sexta-feira, 15 de junho de 2007

O partido da privatização

«Pela resolução, prevê-se a transformação da Estradas de Portugal, admitindo-se a abertura do seu capital a privados e permitindo a obtenção no mercado de melhores soluções de financiamento». Ao mesmo tempo as suas receitas e as despesas poderão deixar de contar para o défice.
Os absurdos constrangimentos orçamentais impostos por Bruxelas são o pretexto para a criatividade orçamental que só diminui o escrutínio público da actividade destas instituições. A adesão do PS à política da privatização sem fim faz o resto.

20 comentários:

Hugo Mendes disse...

Li bem?: "absurdos constrangimentos orçamentais". Esta lógica está mesmo a pedir uma "tax revolt" pelo eleitorado...

Já agora:
"social democrats trade-off the abolition of private property of the means of production for cooperation of capitalists in increasing productivity and distributing its gains."

Adam Przeworski, New Left Review I/122, July-August 1980

João Rodrigues disse...

Como se vê na Europa...

João Rodrigues disse...

Aliás essa citação é ja de um outro tempo e para uma outra social-democracia que colocava limites à expansão da apropriação privada...

Hugo Mendes disse...

Melhor: como se viu, no passado, na Europa social-democrata que construiu, depois da II Grande Guerra, os mais generosos Estados sociais do mundo. É que convém não esquecer que não se fizeram a partir de dívida pública insustentáveis. Os orçamentos nacionais eram positivos e a inflação razoavelmente controlada. Nenhuma "Golden Age" foi construída com contas públicas descontroladas - nem, parece-me claro, sê-lo num qualquer futuro. O Estado social deve pagar-se a ele próprio (e aqui convém não misturar com Estado-empregador com Estado social).

Hugo Mendes disse...

Na social-democracia escandinava as grandes empresas nunca foram públicas, pela simples razão que eram os seus lucros que pagavam as transferências sociais. O que é o mesmo que dizer que não podemos ter o bolo na mesa e comê-lo ao mesmo tempo.

João Rodrigues disse...

Não sejamos demagógicos. Quando o crescimento económico é robusto é fácil alcançarmos situações folgadas. O drama é que muita gente parece estar convencida que o objectivo do eq. orçamental é uma condição para o crescimento. O contrário talvez seja verdadeiro.

A questão não está obviamente em termos contas públicas descontroladas, a questão está em haver capacidade para realizar políticas económicas contra-ciclicas de relançamento económico em momentos de crise. Coisa que o arranjo do PEC não permite. Vários economistas reconhecem isto. Vê o link do euromemorandum. Economistas sociais-democratas.

E depois temos a lição de Kalecki: quando existe pleno-emprego, os trabalhadores ficam com um poder cada vez maior e podem pôr em causa as prerrogativas do capital em termos de controlo do processo de produção. Foi o que aconteceu na Suécia nos anos setenta com as propostas de controlo do capital pelos trabalhadores. Mas essa era outra era quando alguma social-democracia ainda não se tinha rendido aos piores lugares comuns neoliberais: «não podemos ter o bolo na mesa e comê-lo ao mesmo tempo»...

Até onde estás diposto a ir no desmantelamento dos mecanismos de controlo democrático da economia?

Hugo Mendes disse...

"a questão está em haver capacidade para realizar políticas económicas contra-ciclicas de relançamento económico em momentos de crise."

De acordo; mas a questão é também se essa políticas económicas pronunciam uma economia sustentável no futuro; senão entramos numa lógica de "stop-and-go" que não resolve os problemas, apenas os adia, até que um dia tudo explode - e o eleitorado vira à direita.

"quando existe pleno-emprego, os trabalhadores ficam com um poder cada vez maior e podem pôr em causa as prerrogativas do capital em termos de controlo do processo de produção."

É verdade; mas o Kalecki também disse que o outro lado disto é que os capitalistas podem facilmente perder a paciência e simplesmente procurar melhores condições para fugir ao "profit squeeze". Não acho que queiramos que eles façam "greve" ao investimento.

"Foi o que aconteceu na Suécia nos anos setenta com as propostas de controlo do capital pelos trabalhadores. Mas essa era outra era quando alguma social-democracia ainda não se tinha rendido aos piores lugares comuns neoliberais."

