quarta-feira, 28 de julho de 2021

Otelo



«A notícia da morte de Otelo Saraiva de Carvalho magoou-me e surpreendeu-me. Magoou-me, por se tratar de mais um amigo que parte. Surpreendeu-me, porque estive, recentemente, com o Otelo, no funeral da sua mulher, e achei-o, naturalmente, abatido, mas, aparentemente, com vigor e saúde.
Conheci o Otelo na Guiné, onde o substituí na Direcção da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe. Tornámo-nos amigos. Foi, aliás, essa amizade que me levou a testemunhar em seu favor no julgamento a que foi submetido, apesar de muitos reparos e apelos para que não o fizesse.
O Otelo era um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista – contraditório mesmo. Adorava representar, até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real.
Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida.
E penso assim porque entendo que um Homem é uma unidade e continuidade, uma totalidade complexa, e que só é bem julgado quando considerado, historicamente, esse quadro e o seu contexto. Mas há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo.
Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar. 

António Ramalho Eanes

13 comentários:

Augusto disse...

Os " democratas " de 26 de Abril como o Marcelo, acham que nao devem nada a OTELO, os DEMOCRATAS de 24 de Abril , acham que lhe devem MUITO.

Manuel Torres disse...

Muito bem dito, Augusto.

Anónimo disse...

Augusto, não somente ao Otelo, eu devo mais aos capitães de Abril, como Salgueiro Maia e todos aqueles que ajudaram e se mobilizaram no 25 de Abril de 1974.
Infelizmente, aquando da morte do militar Diniz de Almeida, o Augusto calou-se.

Anónimo disse...

O Otelo SC do 25 de Abril foi um homem exepcional. Ele e aquele seu povo. Aonde anda agora aquele povo?.

carlos prata disse...

Apoio as palavras do Manel Torres no que comenta ao Gen.Ramalho Eanes,nosso instrutor emérito no Tirocínio em Mafra e corroboro o comentário do Augusto muito certeiro! Um abraço. Carlos Prata.

Tavisto disse...

A geração que mais valoriza Abril e seus heróis, está a desaparecer pelas circunstâncias da vida. Preservar a memória de quantos se bateram pelo derrube da ditadura e instauração da democracia é fundamental para o seu aprofundamento. Espera-se que os cinquenta anos da revolução sirvam para corrigir injustiças cometidas aos muito heróis civis e militares, a quem devemos a liberdade e a ansia de maior justiça social. Otelo ocupa, obviamente, lugar cimeiro neste reconhecimento.

Anónimo disse...

Devo a liberdade e reconheço o papel importante dos militares de Abril, onde se inclui Otelo.

Para mim, o mais importante é respeitarmos todos aqueles que combateram o fascismo e ajudaram a derrubar o antigo regime.

estevesayres disse...

A posição do Ramalho Eanes, não me merece qualquer critica, até porque a conduta militar(e de amizade)é assim, foi o que aconteceu com o Jurista Arnaldo Matos.. Mas não deixou de salientar erros, coisa que a maioria dos que se dizem democratas não o fazem...
Um ex-militar

Anónimo disse...

O Alentejo está a voltar aos tempos da ditadura,trabalho escravo nos campos do alentejo,jovens a emigrar,reformas de miséria,velhos ao abandono,ou em lares que não passam de autênticos depósitos(reguengos de monsaraz e outros),o ps maioritário no Alentejo parece apenas preocupado em satisfazer as suas clientelas.

Manuel Torres disse...

Obrigado Carlos Prata. Mas que surpresa encontrar-te aqui neste blog e a referires-te a mim, teu camarada de curso da AMilitar, quando as reuniões anuais do curso estão suspensas pela pandemia já hám 2 anos, TIVE MUITO GOSTO!

Anónimo disse...

Otelo pertence aos chamados Cidadãos Diferenciados: aqueles que arriscam ou percebem que estão no momento de virar a história; são esses que fazem e ficam na história. No funeral de Otelo, apesar de tudo, ainda houve reonhecimento público pela sua ação patriótica. Outro tanto não se pode dizer do ignorado Dinis de Almeida, comandante do Ralis, herói do 11/3, preso e maltratado no 25/11, vítima de calúnias, expulso, mas que deu uma lição aos apaniguados de então com a sua nova vida profissional como psicólogo e como médico, apoiando e envolvendo-se em causas sociais.

Anónimo disse...

A minha homenagem, hoje, dia 30 de Julho, vai para Eurico de Deus Corvacho, outro militar maltratado pelo 25/11. Se hoje fosse vivo, faria 84 anos.
Homenagem também a todos os militares que, tal como Otelo, participaram nesse grande dia que foi o 25/4/74.

António Ladrilhador disse...

A isenção possível por parte de quem sofre a perda de uma pessoa com quem tinha relações de amizade. Procurei refletir de forma abrangente e com a objetividade possível em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/otelo-o-espinho-que-nem-morte-arrancou.html , que o convido a visitar.