quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Deflação?

Num interessante discurso dado na Federal Reserve, em 2002, um notável economista chamava a atenção para os perigos de um período deflacionário: 1- os juros, não descendo abaixo do zero, aumentam em termos reais, tornando o crédito (e o investimento) mais caros; 2- as dívidas tornam-se maiores - uma situação já bem explicada aqui; 3 - com a descida generalizada dos preços, os consumidores adiam as suas compras na fundada esperança de os preços continuarem a cair, deprimindo a procura.

Este economista defendeu que, numa tal situação de risco, a política monetária não ficaria limitada à descida da taxa de juro até ao zero e às injecções de liquidez. A partir desse momento, o Fed deveria começar a “imprimir” moeda de modo a financiar as injecções de capital no sistema bancário e os défices da política fiscal que, entretanto, o governo seria obrigado a promover. Como assinala o artigo do The Guardian que me chamou a atenção para o discurso, os governos comportar-se-iam como muitos dos regimes autoritários dos anos setenta e oitenta na América Latina.

Além do conteúdo muito interessante do discurso, o que importa sublinhar é o nome do economista: Ben Bernanke, actual presidente do Fed. O discurso está aqui.

Perante os actuais riscos deflacionários, Bernanke parece estar à altura do que antes defendeu. Como a The Economist assinala, o Fed há muito que abandonou as abordagens convencionais. Actualmente, a autoridade monetária norte-americana chega mesmo a substituir-se à banca, através de um programa de compra de hipotecas imobiliárias. O Fed está, assim, a emprestar directamente aos consumidores. Uma situação que o próprio Bernanke achava difícil no discurso de 2002.

É certo que o financiamento dos défices através da impressão de moeda ainda não é uma realidade. Lá chegaremos.

2 comentários:

Luís disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís disse...

A tentação da teoria num problema mal resolvido. um embaraço.

1.Indo directo ao assunto - o FED não pode simplesmente imprimir moeda para acorrer a tudo e a todos. Isso é já subverter todo o problema - isso é o que faz o Zimbabué.

2.Não quer dizer que historicamente isso não tenha sido feito - desde os países da américa latina até Portugal na Primeira República, Alemanha pós 1ª Guerra.. mas aí acorria-se, em última análise, a um desequilíbrio da balança externa de pagamentos (que traduz já uma falência económica), coisa com que os EUA ainda não se deparam - os fluxos de capitais em direcção aos EUA mantêm-se - o que lhes permitem dispor de grande parte da poupança mundial que quer ser "dólares"; por isso não precisam de imprimir directamente moeda... porque ainda há contrapartes credíveis que fazem esse papel. Enquanto dispuserem de virtualmente de toda a poupança mundial que quiserem o sistema não vem abalado - e isso é de facto a fides que mantém todo o sistema monetário internacional.

3. Um keynesianismo voluntarioso quer de facto acorrer à crise sem olhar de frente para este problema central: num pequeno texto de 1931 (The Great Slump) de J. M Keynes parece no entanto que Keynes ainda atende a esse facto como sendo fundamental: "It is beyond the scope of this article to indicate lines of future policy. But no one can take the first step except the central banking authorities of the chief creditor countries; nor can any one Central Bank do enough acting in isolation. Resolute action by the Federal Reserve Banks of the United States, the Bank of France, and the Bank of England might do much more than most people, mistaking symptoms or aggravating circumstances for the disease itself, will readily believe. In every way the more effective remedy would be that the Central Banks of these three great creditor nations should join together in a bold scheme to restore confidence to the international long-term loan market; which would serve to revive enterprise and activity everywhere, and to restore prices and profits, so that in due course the wheels of the world's commerce would go round again." --- a insistência em designar os países credores, note-se. Mas quem são hoje os países credores ? A realidde está profundmante alterada, e Keynes nunca imaginaria a finança globalizada de hoje... Não obstante, os EUA têm uma grande dívida perante o mundo; Portugal perante a Europa..


4. A moeda não será o nosso bem mais precioso. Os Clássicos - Adam Smith, Ricardo.. Marx - não lhe imputavam qualquer influência na esfera real - "a moeda véu" - coisa que os neoclássicos tb adoptam mas num contexto profundamente diferente - porque enquanto que para os primeiros haveria uma "substância" (Mirowski) que seria o verdadeiros sustentáculo das trocas, para estes últimos a realidade vem estilhaçada nos "factos autónomos" de mercado - o preço tem a sua referência no custo - o custo tem a sua referência onde? - uma natureza tecnológica apriorística, traduzida numa função matemática.

5. Mas a moeda? e a moeda ? Marx - ouro, a medida exacta regulada pelo valor-trabalho. Friedman - o nosso bem mais precioso, a exacta medida regulada por um B. Central esclarecido; nenhum estava certo. O resto a história conta - hiperinflação; crises financeiras; especulação cambial; e hoje: um endividamento sem horizontes!