sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Apanhados na armadilha da crise


Evidentemente, isto não vai lá com apelos mais ou menos diplomáticos do Ministro das Finanças, nem se resolve apenas em Lisboa. Inovação e ousadia nas decisões do actual Governo (afinal, estamos ou não em “condições excepcionais” ?), aliadas à construção de um grupo de pressão no seio da Zona Euro, fazem parte de uma atitude pró-activa que não tenho visto. Apenas vejo seguidismo: agora o défice já pode ir até aos 3%; há poucas semanas … teria sido nocivo para a nossa imagem ! Pois bem, eu digo: em 2009 o défice vai passar muito além dos 3% e seria bem melhor que isso tivesse acontecido no âmbito de uma política orçamental pensada à medida da gravidade da crise, como o vai fazer Obama nos EUA, em vez de ser o resultado de uma dinâmica de crise a que a política tentará reagir como até agora, por defeito e atrasada.

Como diz Krugman, em economia de depressão prudência é loucura.

Pergunto-me quanto mais teremos de nos afundar até que a UE derrogue (na prática) a sua “constituição económica” neoliberal? Há pelo menos duas propostas de saída para a actual situação keynesiana de "armadilha da liquidez":

1) Willem Buiter, professor na London School of Economics defende (aqui e aqui), além do juro zero, injecção de liquidez através da compra em larga escala pelo BCE de títulos ao sector privado, e aos governos, com monetarização da dívida pública. Quando a retoma fosse visível, far-se-ia a rápida reversão desta política pró-inflação. É a orientação actual da Reserva Federal dos EUA. Por lá não se governa com apelos, age-se com autoridade.
2) Jean-Paul Fitoussi, director do OFCE, defendeu recentemente a nacionalização da banca. Foi o que os Coreanos fizeram durante a crise asiática. Mais tarde venderam com lucro. A mesma saída também foi defendida por Paul De Grauwe, professor da Universidade de Lovaina.
Entendo que a UE deve usar as duas vias, de forma articulada e numa escala que não peque por defeito. Passada a crise, Portugal deveria ficar com dois grandes bancos públicos porque, como se vê, a banca é um “sector estratégico”: concede crédito à economia, sem o qual esta colapsa. Felizmente, os cidadãos começam a perceber que os seus empregos não podem depender de um sistema financeiro que, sendo apenas negócio de privados, desconhece o interesse público.

Ainda assim, a política monetária é insuficiente. É preciso na UE uma política orçamental federal. Uma intervenção única tem efeitos que superam os da soma das intervenções dos estados-membros (ver aqui).
E se a Alemanha não deixar (ver opinião de Krugman)? Pois bem, nesse caso ficaremos à espera da retoma nos EUA para “ir à boleia”. É um cenário possível, admitido por Martin Wolf, mas não é o único. Outro cenário possível é o do desmoronamento da Zona Euro (ver aqui). Oxalá eu esteja a ver mal a situação em que nos encontramos.

NB: Para informação dos socialistas “modernos, democráticos e moderados”, os macroeconomistas acima referidos não são esquerdistas radicais e antidemocráticos. Apenas sabem pensar com algum espírito crítico o que, em tempos de pensamento único, é notável.

8 comentários:

Pedro Bingre do Amaral disse...

Por um lado, se Portugal e Espanha saíssem da zona euro (regressando ao Escudo e à Peseta), recobrariam a sua soberania monetária e poderiam forçar uma desvalorização da moeda de modo a incrementar exportações e reduzir importações; tal seria benéfico para a nossa balança comercial. Por outro lado, dado que muita da nossa dívida financeira foi contraída em euros junto da banca alemã para respaldar créditos hipotecários, essa mesma dívida seria agravada pela desvalorização do neo-escudo e, portanto, resultaria numa hecatombe terrível das famílias hipotecadas. Entretanto, aqueles que enriqueceram nas últimas duas décadas de bolha imobiliária à custa dessas famílias — os especuladores imobiliários — passariam incólumes por esta ordália.

