Público 5/7/2012 |
Sim, não é um engano. Este artigo foi publicado ... há 10 anos. Mas, com as devidas adaptações estatísticas, poderia ter sido publicado... hoje.
Passaram dez anos, mas podem passar ainda mais. Porquê? Porque aquilo que impediu que se mudasse continua a fazer perdurar os seus efeitos. Há fortes e externos condicionalismos. E são tão mais fortes esses condicionalismos porque, precisamente, são externos.
Podemos votar. Mas podemos mudar?
Como se muda quando - sem o ter expressamente explicado ou votado - cedemos o poder a quem não mora no país, em quem não votamos e a quem pouco importa o que se passa cá? Pior: quando já decidiram por nós o que nos vai acontecer. As políticas nacionais seguem mais as matrizes subjacentes aos fundos europeus do que opções traçadas por interesse nacional. E assim é, porque o nosso Governo está proibido - por deriva teórico-ideológica (neo)liberal - de se poder financiar por emissão monetária própria, estando obrigado a endividar-se nos mercados. Porquê? Porque essa é a melhor forma de condicionamento político: a gestão da dívida orientada pela chantagem da falsa bancarrota. Mas que regime é este que nos obriga a pagar o que poderia ser gratuito?
Podemos votar. Mas podemos mudar? Como é que
se luta contra condicionalismos externos? Como é que um pequeno país
pode mudar as cabeças dos grandes países? Os nossos responsáveis podem sair contentes das
cimeiras, mas a realidade no país não muda por isso. E os efeitos que
perduram vão se acumulando, reproduzindo-se. E tornando
cada vez mais difícil mudar.
O produto não cresce suficientemente porque Portugal se especializou em actividades de baixo valor, com relações laborais cada vez mais precarizadas, enformadas por uma legislação que o fomenta e que esvazia o papel sindical, e que, por isso tudo, se traduzem em salários que pouco crescem e em que os jovens não vêem perspectivas de vida. Mas os preços ou não sobem - para manter o poder dos credores e o valor dos seus créditos - ou sobem sem que subam os salários. A Habitação é cada vez cara por pressão externa (expulsando os pobres dos centros) e a Saúde e a Educação públicas padecem por décadas de subfinanciamento que se transformam em desarticulação e em sinais erróneos para quem poderia querer apostar no bem da colectividade: "Não venha trabalhar para cá porque não vos queremos pagar bem".
E os efeitos acumulados têm o mesmo efeito dos cortes da austeridade: se nada for mudado, seremos um país que é um local de veraneio e de descanso para quem, na Europa, o pode pagar. E nós cá estaremos a servi-los. Ou de cá teremos de fugir.
Votamos, mas como se muda? Como se evita a fuga? Como podemos decidir? Os jornalistas não fazem estas perguntas.Na verdade, não se muda se o centro europeu não quiser. E porque não se muda, é necessário que algo mude: o eterno presente é um eterno passado, constantemente modificado, reformatado, às vezes encarnavalizado, com novas formas, novas caras, roupagens, personagens.
O descontentamento é mal orientado. Os meios de comunicação social privatizados e homogeneizados na sua mensagem, são cada vez mais máquinas de condicionamento social, insufladas por profissionais e comentadores externos, maioritariamente vindos da direita e até extrema-direita. Incapazes de resolver as consequências dos condicionamentos externos - concordando até com eles - a direita tem de cavalgar o discurso do descontentamento da extrema-direita numa esquizofrenia social, sem nunca apresentar um diagnóstico credível. Recentramento dos debates à direita, influência do imediatismo, informação feita à pressa, tudo amplia a discórdia alimentada por forças de extrema-direita que transformam os conflitos essenciais da sociedade em guerras entre grupos de vítimas da forma capitalista de produção na sua fase (neol)liberal, prometendo-lhes uma nova ordem, que não mais será do que a velha, regrada pela violência que, por ora, apenas se sente na sua forma de falar, gritar, insultar e de criar bravatas e incidentes, para chamar a atenção.
Como dizia Tomazo de Lampedusa, no seu livro "Leopardo" sobre a decadência da aristocracia italiana no dealbar da mudança, adaptado no belíssimo filme de Visconti (1963): "Qualquer coisa deve mudar para que tudo fique na mesma".
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