quarta-feira, 6 de junho de 2007

Propriedade Intelectual (I) ou A Economia Política do Pinguim


O Software Livre (FLOSS – Free\Libre\Open-Source Software) está a crescer. Certos mercados de software, como o dos servidores de Internet, são mesmo dominados por programas de FLOSS (Apache). Junto do utilizador comum a sua progressão tem sido mais lenta devido à permanente ofensiva da Microsoft - amarrados ao Windows aquando da compra do nosso computador, a migração para sistemas operativos livres (como o Linux, cujo o símbolo é o Pinguim acima reproduzido) torna-se demasiado custosa. Ainda assim, é notável o sucesso do browser Mozilla Firefox, com milhões de downloads feitos desde o seu lançamento.

Duas características tornam este tipo de software particularmente interessante para um economista:

A primeira é filosofia contrária à propriedade intelectual que lhe é subjacente. Este tipo de software não pode ser patenteado, estando protegido contra esta eventualidade através de uma licença ironicamente intitulada copyleft). Assim, ao estar publicamente disponível o código-fonte (linhas de programação) deste software, pode ser facilmente modificado e adequado às necessidades de cada um (desde que saiba programar). Como afirmou um dos dirigentes da Microsoft, Steve Balmer: "o Linux é como um cancro que se instala na propriedade intelectual de tudo aquilo que toca".

A segunda é o modelo de produção em que este tipo de software é desenvolvido (baptizado "peer-production" por Yochai Blencker). O software é sobretudo construído através de contribuições voluntárias de milhares de programadores cujas motivações são várias (vontade de aprender, participação numa nova forma cooperativa de produção, ódio à Microsoft, etc), mas onde, de uma maneira geral, as motivações pecuniárias estão ausentes. Este tipo de produção será potencialmente mais eficiente por dois motivos:
1- estando o código-fonte publicamente disponível, os erros de programação (bugs) são facilmente identificados pelos milhares de voluntários de cada projecto;
2- cada voluntário dedicar-se-á a tarefas de programação onde a sua participação seja mais valiosa. Não são necessários nem preços, nem ordens superiores para a afectação de recursos.

A tradicional dicotomia na coordenação da produção entre a empresa e o mercado fica assim ultrapassada neste modelo de criação onde a propriedade dos meios de produção (computadores e software) está descentralizada. São os ideais socialistas e liberais juntos num único modo de produção!

Notas finais: A "peer-production" pode ser facilmente identificada em outros produtos que não o software. Este blogue cai facilmente nesta definição. Esta posta foi inspirada pelas postas recentes sobre software livre do Bitoque.

7 comentários:

Eratosthenes disse...

Vim aqui ter de paraquedas, pelo que não conheço o vosso 'background' técnico. Permitam-me neste cantinho apenas apontar que a coisa não é tão simples assim.

1. O software livre pode ser patenteado sim, senhor. A única coisa é tais patentes são automáticamente sujeitas a uma licença grátis de utilização. A utilidade prática é patentear para impedir que alguém obtenha uma patente "comercial" sobre essa ideia.

2. Nem todo o software é peer-produced. Essa é aliás a maior falácia sobre o FLOSS. Geralmente existe um lider forte (habitualmente o fundador) à qual se junta uma pequena equipa de colaboradores próximos e, no caso dos projectos mais bem sucedidos, existe uma nuvem de colaboradores esporádicos que ajudam a construir o produto. Além disso, muitos dos projectos são suportados por empresas (no caso do Mozilla, foi essencial o apoio da antiga Netscape ao doar código e recursos humanos).

Nuno Teles disse...

Eratosthenes,

A patente serve para garantir a exploração comercial exclusiva de um inventor. O que explica no ponto 1 é precisamente a ideia do GPL (General Public License). Não é patenteamento!

Tem razão no segundo ponto: nem todo o FLOSS é peer-produced. Mas a maior parte é. Não se pode é confundir peer-production com ausência de hierarquia, que existe claramente neste esquema. o que acontece é que tal hierarquia tem de ser aceite pelos participantes, sob o risco de estes abandonarem o projecto. A existência de lideranças demasiado arbitrárias não é assim desejável. Veja-se o caso do Linux e dos linus torvald, que sendo o líder, pouco mais é do que um garante último da sobrevivência do projecto.

O caso do Mozilla é muito engraçado. Foi iniciado pela Netscape, mas com uma licença algo distante do GPL, o que ditou o falhanço do projecto no seu estádio inicial devido ao escasso numero de voluntários. A netscape viu-se assim obrigada a lançar uma nova licença...e o resto é já conhecido.

Ricardo G. Francisco disse...