João, este foi o fim do compromisso sueco, e os trabalhadores perderam. Os fundos propostos nunca foram instaurados e o máximo que se conseguiu foi que o partido conservador ganhasse as eleições de 1976, sem contudo inverter a dinâmica económica que faz com que a dívida pública atingisse 13% do PIB, a Suécia descesse para 13º no PIB per capita mundial, e os sociais-democratas tivessem no regresso ao poder que reduzir o sector público em cerca de 1/4 ao longo da década de 80. Se não fosse isto, eu gostava de saber onde estava a Suécia neste momento.

"Não sejamos demagógicos."

Ora aí não posso estar mais de acordo :).
E gostes ou não aquela do bolo é verdade. Como evitas uma crise fiscal num Estado social expansionista se prossegues sem limite o "profit squeeze"?

João Rodrigues disse...

Só pode haver uma economia sustentável (nas várias dimensões da palavra) com um poder público que controle o ritmo e a direcção do processo de crescimento. Quer se queira quer não isto implica instrumentos e mecanismos de controlo. Que estão a ser desmantelados.

Isto pode implicar enfrentar o poder de certas fracções da burguesia (caso haja força para o fazer). E depois a ameaça de "greve" é quase sempre exagerada. E há sempre respostas para isso.

É verdade que os trabalhadores suecos por várias razões perderam políticamente. As propostas desse período faziam todo o sentido à luz de um projecto socialista. A derrota talvez nos dê pistas sobre os limites do actual sistema socioeconómico.

Acho que o actual poder económico e político percebeu a grande lição dessa época: é preciso manter taxas de desemprego elevadas para partir a espinha ao que resta do movimento operário na Europa. É essa a lógica da actual política económica à escala da UE. Esfarelar o estado social e as coligações que o suportam...

João Rodrigues disse...

Já agora qual a opinião em relação à proposta que o post contesta? Até onde se vai? Onde pára o mercado?

Hugo Mendes disse...

"Até onde estás diposto a ir no desmantelamento dos mecanismos de controlo democrático da economia?"

Depende do que queres dizer com "controlo democrático da economia". Uma economia controlada por elites que não respondem perante ninguém pelo poder oligárquico que acumulam é passível de algum "controlo democrático"? Se a história nos ensina alguma coisa, tenho as maiores dúvidas, simplesmente pela razão como funcionam o complexo "político-burocrático" (a Europa do Leste tem algumas coisas a ensinar-nos neste aspecto). Falar aqui de "controlo democrático" é quase sempre do domínio da ficção. É por isso que eu acho que o Estado tem de saber muito bem 'como' e 'onde' intervir, para saber onde a sua acção é prioritária e onde ela é acessória. Para mim, o prioritário é um Estado social tão amplo como possível; ora, ele precisa de ser pago, e para isso precisamos de uma economia dinâmica, onde a Estado saiba onde deve e não deve meter o nariz e permita a produção de lucros. Já sabemos: o Estado social tem uma dinâmica contraditória. É dentro desses limites que temos que saber viver.

Não me parece que alimentar uma casta de gestores públicos em tudo quanto seja sector só pelo "princípio" da nacionalização seja economicamente racional nem justificado do ponto de vista da igualdade. Pessoalmente, estou farto do "welfare for the rich" sustentado pelo Estado. É que, claro, depois, não há dinheiro para o que realmente importa: o Estado social.

Coloquei a frase do Przeworski precisamente para mostrar que este é o fulcro da abordagem social-democrata - ou seja, a sua sobrevivência e prosperidade depende da sua capacidade de saber traçar os seus limites (que, sao, naturalmente, empiricamente variáveis) -, e não um desvio. Foi sempre assim que as coisas funcionaram desde o início na Suécia, enquanto 'ideal-tipo' da social-democracia - as pessoas tendem a esquecer-se sua prosperidade e o seu Estado social foi construído a partir de condições muitíssimo boas os bancos e o "grande capital" que a esquerda adora denegrir.

Hugo Mendes disse...

"E depois a ameaça de "greve" é quase sempre exagerada. E há sempre respostas para isso."

Viu-se em França em 1981-2...

Hugo Mendes disse...

