quarta-feira, 31 de maio de 2023

Da tese da «falta de casas» às contas que a IL não faz (I)

Insistindo na ideia de que a atual crise de habitação se resume a um problema de falta de casas, Carlos Guimarães Pinto (Iniciativa Liberal), deu recentemente à estampa um artigo em que analisa a evolução do número de alojamentos nos últimos quarenta anos. Feitas as contas, constata que Portugal ficou com «mais 758 mil casas» entre 1981 e 1991; «mais 861 mil» entre 1991 e 2001; e «mais 823 mil» entre 2001 e 2011. Ou seja, foram neste período adicionadas «mais de 800 mil casas ao mercado em cada dez anos», ao contrário do que sucedeu entre 2011 e 2021, em que «este valor caiu abruptamente de 800 mil para cerca de 100 mil». Queda que, segundo o deputado da IL, «coincidiu com uma crise da habitação».

Guimarães Pinto parece estar tão obcecado com a tese de que a crise habitacional é uma questão de oferta (falta de casas), que nem lhe ocorre espreitar o lado da procura. Isto é, saber como evoluiu, no mesmo período, o número de famílias residentes. Se o fizesse, poderia ter acrescentado, no seu artigo, que Portugal ficou com mais 223 mil famílias entre 1981 e 1991; mais 504 mil entre 1991 e 2001; e mais 393 mil entre 2001 e 2011. Ou seja, foram neste período adicionadas à sociedade portuguesa, em média, mais de 370 mil famílias em cada dez anos (que comparam, já agora, com as 800 mil casas), ao contrário do que sucedeu entre 2011 e 2021, em que este valor cai para cerca de 105 mil. Isto é, registando um aumento ainda mais reduzido que o do número de alojamentos, no mesmo período.


Considerada em conjunto, e nestes termos, a evolução da oferta e da procura, faz pois pouco ou nenhum sentido atribuir à «falta de casas» a explicação para a atual crise de habitação e a subida vertiginosa dos preços, sobretudo a partir de 2013. Como demonstra o gráfico aqui em cima, o menor aumento de alojamentos na última década é consonante com a variação do número de famílias. De resto, basta constatar que o rácio de alojamentos por família quase não se altera entre 2011 e 2021, mantendo-se em torno de 1,4. Ou seja, próximo de uma casa e meia por família. É só fazer as contas. E desiluda-se quem pense que o problema da falta de casas é específico das grandes cidades e áreas metropolitanas. Como se mostrará num texto seguinte, também aí não está em causa um alegado desfasamento na evolução do número de famílias e de alojamentos.

A explicação para a crise habitacional que Portugal (tal como a Europa) está a atravessar, terá portanto que ser encontrada noutros fatores. Desde logo, nos efeitos da crise financeira de 2007-2008 na reorientação do investimento para o imobiliário, indissociável da sua crescente internacionalização, a par da intensificação da procura turística e da adoção de incentivos à especulação no setor. Isto é, em novas formas de procura de habitação, que em muitos casos encaram as casas como meros ativos financeiros, e não nos termos «clássicos» da sua função residencial, alimentando a vertiginosa subida dos preços a que se está a assistir.

Adenda: Nos cálculos da variação intercensitária dos alojamentos, Carlos Guimarães Pinto opta por considerar o total de alojamentos, que inclui alojamentos coletivos (hotéis e convivências) e alojamentos familiares não clássicos (barracas e construções precárias). Isto é, modalidades que não devem ser tidas em conta quando se pretende aferir a oferta existente (sendo nesse sentido mais adequado considerar apenas os alojamentos familiares clássicos).

2 comentários:

opjj disse...

O que tem a ver a construção de 800.000 casas antes com as 100,000 casas construidas agora com o incremento populacional?



Anónimo disse...

Diga?! Incremento? Basta ir ver o saldo natural das últimas décadas, só compensado pelo saldo migratório desde 2017. Com tantas vias neste país e somos uma espécie em vias extinção!