sábado, 27 de dezembro de 2008

A precisão do neoliberalismo II

A propósito de Hayek e de Keynes, José Manuel Fernandes (JMF) refere um artigo de João Marques de Almeida (JMA). Por não ser anti-capitalista, Keynes passa por mero continuador de Smith, Ricardo e Mill. Descontando as diferenças entre estes três economistas, não deixa der curioso que um dos maiores críticos da chamada «economia clássica» e das suas crenças num mercado idealizado em que «toda a oferta gera a sua própria procura», passe a fazer parte de uma qualquer tradição inventada à pressa de discípulos «do famoso modelo anglo-saxónico». Acho que Keynes se insere melhor na tradição dos chamados «novos liberais» britânicos (ou «sociais-liberais» como afirma JMA). Só que estes estavam em ruptura profunda com as tradições apologéticas do capitalismo vitoriano. Reformar de alto a baixo o capitalismo da sua época, reenquadrar a esfera financeira, combater a especulação e o rentismo (entre outras medidas, a taxação das transacções financeiras era preconizada por Keynes), e conciliar justiça social (que não era considerada uma miragem como defenderia mais tarde Hayek), amplas liberdades (só possíveis num quadro em que a questão do poder económico e das suas assimetrias surgisse com todo o destaque) e prosperidade (que requeria políticas económicas assertivas, capazes de evitar as devastações económicas causadas pelo utopia da liberdade económica). Estas eram basicamente as apostas dos «novos liberais» que não podem ser confundidos com os neoliberais como Hayek. Este espírito de reforma profunda está hoje na ordem do dia, embora o contexto seja obviamente muito diferente. Vejam esta excelente declaração de um grupo de economistas críticos norte-americanos.

De qualquer forma, estamos no bom caminho. A direita intransigente já anda a tentar digerir Keynes. JMA cita uma carta que Keynes escreveu a Hayek em 1944. Boa história intelectual. A caminho das negociações de Bretton Woods – onde proporia um plano radical para a reconstrução do sistema económico internacional que passava por controlos de capitais, por um regime comercial mais enquadrado que evitasse desequilíbrios nas relações comerciais e pela existência de uma espécie de banco central mundial e de uma moeda internacional (o bancor) – Keynes leu no transatlântico O Caminho para a Servidão que tinha acabado de sair. Chegado aos EUA, escreveu a Hayek dizendo que tinha gostado muito do livro e declarando que partilhava as suas intuições morais sobre o totalitarismo. Estávamos, ao contrário do que afirma JMF, numa época de economia de guerra onde a presença directa do Estado na economia era muito superior, mesmo nos países capitalistas, à que se regista hoje. O ponto central da carta, no entanto, surge perto do fim. Keynes critica a tese central de Hayek sobre o plano inclinado do «intervencionismo» económico que supostamente levaria à servidão.

Diz Keynes a Hayek: «Você admite, aqui e ali, que tudo se resume a uma questão de saber onde traçar a linha [a propósito do lugar do Estado]. Concorda que a linha tem de ser traçada algures e que o extremo lógico não é possível [laissez-faire]. No entanto, não nos fornece nenhuma indicação acerca do sítio onde ela deve ser traçada (...) É verdade que cada um de nós a traçaria em sítios diferentes. De acordo com as minhas ideias, você subestima a viabilidade de um caminho intermédio. No entanto, assim que admite que o extremo não é possível, o seu argumento torna-se insustentável, uma vez que nos quer persuadir de que sempre que nos movemos um milímetro na direcção do planeamento entramos necessariamente num plano inclinado que nos conduz ao precipício».

Muito do trabalho posterior de Hayek pode ser lido como uma tentativa de resposta política e filosófica a estas observações de Keynes. O neoliberalismo, como corrente intelectual, deve muito às reflexões de Hayek sobre o lugar e funções do Estado. No fim fica a pergunta: onde é que os neoliberais traçam a linha? Onde for preciso para servir os interesses das elites económicas e acabar com todos os «atavismos» socialistas. Desde Pinochet até Bush, passando por Thatcher ou por Reagan, que é, na prática, assim. Muita, digamos, flexibilidade. O resultado da vitória neoliberal foi a arrogância que o dinheiro ganha quando está concentrado, o aumento das desigualdades, a corrupção e a captura do Estado pelas elites económicas e a instabilidade associada ao predomínio das forças do mercado global. Estas forças corroem tudo, incluindo as fundações morais que sustentam qualquer sistema económico viável.

7 comentários:

Rui Fonseca disse...