"Acho que o actual poder económico e político percebeu a grande lição dessa época: é preciso manter taxas de desemprego elevadas para partir a espinha ao que resta do movimento operário na Europa. É essa a lógica da actual política económica à escala da UE. Esfarelar o estado social e as coligações que o suportam... "

1) O "movimento operário"? A indústria representa entre 15 a 30% da população activa no "primeiro mundo". Não acha que valha muito a pena continuar a apostar neste mito político. É preciso pensar em estratégias novas, porque já não vai havendo ovos para fazer essa omelete.

2) As taxas actuais de desemprego nos países nórdicos são da ordem dos 4%-6% por cento. Não é nada mau.
Ao mesmo tempo, o desemprego é também baixo nos países mais próximos do ideal-tipo do neo-liberalismo (EUA, UK). Se a tua teoria estivesse correcta (capital mais forte -> desemprego mais alto), era nestes países que ele devia mais alto.

3) As coligações que suportam o Estado social, que estão em refluxo, não são as mesmas que suportam o "Estado-empregador". É esta distinção que é absolutamente imperioso perceber, acho. É que à custa de resistir para manter o segundo, independentemente da sua racionalidade económica e equitativa, não se consegue manter o primeiro, e alimenta-se dualizações entre o sector protegido do Estado e o sector dependente do mercado.

João Rodrigues disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Rodrigues disse...

A correr. Precisamente. Em 1981-82 não se quis optar por medidas mais robustas de controlo de capitais. Delors preferir as políticas de desinflação competitiva. A partir daí foi sempre a cair.

Não há controlo democrático se não se moldar, limitar e em muitos sectores, superar o principio da propriedade privada. Há vários mecanimos: co-gestão, cooperativas, propriedade pública, formas mistas. É uma ilusão separar as regras da produção das da distribuição. Outra ilusão é ter um modelo funcionalista do Estado...

Movimento operário tem um sentido amplo como é evidente. Trabalhadores da indútria, fracções organizadas dos serviços, funcionarismo público. Não há outra coligação que sustente o estado social. Aqui o PS está a fazer um bom trabalho para esboroar o pouco que existe.

Precisamente nos países anglo-saxónicos as resistências já foram largamente eliminadas. Mas também não há nenhuma ligação entre níveis de desemprego e a regulação do mercado de trabalho. E além disso os EUA não têm a nossa política económica. Só é keynesiano quem pode... E depois há a questão da repartição dos ganhos e do tipo de empregos gerados. Aí os nórdico não estão mal. Mas são os nórdicos que ainda têm o maior movimento operário organizado.

Em Portugal é claro estamos mal em todos os planos. E as dualizações que importam estão noutro lado. Afinal de contas estamos no país mais desigual da Europa. Um palpite: o PS deixará um país ainda mais desigual...
Se não mudar.

Hugo Mendes disse...

"Em 1981-82 não se quis optar por medidas mais robustas de controlo de capitais. Delors preferir as políticas de desinflação competitiva. A partir daí foi sempre a cair."

João, a sério, diz-me qual era a alternativa. Correr com os capitalistas e optar pelo isolacionismo? E depois? Sem demagogia: e depois? Instaurar o "controlo democrático da economia"? Não era isto simplesmente um beco sem saída? Não percebo. Qual é objectivo afinal?

"É uma ilusão separar as regras da produção das da distribuição."

Uma coisa são as regras, outra coisa é 'quem manda no 'quê'. Podes ter coordenação entre os dois planos através de um acordo que limita a intervenção de cada actor ao seu espaço.

"Aqui o PS está a fazer um bom trabalho para esboroar o pouco que existe."

Sim, como se o nosso sindicalismo não fosse dependente do PC, insípido do ponto de vista da "membership" e da organização alargada, concentrado no sector público, etc...Agora a culpa é do PS...

"Mas são os nórdicos que ainda têm o maior movimento operário organizado."

Pois são: porque, ao contrário do que acontece em Portugal, entre outras coisas, a ala socia-democrata derrotou historicamente a comunista e os sindicatos sempre cooperaram com o capital no produção e na distribuição - provando precisamente que as regras da produção e da distribuição não estão separadas e que os sindicatos têm que ter mais miolos que músculos.

"Precisamente nos países anglo-saxónicos as resistências já foram largamente eliminadas."

