segunda-feira, 19 de julho de 2021

Bloqueios

Um interessante artigo sobre a História das origens do bloqueio a Cuba.

Começa quando a revolução derrubou em 1959 um regime ditatorial apoiado pelos Estados Unidos e procurou o seu próprio caminho para o desenvolvimento. Após um momento de hesitação, as nacionalizações de interesses estrangeiros fizeram a administração dos Estados Unidos considerar que aquela ilha punha em causa os seus interesses. 

Os seus interesses, não os do povo cubano. 

"Todos os meios devem ser adoptados para fragilizar a vida económica em Cuba", referia-se num documento oficial  dos Estados Unidos de 1960, por forma "a trazer fome, o desespero e derrubar o governo". Eisenhower escreveu-o de forma clara com o cinismo dos poderosos: "Se eles [o povo cubano] estiverem esfomeados, atirarão Fidel abaixo".   

O problema era, pois, o apoio popular ao novo regime, marcadamente socialista. 

O artigo recorre a documentos oficiais norte-americanos, questionando a legalidade do bloqueio face à lei internacional e mostrando a violência da guerra permanente entre sistemas, mais do que sobre regimes políticos. Algo que se assemelha, aliás, ao bloqueio de Israel à faixa de Gaza.    

Hostilizada pelos Estados Unidos, Cuba vira-se para a União Soviética que apoia a sua economia e chegaria a integrar  o Comecon em 1971. Com o fim da URSS em 1991, a tentativa de desastre humano, alimentar, industrial e sanitário foi ampliada e expandida com a lei Democracia Cubana e, em 1996, com a famosa lei Helmes-Burton, fortemente influenciadas pela direita nos Estados Unidos, o que obrigou o governo cubano a um programa de forte contenção das políticas públicas. Em 1997, a Associação Americana para a Saúde Mundial concluiu que o bloqueio feriu dramaticamente a saúde e a nutrição de numeros cidadãos cubanos" e "causou uma subida significativa no sofrimento - e até mortes - em Cuba". E se nada parou, pôde ainda piorar: a administração Trump aprovou mais de duas mil directivas contra Cuba. Mesmo actualmente, o cerco prejudica o fabrico de vacinas. Mas o derrube demora. 

Fidel já morreu, o seu irmão Raul já não está no governo e o povo cubano continua a sofrer às mãos da estratégia norte-americana. E da campanha política nos meios de comunicação social, cá também, que fala apenas da ditadura do regime cubano... 

Numa entrevista, perguntaram a Fidel se o bloqueio não era uma desculpa para a ditadura e ele respondeu: "Tirem-nos essa desculpa!"

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Não, o bloqueio não é desculpa, porque ele não impede o PC cubano de decretar as Liberdades Cívicas e convocar eleições. Mais, tal ato provavelmente levaria ao seu fim e pelo menos retiraria aos EUA qualquer justificação (boa ou má) para ele.

Mas estamos no reino da ditadura preventiva ou profilática. Mata-se a Liberdade não vá a Direita ganhar eleições democráticas como aconteceu nos Países do Bloco de Leste depois de 1989.

É curioso que o PCP diga que se revê na CRP e no regime democrático saído da Revolução de Abril e continue a apoiar a ditadura comunista em Cuba. Afinal, esse regime é a antítese das Liberdades pelas quais os comunistas se bateram até 1974 e que conquistaram após essa data.

Têm que saltar da cerca onde estão pendurados, não se pode defender uma coisa aqui e outra no estrangeiro...

É que fazê-lo tem um nome e não é bonito...

Francisco disse...

Lembram-se do Juan Guaidó, presidente da Venezuela, pelo menos de acordo com o senhor Silva, que para nossa desgraça ocupa o lugar de ministro de negócios no estrangeiro? De vez em quando eles revelam-se e tal como na novela de Balzac "O Lírido do Vale", se por um lado nos surpreende a agilidade com que trepam, não é menos verdade que quando chegam ao cima só lhes vemos as partes nauseabundas. O Bloqueio criminoso a Cuba não abre telejornais? O primeiro-ministro e o ministro de negócios no estrangeiro têm muito pouco para dizer sobre isso e quando o fazem falam baixinho, assim naquele tom de falsete envergonhado para não acordarem o papá? Pois, por mais estranho que pareça, isto anda mesmo tudo ligado.

