sábado, 24 de julho de 2021

Querido diário - memória de um falhanço


Ele há coisas que eram óbvias. No meio de uma recessão importada, cortar na despesa pública como forma de reduzir o défice orçamental, apenas na cabeça fechada dos técnicos da troika ou dos economistas thatcherianos incapazes de perceber que a economia de um país é diferente de uma economia doméstica à qual foi diagnosticada que vivera "acima das suas possibilidades". Aliás, em vão, como se viu: Nuno Vasconcelos continuou por muitos anos no Brasil a fazer vida milionária, Joe Berardo pavoneou a sua colecção que não estava em seu nome, a fauna do BPN fez vários pas de deux sem que a Justiça os apanhasse. E em vão também, porque mesmo obrigando os pobres a pagar os buracos dos ricos, isso não trouxe saúde à economia. Também não era esse o real objectivo.

Claro que o Governo - encharcado e cego pelas ilusões austeritárias importadas dos países mais ricos - foi apanhado de surpresa. Ora, veja-se lá...


 


“A receita fiscal está aquém das necessidades”, reconheceu Passos Coelho, mas lembrando que esse é um dado que o executivo “não controla” [Não controla? Mas algo poderia ter sido feito para não a prejudicar ainda mais em situação recessiva...]. Preferiu salientar que a “despesa pública está abaixo do fixado” e “a cair sob todos os prismas”, mesmo nos primeiros cinco meses do ano. (...)

Escrevia-se no Público: "Passos (...) não se cansou de atirar farpas aos partidos que baseiam o seu discurso na descrição da realidade":

“Há quem fale em outros caminhos, alternativos. Mas todos os caminhos batem no mesmo: não cumpram o que prometeram, adiem o pagamento”, elencou Passos. E insiste: “Estamos a seguir o único caminho que temos: cumprir as nossas obrigações.” 

Eis uma frase que desresponsabiliza os credores e que, por isso, tanto lhes agrada: a culpa foi nossa, Portugal é que tem de pagar as dívidas por inteiro. Há políticos que acabam por desempenhar um papel estranho aos interesses do país... Claro que Passos Coelho omite que o pomo da discórdia é outro: aplicar austeridade no meio de uma recessão visava apenas fazer encolher o Estado Social para um Estado de mínimos (para os mais pobres) e empobrecer os portugueses como forma de dar competitividade às empresas, contribuindo para aumentar os seus lucros à custa da pobreza social. Essa opção política do Governo estava errada do ponto de vista dos objectivos traçados e - por isso mesmo - estava longe de não ter alternativa. Mas Passos Coelho queria aplicá-la a todo custo - mesmo eleitoral. É desse mesmo dia, a sua célebre tirada: 

“Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal!”, exclamou, recebendo a primeira salva de palmas já o discurso ia a dois terços. 

Mas o PSD não estava assim tão indiferente aos resultados eleitorais. Discutia-se no PSD uma forma de... acabar com as oposições nos executivos camarários:


 

4 comentários:

Jose disse...

« a economia de um país é diferente de uma economia doméstica»

As finanças do Estado são diferentes das finanças domésticas, a economia do país não diverge tanto da economia doméstica como os do 'tudo a todos' desejam...

Anónimo disse...

É lamentável que os criminosos que destruíram o país nesses negros anos de 2011 a 2015 não tenham pagado pelos crimes cometidos contra os portugueses. Num país minimamente decente, esses canalhas estariam presos, e esse antro chamado pêpêdê já teria sido ilegalizado. Infelizmente somos um país de brandos costumes, e essa gente pode andar por aí impune e até se continuar a candidatar a continuar a destruir o país. E como somos um povo politicamente analfabeto, não me espanta que o consigam a curto prazo.

TINA's Nemesis disse...

A austeridade é um dos melhores exemplos de como o Capitalismo se auto-destrói.
A austeridade nunca serviu para tornar a economia melhor e mais eficiente, o objectivo foi sempre destruir os avanços que a classe trabalhadora conquistou.
Antes da fase neoliberal do Capitalismo ter começado uma parte da classe trabalhadora, especialmente na América do Norte e Europa, habitou-se a ter alguma segurança, o trabalhador esperava conseguir organizar a sua vida, ter casa, cuidados de saúde, educação, meio de transporte próprio e outros desenvolvimentos tecnológicos do mundo contemporâneo, claramente, a classe capitalista nunca aceitou isto.
O bem-estar que a classe trabalhadora conquistou é uma ameaça ao poder da classe capitalista, a classe capitalista temeu que o bem-estar de um número significativo da população pusesse em causa a sua legitimidade, a classe capitalista temeu e teme que a maioria da população deixe de acreditar que precisa de capitalistas para o desenvolvimento tecnológico e cientifico, teme que a maioria os veja como parasitas.

A criação da União Europeia e Euro é uma conspiração das classes dominantes capitalistas europeias com o objectivo de degradar os Estados Sociais europeus ao ponto, no futuro, de os fazer desaparecer por completo, e por fim, erradicar da memória das populações que o Estado Social alguma vez tenha existido.
As classes dominantes capitalistas estão a fazer a cama onde se vão deitar.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

Começa pelo facto de, numa economia doméstica, um corte no consumo, gerar mais rendimento disponível dessa família. Mas numa economia, o corte no consumo corta o rendimento disponível de outros, dos que produzem. E já nem lhe falo do desemprego subsequente, aquele desemprego que o José tanto considera inevitável quando as empresas não têm condições... E por aí fora...