Então mas o desemprego seria alto, segundo a tua teoria. Algo está errado se nestes países o desemprego é baixo. Isto significa, antes, que o capital não está interessado no desemprego "per si", mas no trabalho desorganizado. Ora, isso são coisas bem diferentes.

"Mas também não há nenhuma ligação entre níveis de desemprego e a regulação do mercado de trabalho."

Não é bem verdade, e as coisas não são propriamente aleatórias. O modelo Calmfors-Driffill, entre outros, mostra como e porquê.

"Um palpite: o PS deixará um país ainda mais desigual..."

No curto prazo, nenhum partido em Portugal vai conseguir travar o aumento das desigualdades, tais são os nossos défices e erradas a prioridades do passado. Vai demorar muitos anos a retoma. É bom que as pessoas se capacitem. A não ser que queiramos reeditar a tentativa francesa de 1981. Acho que não preciso mostrar o abismo a que nisso nos conduziria.

João Rodrigues disse...

Por partes: o desemprego serve precisamente para quebrar resistências quando elas são fortes. É assim nos países que contam na Europa. Foste tu que generalizaste. As coisas são sempre contextuais. Concordamos portanto. Julgo eu.

Não conheço o modelo a que te referes. Espero que não seja um desses modelos micro com agentes racionais que encaram a história como uma série de trade-offs depois de aturada análise custo-beneficio. De qualquer forma os estudos empíricos são claros na sua falta de conclusões sobre relações entre regulação e desemprego (há boas razões teóricas para isto). A própria OCDE diz isso num relatório de 2004 (ver excelente artigo de Michel Husson no Mdiplo de Abril). O desemprego na Europa é um problema de procura e de falta de política económica. Não tem nada que ver com a regulação do mercado de trabalho.

Quanto à França, não era isolacionismo, era a possibilidade de reformas robustas como passos para o socialismo.

As regras são sempre sobre quem controla o quê, quando, como e porquê. De resto concordo.

E quanto ao PS, o seu papel não pode ser subestimado. É claro que o PC também dá uma forte ajuda. É a nossa desgraça.

Quanto às desigualdades, o teu ponto revela apenas uma fé na retoma, ou seja, no mercado. Lembra-te de Keynes (é mais ou menos assim): servem de pouco os economistas (ou outros) que se limitam a dizer que depois da tempestade vem a bonança. Nunca vem de resto.

O problema é que as orientações de política dominantes do PS agravam as desigualdades no curto e no longo prazo na medida em que expandem as forças do mercado.
É aqui que bate o ponto. O PS é pouco social-democrata. E muito liberal.

Hugo Mendes disse...

"Não conheço o modelo a que te referes."

O artigo é de 1988 e o modelo está muito muito resumidamente explicado aqui: http://avezdopeao.blogspot.com/2007/05/ainda-os-trabalhadores-europeus-e-o.html.
Faz parte da literatura de tom "social-democrata" da economia política institucionalista (o Bruno Amable concorda com ele, espero que esta seja uma referência radical o suficiente :)).

"Quanto à França, não era isolacionismo, era a possibilidade de reformas robustas como passos para o socialismo."

Desculpa, mas isso não me elucida muito. Com a fuga de capital, o empobrecimento relativo e a contestação gerada a seguir talvez levasse a algo parecido como a "ditadura do proletariado". Se achas que estou a fazer demagogia, então o ónus é teu em explanar o que entendes como "reformas robustas para o socialismo" - algo realmente estranho quando o mundo já sabia razoavelmente bem o que o socialismo na Europa do Leste tinha gerado.

A nossa "desgraça" é que não temos grande saída. O nosso Estado usa 45% do PIB e as desigualdades são o que são. Se consumisse 65% aposto que seriam da mesma ordem, simplesmente porque os nossos gastos públicos estão mal calibrados. Eu não tenho "fé" no mercado, mas tenho inúmeros exemplos históricos que mostram que uma robusta e equilibrada estratégia de "supply-side" é necessária para criar riqueza suficiente para redistribuir depois, de acordo com as regras adequadas. Não podemos redistribuir o que não existe.

"O PS é pouco social-democrata. E muito liberal."