Nunes disse...

Esta é uma das muitas provas que o regime montando em Washington e que se autoproclama de «Estados Unidos da América» é malfeitor.

João Ramos de Almeida disse...

Caro Jaime,

Tem toda a razão. As liberdades democráticas devem ser defendidas a todo o custo. Em todas as zonas do globo e a todas as alturas. Mas recordo-lhe várias coisas.

A primeira é a que a democracia pode ser exercida e vivida de diversas formas, não necessariamente apenas através de eleições á la Ocidente. Uma estrutura oleada de participação popular até seria civicamente mais aliciante do que aquela regra-último recurso de votar apenas de 4 em 4 anos.

Mas não me entenda mal: haja eleições-último recurso de 4 em 4 anos. Mas cuidado. Eleições á la Ocidente - de 4 em 4 anos, com campanhas ruidosas, muitas vezes campanhas negras, muitas vezes com financiamentos diversificados distorcedores da realidade, em que se financiam jornais e sondagens e falsas notícias, tudo orientado politicamente para que se encha o espaço da comunicação social, em que nada de profundo se discute, em que se agitam bandeiras para as televisões, nas quais se organizam debates com todos, mas com pivots enviesados e em que, depois, os comentadores maioritariamente de direita monopolizam os pós-debates televisivos - isto não são eleições efectivamente democráticas!

Está disposto a limitar essas regras “democráticas” em que uns têm mais margem de margem de manobra do que outros? Se sim, isso obrigaria - por uma questão de igualdade de oportunidades! - a um limite de recursos para cada candidatura, sob pena dos partidos sustentados pelos interesses dos mais ricos estarem à partida sempre à frente em meios do que os partidos dos mais pobres. Estará o caro Jaime disposto a sistematizar a forma como os partidos poderão participar em democracia? Ou não consegue ver que a liberdade é apenas defendida para livre circulação do poderes instalados?

A segunda, é de que a defesa inalienável dos valores democráticos é algo que nunca poderá ser alegado pelo Ocidente. Escusado será lembrar o rol de iniciativas militares e para-militares apoiadas, financiadas, supervisionadas e até executadas pelo mundo fora em que o Ocidente se envolveu desde que forças políticas usaram as regras democráticas para chegar ao poder. E as formas como sabotaram esse poder democraticamente eleito, de forma a que fosse tornado ineficaz para se poder alegar que a alternativa é que é democrática e eficaz.

Recordo-lhe até no caso português - ou francês ou italiano! - o que foi feito pelos Estados Unidos e pela NATO para impedir a participação comunista nos governos do país, alegando-se - simplesmente! - que era impossível ter comunistas em governos de países membros de uma aliança militar que… luta precisamente contra o comunismo no mundo.

Dirá: é a regra do jogo. E faz parte da regra do jogo criticar a falta de democracia mesmo que se usem métodos anti-democráticos... em prol da democracia.

Pois é, é a regra do jogo. Porque na verdade, o jogo é outro: trata-se de uma luta permanente em defesa de um dado sistema, detido por poucos, por contraponto a outro sistema em que supostamente os interesses a defender são os da colectividade.

Portanto, estamos conversados: Quer defender regras democráticas? Limite-se o poder dos poderosos na luta democrática e impeça-se a ingerência e a chantagem externa. Está nessa?

Anónimo disse...

Que pena Jaime Santos (que tanto gosta de História) se esqueça que as liberdades conquistadas foram sempre (todas elas) cercadas, assediadas ou agredidas, fossem essas liberdades conquistadas em França, na Rússia ou até mesmo em Cuba.
Ainda agora, bandas paramilitares mataram o presidente do Haiti e aproveitaram o momento para também entrar na Venezuela e tentar uma espécie de balcanização daquele país. Infelizmente para Jaime Santos esta tentativa, na Venezuela, fracassou.

Ou será que os países não podem escolher o socialismo para a sua sociedade de modo livre, sem serem sabotados e atacados diariamente, como aconteceu no nosso país?

Para grande alegria de Jaime Santos, países como o Chile e Espanha tiveram o seu assunto arrumado.