Os programadores livres têm motivações económicas.

Reconhecimento garante maiores rendimentos.

Ainda bem.

Se não fosse o Estado a promover de todas as formas possíveis e imaginárias a guerra contra o software livre, onde estaríamos nós.

baldassare disse...

Nuno,

Tenho uma questão que me intriga há um tempo, enquanto utilizador de Mozilla FireFox.

Como é que estas empresas de FLOSS ganham dinheiro? O que é que motiva um capitalista a criar um free-ware?

Em parte, já respondeste no teu post, mas eu duvido que isso seja assim tão perfeito.

Será que estas empresas fazem estes programas para nos espiar, para sacar informação para bases de dados, posteriormente utilizadas em estudos de mercado ou outras actividades estatísticas?

A informação é o ouro deste século. É o que mais vende. As empresas querem informação, os economistas necessitam de informação, todos querem saber o mais possível sobre cada um de nós.

Não estou a levantar suspeitas, estou a perguntar se não achas que é possível que a disponibilização gratuita de, por exemplo, um browser muito superior ao Internet Explorer (que é pago), pode ter outros motivos para além de "vontade de aprender, participação numa nova forma cooperativa de produção, ódio à Microsoft".

Já para não falar dos 2 Gb gratuitos do GMail...

Eu tenho medo deste século...

João Branco (JORB) disse...

baldassare , estás a confundir tudo. Free Software e freeware são coisas muito diferentes. Free Software é traduzido para Software Livre e Freeware é traduzido para software grátis.

Como é que o primeiro é produtivo-lucrativo? A criação de estruturas de conhecimento disponíveis a todos beneficia a sociedade em geral, apesar de ser difícil concentrar este lucro numa entidade. Exemplo: o túnel da mancha trouxe indubitavelmente grandes lucros e no entanto a empresa que o geria quase faliu. A publicação das leis de Newton não se traduziram em espectaculares rendimentos para este Físico mas trouxeram produtividade ao mundo todo.

A wikipedia é outro exemplo de uma ferramenta que trouxe imensa produtividade ao mundo mas quantizar esse lucro e concentrá-lo é difícil.

Quanto à tua outra questão "preocupante":

O Free Software nunca poderá ser utilizado com fim de prejudicar o utilizador sem o seu conhecimento (porque com este software o utilizador tem acesso ao código fonte e sabe o que está a utilizar). O mesmo não é verdade com software proprietário como o Windows.

E a outra:

A Mozilla até à pouco tempo era uma organização sem fins lucrativos (como a IKEA, já agora) e paga aos seus empregados principalmente através de doações e mais recentemente recebe dinheiro da Google por incluir este motor de pesquisa integrado no browser.


Quanto ao freeware, software grátis , existem mil e uma razões capitalistas para distribuir gratuitamente software:
- a microsoft inclui o browser "explorer" de graça com o seu software windows. Neste caso a gratuitidade do primeiro é um brinde a quem compra o segundo.
- o microsoft messenger pode sacar-se de graça, pagando o seu desenvolvimento com publicidade.

Existem aqui duas discussões bastante distintas que importa delimitar desde o início: a do software livre (o que significa que o utilizador tem liberdade de o conhecer e o modificar, não sendo necessariamente gratuito) e a do software grátis (que pode ser proprietário como se viu nos exemplos que dei).

Ricardo Francisco: Os programadores livres, na sua maioria, não programam software livre por razões económicas. Isso garanto-te. Por não concentrar riqueza e mais, por incentivar a sua distribuição (pense-se wikipedia vs encarta), a programação de software livre não é incentivada pela ganância.


Quanto ao papel dos Estado, é dual: há estados que são esbirros das mega-corporações proprietárias de software, que usam os seus programas obscuros, compromentendo a segurança nacional até. Repara-se que o estado português, ao usar sistemas windows na administração pública, está sujeito a que a microsoft a bloqueie.
Outros promovem a utilização de software livre por ser mais barato, mais seguro, e criar competências nacionais.

Nuno Teles disse...

partilho do que já foi dito pelo joão. só mais uma nota.

A maior parte das empresas associadas ao FLOSS e, já agora, das empresas de software em geral, têm o grosso das suas receitas na assistência e consultoria que prestam aos utilizadores dos seus programas. Não tenho a certeza, mas penso que mesmo a Microsoft cai dentro deste grupo.

Sobre motivações, amanhã escrevo mais alguma coisa.

Samir Machel disse...

Este assunto já foi abordado no bitoque aqui:

http://obitoque.blogspot.com/2007/06/richard-stallman-e-software-livre.html

http://obitoque.blogspot.com/2007/06/software-livre-continuao.html