É verdade é que o PS é foi, no passado, pouco social-democrata. Mas, à imagem do centro-esquerda frances e italiano, foi excessivamente "estatista" (como aliás o PSD: hoje pagamos o pacto bismarckiano feito por Cavaco Silva durante a sua dupla legislatura), para utilizar uma categoria que sei que não gostas, et pour cause.
É pena é que chegue à social-democracia quando esta é mais difícil institucionalzar-se do que fora no passado.

João Rodrigues disse...

Desculpa, mas na França o que se seguiu foi o desemprego de massa como resultado das políticas de austeridade. E uma performance macroeconómica fraquíssima.

Esta é a nossa diferença. Tu achas que toda a contestação às instituições fundamentais do capitalismo tem de conduzir à "ditadura do proletariado". Muito hayekiano. Tal como há variedades de capitalismo também pode haver variedades de socialismo.

"uma robusta e equilibrada estratégia de "supply-side" é necessária para criar riqueza suficiente para redistribuir depois, de acordo com as regras adequadas". Isto é muito vago e se percebo o que queres dizer não faz sentido nenhum. Não pode haver separação entre a organização da produção e da redistribuição. Analiticamente não faz sentido e políticamente muito menos. Supply-side é um termo muito bom para mascarar o desmantelamento dos mecanismos que permitem ao estado disciplinar o capital. Assim o momento da redistribuição nunca chega.

A nossa desgraça é que a esquerda que está no poder interiorizou o programa neoliberal. E a sua radiografia da situação. Dizer que o estatismo do PS e PSD têm sido a causa da nossa situação só pode ser uma piada. Eles que têm sido tão dedicados a liberalizar, desregulamentar, privatizar...

Quando é que invertemos o onus?

E o peso do Estado não explica nada. Ou melhor não serve como argumento para dizer que já se tentou uma solução de esquerda. O estado pode servir para muita coisa. Por exemplo para promover o desenvolvimento de uma burguesia rentista.

Hugo Mendes disse...

"Desculpa, mas na França o que se seguiu foi o desemprego de massa como resultado das políticas de austeridade. E uma performance macroeconómica fraquíssima."

Melhoraria sob o dito "socialismo", imagino. Parece que estamos a discutir estas coisas não em 2007 mas em 1907. A maior experiência do século XX não ocorreu longe: foi entre a RFA e a RDA. Diz-me a que preferes.

"Esta é a nossa diferença. Tu achas que toda a contestação às instituições fundamentais do capitalismo tem de conduzir à "ditadura do proletariado"."
"Quando é que invertemos o onus?"

Não, de todo. Eu perguntei o que era o "socialismo", e que o ónus de esclarecer do que se tratava estava do teu lado. Tu continuas sem responder. Mais uma vez, parece que continuamos em 1907 e não há lições a retirar da história - provavelmente da grande experiência história do século XX. Eu acho isto verdadeiramente espantoso - e é por isso que o ónus está do teu lado.

"O estado pode servir para muita coisa. Por exemplo para promover o desenvolvimento de uma burguesia rentista."

Pode servir para muitas coisas. E pode servir pra o desenvolvimento de um funcionalismo público rentista. Olha que exemplos por aí não faltam. É que pelo menos burguesia cria riqueza e paga os impostos para financiar o Estado social. Nos países escandinavos, o sector burguês sempre foi poderosíssimo. As pessoas esquecem-se destas coisas.
E não me venhas com a coisa do "liberal" e do "haeykiano". Isto é o ABC da social-democracia. Não saber - ou não querer - traçar as diferenças tem muito que se lhe diga.

"Assim o momento da redistribuição nunca chega."

Não é isto que nos ensina a história da social-democracia no século XX. A melhor variante de capitalismo (suponho que concordamos aqui), a nórdica, só foi possível porque o movimento operário esperou e confiou nas políticas dos governos social-democratas. Para dar um exemplo, cito do Programa do Congresso da confederação sueca LO, em 1961: "The job of company taxation must first and last be to promote the long-term evolution of the economy toward higher productivity and growth. Arguments about equity and justice must come later, for example, through capital gains taxation and higher inheritance taxes on the owners of business firms". (in Sven Steinmo, Taxation and Democracy. Swedish, British and American Appraoches to Financing the Modern State, YaleUP, 1993, p.126). Isto é a tradição e a estratégia social-democrata, no meio precisamente da Golden Age - 1961.