OS MALEFÍCIOS DO NEO LIBERALISMO

"O resultado da vitória neoliberal foi a arrogância que o dinheiro ganha quando está concentrado, o aumento das desigualdades, a corrupção e a captura do Estado pelas elites económicas e a instabilidade associada ao predomínio das forças do mercado global. Estas forças corroem tudo, incluindo as fundações morais que sustentam qualquer sistema económico viável."

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A discussão à volta dos malefícios do neo liberalismo envolvendo o posicionamento relativo do binómio Keynes - Hayek, ou dos respectivos neos, pode ser intelectualmente estimulante mas não abrirá nunca qualquer outra janela por onde se possa vislumbrar uma oportunidade de recrear a herança de qualquer deles escalpelizando a semântica das suas palavras ou a filosofia subjacente às suas convicções. Será muito interessante do ponto de vista da história das ideias mas é muito provável que não se descortinarão outros contributos para a ultrapassagem dos muitos dilemas que continuam a colocar-se aos promotores de políticas económicas. Se a história se repete, a história económica repete-se mas as mesmas terapêuticas não conduzem a idênticos resultados. Se o Washington Consensus agudizou desastres, o keynesianismo já tinha falhado noutras situações. Mais do que discutir Keynes, ou Hayek, hoje, o que vale a pena é pensar as medidas, globais e específicas, que a ultrapassagem desta crise requer e adoptar os antídotos que possam prevenir as causas que a provocaram. Se estamos condenados a cometer erros, que eles sejam novos, a estrear.
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Era esperável, desta vez, que os neo liberais viessem em defesa da sua dama quando esta tivesse resvalado e que os neo marxistas retemperassem forças e viessem reclamar outra vez as razões do patrono. A dialética entre os extremos neste rodeo cinge-se à expectativa das partes no derrube da parte contrária.
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Esta crise, para além da crise de confiança que sempre paira sobre todas as crises económicas foi, senão originada, muito potenciada pelos abusos de confiança, de vária ordem e grandeza, de muitos agentes fianceiros. Mas é muito claro que não podem assacar-se ao neo liberalismo o exclusivo dos malefícios que lhe registam no cartório. São por demais evidentes as ocorrências dos mesmos factos perversos em ambientes de inspiração oposta. Por outro lado, o alargamento do perímetro do Estado não garante, bem pelo contrário, a redução daqueles abusos, e temos entre nós muitos exemplos que lamentavelmente o confirmam de forma ineludível.
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Não há nada a fazer? Há muito a fazer.
Desde logo a adopção de medidas e sanções que fortemente desmotivem a repetição dos actos que potenciaram esta crise. Crise que é, sobretudo, uma crise de democracia no sentido de que os cidadãos estão afastados da supervisão dos seus interesses. Para dar um exemplo: Os fundos de pensões, criados para garantir a subsistência dos cidadãos após a vida activa, não deveriam conter, sob razão alguma, activos não garantidos e os participantes, ou seus delegados, deveriam escrutinar de forma permanente a evolução dos portfólios respectivos.
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No rescaldo da Grande Depressão foi instituído nos EUA o The Glass-Steagall Act de forma a prevenir a utilização da banca de depósitos em operações especulativas. O sistema funcionou bem, protegendo a economia de crises financeiras, até à década de 80, quando a emergência de bancos de poupança e empréstimos para habitação provocou a falência de um deles e uma enorme factura de cerca de 5% do GDP teve de ser paga pelos contribuintes norte-americanos.
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Há, realmente, muita coisa a fazer. Repor o espírito do The Glass-Steagall Act é uma delas.
O outro será a extinção de offshores. Mas se esta for uma acção impossível, deveriam os bancos também distinguir-se entre os que operassem com offshores e os que não o fizessem.
Afinal se há proibição de fumar em recintos públicos, proibição que aconteceu em ambiente neo liberal, porque não obrigar os bancos a optarem por alinhar dentro ou fora de áreas de confiança conhecidas?

Anónimo disse...

Os economistas , hoje , deviam ter um papel muito simples : desenvolver e divulgar o conceito de "enriquecimento sustentável". O ser humano é ávido , nada a fazer. Deveis avisá-lo que à formas de enriquecer devagarinho , sustentadas no tempo , sem ter como sócio maioritário a banca e sem explorar os recursos ,seja humanos , seja materiais , de uma vez só ,até à exaustão , acabando sem nada no fim.
Não podeis continuar a formular teorias esperando que os humanos encaixem nelas ; tendes apenas que lhes corrigir os erros. A contenção da avidez parece-me boa ideia.

Anónimo disse...

Credo!!" que há formas" , leia-se , por favor. Desculpem.

L. Rodrigues disse...

Anónimo,
cheira-me que houve religiões que tentaram o mesmo.
O desafio é fazer isso em liberdade.
O "paternalismo libertário" enquanto abordagem, poderá ser interessante para tal.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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