Neste contexto seria interessante, e justo, e oportuno, que o Estado Português alterasse o seu regime tributário segundo o sistema do "Land Value Tax" proposto por Henry George: agravando muito os impostos imobilários (sobretudo aos imóveis especulativamente devolutos, que são mais de um milhão) e reduzindo drasticamente os impostos sobre o rendimento e o consumo. Se tal fosse bem executado, o erário público poderia aprovisionar-se de modo justo com a riqueza especulativamente obtida pelos fautores da nossa crise, ao mesmo tempo que aliviava as misérias das suas vítimas. Propus esta mesma medida no debate sobre Cidades do fórum "Democracia e Serviços Públicos".

Sugiro-vos que leiam os artigos de opinião do professor Mason Gaffney, da Universidade da Califórnia (http://www.masongaffney.org). Grande especialista em economia imobiliária, é talvez uma das vozes melhor preparadas para perceber a fundo a etiologia imobiliária desta crise e as suas soluções.

A massa monetária que falta ao sistema foi apropriada por especuladores *imobiliários*. É, por isso mesmo, ao sector *imobiliário* que se deve ir recuperar os réditos perdidos. Melhor do que actuar sobre os efeitos da crise é actuar sobre as suas causas!

Anónimo disse...

Obrigado Pedro!
Contributo excelente para o debate.
Aparece por aqui mais vezes.
Abraço e votos de Boas Festas

Anónimo disse...

Está tudo muito bem.
Mas o problema é que, e toda a gente já viu que o denominado PS( o tal que é popular, moderado e da esquerda moderna.?????. enfim...), está pouco interessado nessas coisas de melhorar a vida das pessoas e tal. Não. O que lhes interessa é salvar os ricos, os especuladores, a gatunagem(tipo GALP) e outros quejandos.

Anónimo disse...

Injetar liquidez no mercado para quê?

O nosso país consome de mais. Endivida-se ao estrangeiro de ano para ano para financiar o consumo excessivo. Para que se pretede injetar liquidez, para estimular ainda mais consumo? Para que as pessoas comprem mais casas e mais automóveis?

O que os bancos têm feito ao longo dos últimos anos com a liquidez, tem sido sobremaneira fornecer crédito ao consumo, e não ao investimento produtivo. Se lhes fosse agora fornecida mais liquidez, seria isso que eles voltariam a fazer.

O que pretende o autor deste post? Prolongar uma forma de economia que depende de forma vital do crédito ao consumo? Uma economia que só funciona bem quando as pessoas consomem a crédito?

Outra questão: há indicações reais e concretas de que haja problemas no mercado de crédito? Ou seja, há indicações eais e concretas de que os bancos estejam atualmente a forncer menos crédito do que forneciam há, digamos, dois anos atrás?

Luís Lavoura

Anónimo disse...

Pedro Binge,

como define Você "imóveis especulativamente devolutos"?

Um imóvel desocupado é necessariamente "devoluto"? Quem lhe assegura que o proprietário desse imóvel não está de facto interessado em rentabilizar esse imóvel, mas não o consegue por não haver procura?

As casas desocupadas nas aldeias desabitadas da serra da Lousã podem ser classificadas como "especulativamente devolutas"? Se calhar os seus proprietários gostariam de as vender ou arrendar - mas não há ninguém que esteja interessado.

As casas novas por vender que abudam nos subúrbios, também estão "especulativamente devolutas"? Quem lhe assegura que elas não estejam por vender precisamente porque ninguém as quer comprar, ninguém tem dinheiro para as manter?

Você acredita que há procura para todas as propriedades "especulativamente devolutas" que há por esse país fora?

Não será cruelmente injusto taxar uma propriedade da qual, de facto, o seu proprietário não se consegue livrar?

Luís Lavoura

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

It seems the culture of different countries, decided everyone in the same things on different views, however, write a good article!

Anónimo disse...

After reading the information, I may have different views, but I do think this is good BLOG!