivamente da miséria.
O nosso problema foi a falta de previsão estratégica (disto somos todos culpados). Desperdiçamos as décadas em que este sistema funcionou a nosso favor para preparar o futuro, e alterar o paradigma nacional. Agora fomos apanhados desprevenidos, e a concorrer com chineses que há 5 anos atrás comiam uma malga de arroz por dia, quando já devíamos estar noutro patamar.
O sistema é esse, os seres humanos são como são, a economia de mercado está para ficar, resta-nos por de parte o mundo ideal, perceber como sistema funciona, e agir sobe ele com dinamismo, inteligência e esforço, de todos e de CADA UM.

Carlos disse...

Caro L. Rodrigues

O PIB não mede o progresso de um país. Mede a produção de bens e serviços transaccionáveis por um valor monetário. O progresso pode medir-se com recurso a um leque de indicadores, tal como já é medido hoje em dia o IDH - Indice de Desenvolvimento Humano, que combina indicadores económicos, sociais, de saúde publica, etc. E como o IDH há uma panóplia de outros índices .Convinha informar-se melhor sobre estas questões antes de fazer os seus comentários.

L. Rodrigues disse...

Caro Carlos,
conheço essas medidas todas, e tenho lido a forma com geralmente são tratadas por quem as considera irrelevantes para aquilo que consideram Economia.

Esses indices que refere fazem titulos de jornais volta e meia, mas quando se fala de politica económica, temos a imposição de um défice em função do PIB, este ou aquele pais cresceu mais em função do PIB, este pais ou aquele tem uma carga fiscal x em função do PIB, etc.

Não vou tão longe como o rei do Butão, mas deve haver um meio caminho, mais humano e mais orgânico de avaliar decisões políticas.

Bruno Silva disse...

Pois.. enquanto ficamos com o humanismo e as boas intenções, o capital e as divisas lá vão voando paro o outro lado do mundo.. pobres mas iguais!!

Carlos disse...

temos uma imposição sobre o défice e por muitos boas razões. Para impedir que os governantes percam o tino e comecem a endividar o país à custa de despesismos e politicas eleitoralistas. E também para limitar a necessidade de monetizar montantes elevados de divida, cujo resultado seria depreciar o valor do dinheiro e inflação descontrolada. Trata-se apenas de medidas de sustentabilidade e saúde financeira de um país e a integridade da moeda. Fala-me de politica económica. Perceba uma coisa... a criação de riqueza tem de vir do sector privado, de empresários que criam negócios que criem valor. Embora o Estado possa ter aqui algum papel, se o sector privado ficar parado, não vamos a lado nenhum.

Manuela Silva disse...

Agradeço todos os comentários feitos a propósito desta primeira parte do meu texto e regozijo-me com o facto de ele ter provocado uma tal troca de ideias, incluindo a memória de um projecto de desenvolvimento a que estive associada.
Todos temos dificuldade em mudar conceitos que, por muito tempo, nos serviram de referência e por isso compreendo a resistência que os comentários de Carlos e Bruno Silva revelam, sentindo-se na necessidade de fazerem apelo a aspectos da teoria económica presentemente sem validade científica para interpretar adequadamente o funcionamento das economias contemporâneas.
Que o modelo económico actual é insatisfatório não carece, hoje em dia, de grande demonstração, tão manifestas, profundas e graves são as suas disfunções, tanto no plano das economias nacionais como à escala mundial (desemprego massivo, grandes desigualdades na repartição do rendimento, insustentabilidade ecológica, desregulação financeira, etc).
São múltiplas e sérias as razões que justificam estarmos perante uma crise sistémica e não adianta fingir que nada acontece ou que tudo se recomporá com um reforço de dosagem de antídotos conhecidos.
Alteraram-se, significativa e definitivamente, as relações económicas com consequências para a evolução da própria economia, mas também para o funcionamento das sociedades.
Estas são razões mais do que suficientes para termos de repensar muitos conceitos e, entre eles, o conceito do trabalho, não só como factor de produção, como também como fundamento da repartição primária do rendimento, sem esquecer as suas dimensões de natureza subjectiva (factor de realização e satisfação pessoal) e de socialização (coesão social). Neste, como em outros domínios, há que recorrer ao pensamento da complexidade.
O que pretendi dizer com este meu escrito é que o mercado, só por si, não permite optimizar todas as vertentes em causa e por isso há que procurar um enquadramento jurídico-institucional mais apropriado à nova época onde estamos a entrar.
A inovação que tanto – e tão justamente - se advoga passa por aspectos como este aqui abordado.
Agradeço os contributos de L. Rodrigues e Wyrim para tornar o debate mais concreto.
Manuela Silva

Carlos disse...

Defender o rigor orçamental e a disciplina financeira do Estado a bem da integridade do dinheiro carece de validade cientifica?? Veja o que os Bancos Centrais e Governos fizeram ao valor do dinheiro nos últimos.. vá lá.. 50 anos. Sabe o que é inflação?? Inflação e juros artificialmente baixos são os piores inimigo dos detentores do factor trabalho e dos aforradores e os melhores amigos dos detentores de capital e especuladores. Acho irónico que por aqui defendam tanto politicas que acabem por prejudicar aqueles que supostamente querem defender.

Anónimo disse...

belissimo texto. Ao que parece, a situação aki no Brasil não é tão aguda, o que não tornaria o conjunto da sociedade tal receptivos a ideias como essa, ainda que conte com meu pleno apoio. Portugueses e Brasileiro, ao debate!

Anónimo disse...

belissimo texto. Ao que parece, a situação aki no Brasil não é tão aguda, o que não tornaria o conjunto da sociedade tal receptivos a ideias como essa, ainda que conte com meu pleno apoio. Portugueses e Brasileiro, ao debate!