domingo, 10 de fevereiro de 2019
Traduzir economia política
Hoje, o capitalismo democrático é uma contradição nos termos (...) Existe uma divergência fundamental entre o princípio democrático central um indivíduo/um voto e a norma básica de mercado um dólar/um voto. A democracia prospera na medida em que o poder do dinheiro é contido (...) A política assente num capitalismo equilibrado parece hoje mais improvável do que era nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. De facto, nos anos trinta pelo menos tínhamos uma depressão devastadora, que minou legitimidade do capitalismo e dos capitalistas sem freios. Tínhamos a União Soviética, que constituía uma ameaça geopolítica e uma alternativa. E também tínhamos o mais eficaz presidente populista e progressista da história dos EUA, mobilizando o poder de um Estado democrático alargado para constranger o capital e ajudar a gente comum – um círculo virtuoso que progressivamente legitimou o governo e a ideia de uma economia mista. Hoje, as elites empresariais e financeiras capturaram a maquinaria do Estado e neutralizaram o centro-esquerda como fonte de reforma sistémica. [minha tradução]
Robert Kuttner, Será que a democracia sobrevive ao capitalismo global?, pp. 283-286.
O último livro de economia política deste jornalista e ensaísta social-democrata norte-americano deveria ser traduzido por várias razões.
Em primeiro lugar, pela pergunta e por algumas das respostas. No fundo, sem algum grau de desglobalização, do controlo de capitais a um certo proteccionismo, será cada vez mais fácil, adaptando eu o marxista Fredric Jameson, pensar o fim da democracia do que o fim do capitalismo. Tal como o fim do mundo, a que alude Jameson, com ainda maior pessimismo da inteligência do que Kuttner, este fim da democracia seria gerado pelo capitalismo que hoje realmente existe.
Em segundo lugar, por reconhecer de forma clara que o chamado capitalismo democrático dos “trinta gloriosos anos” foi o produto de circunstâncias históricas bem mais fortuitas do que geralmente se julga.
Em terceiro lugar, por colocar no centro da sua análise a relação entre controlo político da finança, mas também dos fluxos comerciais, e os ganhos institucionais do trabalho organizado no período de prosperidade partilhada e a reversão eventualmente evitável deste processo nas últimas décadas, ou seja, o fim dos controlos nacionais de capitais, o reinício do comércio dito livre nos países mais desenvolvidos e o ataque sem fim a tudo o que desmercadorizou parcialmente o trabalho.
Em quarto lugar, pelas comparações e analogias históricas pertinentes, tão necessárias em economia política: por exemplo, a comparação entre o governo trabalhista britânico a partir de 1945, com uma economia mais endividada devido à guerra, e o governo socialista da presidência de Mitterrand do início da década de oitenta; o primeiro, porque tinha a finança sob controlo, a tal repressão financeira, como lhe chamam os neoliberais, conseguiu uma margem de manobra bem superior ao segundo, compelido a render-se ao poder da finança dita privada e à integração, neste caso sobretudo europeia, que a estava decisivamente reforçando.
Em quinto lugar, pela crítica fundamentada “à desgraça do centro-esquerda”, título de um dos capítulos, dos dois lados do Atlântico desde o final dos anos setenta. Uma crítica às suas abdicações no campo da economia política e da política económica que vem de dentro, bastando aliás atentar na lista dos agradecimentos para constatar tal facto.
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7 comentários:
Toda uma choradeira que não coloca qualquer projecto coerente em acção.
A resposta que os críticos do capitalismo querem dar é um socialismo fundado em poderes de Estado e em que nada é cometido aos cidadãos e em particular aos trabalhadores.
E mesmo no que se diz ser a acção dos políticos, nunca se vislumbra um plano de regulação coerente mas sim e sempre carregar o Estado de funcionários e de missões em que uma e outra vez se demonstra ser incompetente.
E quanto aos trinta gloriosos, sempre se esquece o quanto desse sucesso era então atribuído a uma exploração que inflamava de indignação terceiro-mundista os que agora clamam contra uma globalização que tirou milhões da miséria!!!
O que o João Rodrigues se esquece de dizer foi que a arquitetura financeira mundial do pós-guerra foi imposta pelos EUA devido precisamente ao seu poder enquanto principal credor. Aliás, se a Alemanha é o que é hoje em dia, tal deve-se ao perdão da dívida de que beneficiou, que os EUA impuseram, 'cold war oblige'.