Quanto ao resto não sei vale muito a pena discutir, porque podíamos continuar, ponto por ponto, até ao infinito.

Para resumir, há aqui duas coisas importantes:
1) Eu até concordo contigo relativamente a muitas questões que, do ponto de vista macoeconómico, podem estar "biased" à direta. Por exemplo, o PEC - o tal que economistas social-democrtatas criticam. Tudo bem, são questões centrais, mas não questões de "objectivo final".

2) Porque quanto ao "objectivo final" divergimos (tal como os tais economistas social-democrtas que até podem convergir com as tuas críticas em 1)). Tu achas que se pode instaurar o "socialismo". Eu acho que não, e que isso é um beco sem saída, e consequentemente um desperdício de tempo, energia, inteligência, paciência e confiança. Tu bebes dos planos da "ideias puras" (vide o teu post ha uns dias de elogio a Hayek sobre isto); eu sou um bocadinho mais humilde, e vejo o que se passou no século XX. "Disciplinar" o capital e outras fórmulas do género sem um bocadinho de inteligência só podem conduzir à pobreza - e a prazo, à revolta - generalizada. Se é esse o teu objectivo, tudo bem. Eu pelo menos sou a favor da uma certa coerência. A maior parte das críticas que vejo à esquerda aí pela blogosfera são de pessoas que estão descontentes mas não sabem para onde ir. Por isso limitam-se a criticar um bocado como baratas tontas. Pelo menos aqui há um modelo, uma estrategia de fundo: o "socialismo". É aqui que o ponto 1) e o ponto 2) se separam. Criticar questões inscritas no ponto 1), ainda vá. Achar que o ponto 2) é possível hoje (já para não falar no passado, e que deu no que deu), eu acho que é um delírio total. Mais: independentemente da sua viabilidade económica numa economia que será tendencialmente mais globalizada, e se a terra não é plana e a sociologia polítiica um bocadinho mais 'reliable' que a astrologia, nenhum partido vai subscrever qualquer estratégia semelhante à que tu defendes. Nenhum, claro, que almeje mais do que 5% ou 6% dos votos. Se o objectivo é atingir "este" eleitorado e continuar a chamar os de 'fracos', de 'vendidos' que 'interiorizaram' isto e aquilo ou coisas do género, então muito bem. Todos sabemos que a textura ideológica de um partido tende a variar inversamente À sua penetração eleitorial. Quando falamos para meia dúvzia, podemo-nos dar ao luxo de ser "true believers". Simplesmente, em democracia - et pour cause - é preciso ganhar bastantes votos para formar governo. É uma chatice. E como ninguem se revê na linguagem pura e dura da "luta de classes" nem aceita nenhuma redistribuição que não seja dinâmica e a vários tempos - e quem é social-democrata e não acha que os mecanismos de supply-side sejam uma invenção burguesa sabe do que falo; quem não sabe nem quer saber, paciência -, nunca semelhante programa económico que leve ao socialismo vai ser posto em prática, e por muito bons motivos. É interessante como tu achas que o falhanço nos anos 70 dos trabalhadores suecos para "esticar a corda" seja merecedor de uma reflexão e avaliação história, mas as múltiplas experiências do socialismo ao longo do século XX não mereçam uma palavra. Mais: continuamos a falar de socialismo como se eles nunca tivessem tido lugar, como as acionalizações e o que podemos chamar a redistribuição 'estática' nunca tivessem sido tentadas e não tivessem dado um dos maiores buracos a que a história recente assistiu. Que as pessoas sejam tão míopes toda e ainda se achem na posição de passar atestados morais e cognitivos disto e daquilo aos outros, eu acho espantoso, mas tudo bem. O que demonstra é que, com "esta" esquerda, nunca haverá hipótese de coligações ou movimentos políticos conjuntos, em virtude que é, tenho a certeza, um total desajuste de prioridades e objectivos. Obviamente, quem perde é a própria esquerda, e essa, essa sim, é a "nossa desgraça".

abraço
Hugo

Ricardo G. Francisco disse...

Excelente discussão.

Linkados aqui:

http://small-brother.blogspot.com/2007/06/socialismo-e-social-democracia.html