quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Meios e fins

Portugal atingiu o grande desiderato nacional de um défice orçamental inferior a 3%. Sócrates dá os parabéns aos portugueses (a que portugueses?) e os intelectuais orgânicos do socratismo exultam. O desígnio é fácil de vender. Faz-se o demagógico paralelismo com a economia familiar, já que ninguém considera desejável gastar mais do que se tem. Por isso, quanto menor for o défice, melhor para o país.

Mas também não é difícil perceber que, num contexto de fraco crescimento económico, conduzir uma política orçamental virada para a redução do défice só contribui para a deterioração da nossa economia. Os cortes no investimento público e a estagnação salarial não são compensados por uma hipotética confiança nas contas públicas que Sócrates pateticamente anuncia como o grande catalizador do nosso crescimento económico. Os socialistas submetidos às forças cegas do mercado. Mais uma vez. Os fins - combate ao desemprego e promoção da igualdade - ficam para a próxima.

8 comentários:

NC disse...

Lá está!

Público bom: «Mas também não é difícil perceber que, num contexto de fraco crescimento económico, conduzir uma política orçamental virada para a redução do défice só contribui para a deterioração da nossa economia.»

Privado mau: «Os socialistas submetidos às forças cegas do mercado.»

Filipe Melo Sousa disse...

Esquecem-se de referir quem paga o equilíbrio das contas. Uma vez que a "estabilidade" orçamental é obtida através do aumento das receitas, e não da redução da despesa.

Passo os delírios keynesianos aos quais chamam aqui de investimento público.

Fábio disse...

Mas os défices orçamentais, ano após ano, não podem conduzir a um aumento da dívida pública? E o aumento da dívida pública não coloca problemas? Há 25 anos atrás o "maior" Ministério não era o dos juros da dívida pública? Não precisa de responder, se não souber! Cumprimentos.

Nuno Teles disse...

Os défices por definição não conduzem necessariamente a um aumento da dívida pública. Tudo depende da taxa de juro, do crescimento económico e do nível de divida pública.

Mas a questão aqui não é essa. O défice deve ser entendido como um instrumento que permite uma "suavização" dos ciclos económicos. De uma forma simplista, deve ser reduzido em tempos de expansão e aumentado em tempos de recessão/estagnação. Portugal está a fazer o contrário.

Fábio disse...

O défice orçamental, salvo o erro, é uma variável fluxo que vai acumulando na variável stock dívida pública. A dívida pública pode aumentar mas o rácio da dívida pública para o PIB manter-se constante ou mesmo diminuir. Nas Previsões da Primavera da Comissão Europeia apontava-se para o rácio dívida pública/PIB continuar a aumentar este ano e no próximo, apesar da redução do défice orçamental.

Fábio disse...

Análise anti-cíclica da política orçamental? Mas isso é keynesianismo puro e duro! Medina Carreira há uns dias observava que na nossa economia integrada na UE uma expansão orçamental traduz-se sobretudo no aumento das importações, ou seja, na exportação do expansionismo para outras paragens.

Nuno Teles disse...

Tudo o que o Fábio diz está correcto.
Hoje a política orçamental é menos eficaz, sobretudo em países com uma economia pequena e aberta como é a de Portugal. Daí a necessidade de um verdadeiro orçamento europeu (mais do que o actual 1% do PIB europeu), que possa incorrer em défices.
Importa também não perceber um aumento do défice com um automático financiamento de economias estrangeiras. Tudo depende como se gastam os dinheiros públicos...

Mas nada disto invalida o que afirmo. Políticas de combate ao défice em tempos de estagnação económica só nos condenam a essa mesma estagnação. Os últimos seis anos são eloquentes, com um período de expansão (moderada) da economia mundial a "passar ao lado" do nosso país. A almofada orçamental continua a fazer sentido.

Fábio disse...

Suponho que não nos vai dizer que para combater o desemprego é preciso aumentar o emprego público...

Parece que o orçamento da união europeia é apenas 1% do PIB porque existe um princípio da subsidiaridade, que manda os governos nacionais tratarem dos respectivos orçamentos. Se o orçamento da UE aumentar, também aumenta o centralismo europeu.