Quem paga manda, João Rodrigues, como gosta de dizer a Dra Manuela Ferreira Leite. Por isso, se quer implementar uma política mais à Esquerda, pague primeiro a dívida externa e depois falamos. De outro modo, tarde ou cedo arriscamos ficar nas mãos dos credores, como estivemos vezes sem conta durante a nossa História, desgraçadamente.
Deveriam esses credores assumir eles também os riscos dos empréstimos? Pois claro, sucede que isto não é um problema de moral, mas de relações de força. E não vale mesmo a pena travar guerras que não se podem ganhar. É um desperdício de esforços. E isso é uma coisa que Mário Centeno entende e você não...
Choradeira?
Porque choradeira? Quando os factos não são do agrado catalogam-se como choradeira?
Enquanto o próprio autor de tão sugestiva palavra, depois despeja a sua própria choradeira sobre o denunciado no post?
Vai nú o personagem-chorão. E investe qual teólogo do mercado contra os "críticos do capitalismo".
Adivinha-se porquê. Perguntem ao Buffett que ele explica e bem o motivo de tão desmedidas e cómicas piruetas de quem vive do lado dos abutres
"E mesmo no que se diz ser a acção dos políticos..."
Quais políticos? Passos Coelho? Cavaco? Portas? Cristas?
Os que defendem a sua posição de classe e os da sua classe? Os da austeridade para os que trabalham e os offshores para os seus?
Ah, isto parece um personagem de telenovela barata e medíocre a tentar fazer demagogia ainda mais barata e medíocre. A surfar no levantar da cabeça dos "coletes amarelos" nacionais.
(Quanto aos trinta gloriosos...por cá vegetava um pulha maior de nome salazar. Globalizava as prisões e fazia pornografia com Franco.
E levantava a garra naquele gesto típico da horda).
Jaime Santos a citar a dra Manuela Ferreira Leite.
Nada de novo neste lado podre e empobrecido dos defensores duma europa dos poderosos e dos ricos
Eles entendem-se.
Como ainda hoje aqui escrevi que infelizmente não aprendemos nada com a crise. Na altura a propósito dos direitos laborais. E apesar de continuar a pensar que não foi bem da crise que referi que resultou mas parece que acabou o laissez-faire na Alemanha e o mesmo é dizer que acabou de ser anunciado o fim da doutrina da livre concorrência na indústria alemã. As grandes potências estão todas com os olhos no crescimento daquela que já é hoje a maior potência económica mundial – a China! Sempre com o Estado ao lado da economia e independentemente dos atropelos aos direitos humanos que deviam merecer respostas completamente distintas.
Por curiosidade também acabei de ler o artigo de Robert Kuttner para o The American Prospect na Viagem dos Argonautas e está lá tudo. Nomeadamente para onde o Ocidente caminha e a passos largos – para o regresso aos fascismos. Devido sem dúvida à dinâmica de uma globalização que tudo desregulou em favor dos grandes grupos económicos e financeiros esquecendo completamente as pessoas. E o que o Ocidente precisa novamente é dos Estados Reguladores de volta. Sobretudo no que aos mercados de capitais e trabalho diz respeito. Mas também aos mercados energéticos versus ambiente e só para citar mais dois exemplos. Muito mais que um regresso ao orgulhosamente sós. Que em última análise só volta a promover os nacionalismos e os fascismos. Politicamente só os extremos não o admitem. E a principal razão foi sempre a mesma, a falta de pão na mesa das famílias. Porque é sobretudo a isso que os povos respondem. Só muito depois se levantam questões como as migrações. Finalmente continua a fazer-me muita confusão como distintos pensadores económicos aqui no Ladrão de Bicicletas se esquecem tão frequentemente da História Económica e Social. Cadeira fundamental em qualquer curso de economia. Digo eu.
Aqui pelos vistos querem explicar toda a história económica e social do sec. XX e nomeadamente todo o progresso civilizacional da 2ª metade do século com um período presente meramente conjuntural em que o Centeno foi ministro das finanças de Portugal. Fantástico! De qualquer forma a boa noticia é que já não é preciso inventar nada. Keynes demonstrou tudo muito bem. Mito pior que a gestão privada é sempre melhor que a pública - deve ser da cor dos olhos - só mesmo que os mercados tudo regulam. Como aliás ainda estamos a sentir na pele. Depois das maravilhas da austeridade expansionista claro.
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