sexta-feira, 15 de junho de 2007

Troca de mimos

As empresas cotadas na bolsa portuguesa voltaram a ser generosas com os seus accionistas, pagando dividendos na ordem dos 2,29 mil milhões de euros escrevia ontem o Jornal de Negócios. É um aumento de 12% face ao ano passado e representa 41% dos lucros registados no ano passado.

Curiosamente, é o mesmo aumento dos salários dos administradores das vinte maiores empresas cotadas na bolsa portuguesa. Os lucros esses só aumentaram 2,5%. É interessante assistir a esta troca de mimos entre administradores e accionistas. O problema é que a riqueza não é elástica e se os lucros aumentam 2,5%, mas os salários dos administradores e os dividendos dos accionistas crescem 12%, isso indicia que a proporção do valor criado que vai para os trabalhadores em forma de salário (já nem falo noutros direitos e regalias sociais nem do investimento da empresa) terá diminuído face ao ano anterior. É apenas mais um sintoma do que se está a passar em todos os países desenvolvidos e reflecte o progressivo enfraquecimento dos trabalhadores e das suas organizações no ringue da luta de classes.

16 comentários:

Ricardo G. Francisco disse...

Luta de classes...you wish

Sintomático de que os trabalhadores já não acreditam na história da "luta de classes " é a perda de força dos sindicatos. Culpa dos partidos de extrema esquerda.

Em vez de defenderem os interesses dos trabalhdores que deviam representar, defendem interesses de marxistas que ainda não acordaram para a realidade.

GCS disse...

É verdade que a luta de classes não existe hoje, mas se as coisas continuarem neste rumo muito certamente voltará a existir...

GCS

Carim disse...

Em parte isto deve-se ao espectro da deslocalização que paira sobre os trabalhadores ocidentais. Os empresários simplesmente têm poder para meter os trabalhadores reivindicativos na ordem e cuspir nos seus direitos inalienáveis, que tanto custaram a adquirir, ameaçando com a deslocalização para esse paradoxal paraíso do mercado de trabalho neoliberal: a China. Trabalho escravo, ausência de sindicatos livres, desregulação do mercado de trabalho.

José M. Sousa disse...

Em relação ao que disse Carim, ao que eu sou sensível, quero no entanto salientar que o problema da deslocalização é mais complexo e vai para além do regime autoritário da China. A Índia é um caso interessante: é uma democracia real, com sindicatos fortes e independentes e representa um fortíssimo competidor nas áreas do conhecimento. Recomendaria "China e Índia" de Federico Rampini - Editorial Presença

José M. Sousa disse...

Caro Ricardo

è pena que os sindicatos, em muitos casos de facto, tenham perdido credibilidade. Porque o próprio sistema capitalista precisa deles. Se a concentração de riqueza e rendimento continuar indefinidamente, a quem irão os capitalistas vender os seus produtos? Ford percebeu isso! Outros são cegos e caminham para a autodestruição.

L. Rodrigues disse...

Luta de classes, sim. E não foram os trabalhadores que quebraram o cessar-fogo. Como aqui foi dito, é uma questão de tempo.

marimarieke disse...

A luta de classes sempre existiu e sempre existirá pela simples razão destas terem interesses estruturalmente antagónicos. A social -democracia encontrou algumas formas de suavizar esses antagonismos, mas à medida que o neoliberalismo vai ganhando terreno, os consensos sociais vão, mais cedo do que tarde, estalar.

alfet disse...

e porque razão não poderão ser os trabalhadores também accionistas? (como muitos já são?) E que mal tem que as empresas privadas distribuam o seus lucros como bem lhes apetece (o mesmo não direi das públicas...)?

marimarieke disse...

alf,

Claro que os trabalhadores podem ser accionistas. Não tenho nenhum princípio contra isso. Mas essa opção nem sequer se coloca para o o trabalhador médio que tem um salário de 700 euros, do qual pouco sobra ao fim do mês.

E as empresas não podem distribuir os lucros da forma que lhes apetece da mesma maneira que os trabalhadores não podem trabalhar como lhes apetece ou recebendo aquilo que lhes der na veneta. As empresas privadas não podem distribuir os lucros como bem lhes apetece porque boa parte dessa riqueza resulta do factor trabalho, ou seja, do contributo do trabalhador. Por issso, se é natural que o accionista ou proprietário exija ver o seu capital devidamente remunerado, é também compreensível que o trabalhador procure que o seu trabalho seja bem pago. E é a esta contradição incontornável que se chama luta de classes. Alguns de nós tendem a colocar-se do lado do trabalhador outros preferem o lado do capitalista (neste segundo grupo incluem-se aqueles que dizem que fingem não ver a luta de interesses entre patrões e trabalhadores).

Ricardo G. Francisco disse...

Cara Marimarieke,

Engana-se.

Não vejo luta de classes, excepto a criada arificialmente.

Vejo conflictos de interesses nas empresas. E vejo muitos expecialmente em empresas com gestores miopes que tambem alinham na lógica da "luta de classes". As pessoas não são máquinas e um pessoa que trabalha com vontade com o "animus" trabalha muito melhor. Por isso a gestão moderna traz o trabalhador para perto do acionista de várias e diversas formas. Tambem por isso não há sindicatos manipulados pela extrema esquerda em empresas bem geridas (na óptica do acionsita, não na óptica marxista).

Uma das formas de alinhar o trabalhador com o acionista é na partilha de resultados ou mesmo na partilha do capital social da empresa. Algumas empresas aplicam esta lógica para todos os níveis de trabalhadores. A Auchan em Portugal é um bom exemplo.

Os trabalhadores e os acionistas têm interesses em comum. Tambem têm conlictos. A questão é de como alinhar ao máximo os interesses de ambos em liberdade. E isso é possível e desejável como a História o tem demonstrado.

Ricardo G. Francisco disse...

Caro J. M. Sousa,

Os sindicatos são importantes. Especialmente em empresas com muitos trabalhadores. Os sindicatos politizados não. Os sindicatos deviam defender os interesses dos trabalhadores associados. Os sindicatos politizados defendem os interesses de um partido político.

Sindicatos politizados são do pior que pode acontecer aos trabalhadores. Podem ser o caminho mais curto para a inviabilização da empresa. E depois vem o desemprego...

JMS disse...

"Os trabalhadores e os acionistas têm interesses em comum."

Por isso é que a cada fusão de empresas e subsequente vaga de despedimentos as acções sobem até à estratosfera e os grandes accionistas nem sabem o que fazer à nova fortuna que de manhã para noite lhes caiu nos cofres, sem maçada nem trabalho nenhum. Mas os despedidos, que ganharam com isso? Nada. E quem vai suportar os custos do despedimento? A segurança social, ou seja nós todos. Assim é fácil fazer dinheiro.

Ricardo G. Francisco disse...

jms,

Não percebi o seu ponto. Por existirem fusões e despedimentos acha que acionistas e empregados não interesses em comum, é isso?

Quando se usa "lógica fora do main stream" perco-me...

JMS disse...

Eu diria que, pelo menos neste caso (que não é, convenhamos, assim tão raro nos tempos que correm) os interesses dos accionistas e os dos trabalhadores coincidem muito pouco...
Mas de certeza que o Ricardo há-de ter uma teoria que prova exactamente o contrário...

Ricardo G. Francisco disse...

jms,

Voltando à lógica "mainstream". A lógica aristotélica.

Eu disse que os interesses dos trabalhadores podem estar alinhados ou não com os dos acionistas. Uma situação óbvia em que os interesses não estão alinhados é no caso de despedimentos. Embora os trabalhadores que ficam tenham interesses alinhados com os do acionistas. Existem vários casos práticos em que a fusão de 2 empresas prontas a falirem, levando todos os trabalhadores ao desemprego, originou uma empresa sólida com metade da soma dos empregos originais. Isto é mau para quem?

São os tais movimentos de pareto que indignam alguns economistas de combate. Combate à realidade e á lógica aristotélica.

Não vejo como é que isto nega a minha afirmação.

Ricardo G. Francisco disse...

jms,

um quiz:

http://small-brother.blogspot.com/2007/06/quiz-2.html