Deixo-vos o meu artigo no Público de hoje, aproveitando para fazer ligações aos trabalhos aí referidos:
Em 1990, o historiador Eric Hobsbawm assinalava: “o capitalismo e os ricos deixaram, até ver, de estar amedrontados”. Tinha sido em parte o medo do socialismo a alimentar a reforma social e democrática do capitalismo a seguir à Segunda Guerra Mundial. Sem este medo, o capitalismo, de novo sem freios e contrapesos sistémicos, tenderia para um padrão economicamente financeirizado, socialmente oligárquico, ambientalmente insustentável e politicamente esvaziador da democracia.
Mais de um quarto de século depois, é preciso assinalar a presciência desta análise histórica e perguntar: o que é que pode hoje meter medo à elite económica e política dominante, que beneficiou de uma globalização entretanto acelerada também pelas instituições supranacionais, de recorte historicamente imperialista, incluindo a União Europeia? A resposta passa por um populismo que tenha uma declinação eurocéptica nas causticadas periferias europeias.
Parece que já ouço o mantra de uma certa elite euro-liberal dita de esquerda, dominante neste e noutros jornais: perante Trump e Le Pen, valha-nos Merkel e Macron, já que Clinton não nos pôde valer. É a mesma elite intelectual que, tendo abandonado o terreno da economia política, fala de populismo e de nacionalismo, cada um no singular, reduzindo-os a perversos discursos étnicos e culturais, sem razões ou ancoragens materiais.
Na realidade, populismos, tal como nacionalismos, houve, há e haverá sempre muitos, antagónicos nas suas justificações e nas suas consequências. Em contracorrente com uma literatura que confunde análise com amálgama insultuosa, o ensaísta John B. Judis, em A Explosão do Populismo, livro recentemente editado entre nós, começa sensatamente por distinguir entre populismo das direitas, “triádico”, e populismo das esquerdas, “diádico”. O populismo dito triádico, de Trump a Le Pen, alimenta uma clivagem, sobretudo cultural e política, entre povo e elite, sendo que esta última é acusada de proteger um terceiro grupo, minoritário, que serve então de bode expiatório para problemas reais. O populismo diádico, de Bernie Sanders a Jean-Luc Mélenchon, expõe uma clivagem material, bem real, entre povo e elite, resultado de décadas de regras neoliberais que transferem recursos de baixo para cima, decisivamente favorecidas pela globalização.
A força dos populismos é totalmente incompreensível sem as crises recorrentes da globalização em sociedades cada vez mais desiguais e fragmentadas, onde a polarização impõe politicamente uma clivagem entre um “nós” e um “eles”. Como o teórico político Ernesto Laclau nos ensinou, tal clivagem é, em última instância, indissociável de sociedades onde as massas muito dificilmente podem ser arredadas da política, apesar de todos os esforços elitistas. Se atentarmos na análise do economista político Dani Rodrik, o populismo das direitas seria favorecido neste contexto pela saliência política dos fluxos migratórios, enquanto que o das esquerdas seria favorecido pela saliência política dos fluxos comerciais e financeiros internacionais. Fluxos há muitos e desglobalizações potencialmente também.
Diria que o populismo das direitas, como Trump ilustra, não mete grande medo às elites do poder, porque deixa intacto o sistema socioeconómico, canalizando a justificada raiva e angustia populares para os que estão ainda mais em baixo. Para lá de ser um útil contrafogo ao populismo das direitas, a promessa que o populismo das esquerdas encerra para a gente comum é a de colocar o enfoque numa redistribuição modificada por transformações na economia política: o medo deve poder fluir de baixo para cima e os recursos de cima para baixo. Para tal, é necessário limitar a política de fronteiras abertas que alimenta toda a chantagem do capital mais móvel. Sem algum grau de fronteira económica, sem algum controlo político democrático sobre os capitais e sobre os fluxos comerciais ao nível dos Estados, não há responsabilidade política democrática que nos valha; nem segurança da que vale a pena, a social, a que é garantida pela provisão pública de recursos essenciais. A política popular passou sempre pela disputa ideológica da fronteira e da segurança a garantir, como a esquerda que conhece a sua história tem a obrigação de saber.
Entretanto, e isto vale ainda mais para as periferias do que para o centro europeu, o discurso populista das esquerdas não pode cingir-se à redistribuição, já que tem de colocar o problema do desenvolvimento das capacidades socioeconómicas nacionais; ou seja, o populismo tem de ser desenvolvimentista, cuidando neste processo de uma distribuição primária do rendimento mais equilibrada, produto de relações de poder mais favoráveis à grande massa dos trabalhadores É também por isto que o populismo tem de ser civicamente nacionalista e logo eurocéptico. Porque nunca houve, e nunca haverá, desenvolvimento conduzido a partir de fora da comunidade política mais relevante; nunca houve e nunca haverá desenvolvimento sem o controlo nacional de instrumentos de política pública que garantam alguma margem de manobra aos Estados para modificarem as instituições nacionais, tornando-as mais inclusivas.
Já vai sendo tempo de atentar na resiliência do vínculo nacional, tanto mais forte quanto mais pulverizadas são outras identidades, e nos custos em termos de desenvolvimento que se pagam quando o controlo estrangeiro dos recursos passa um certo limiar, em Portugal franqueado desde a passagem do milénio.
É por apostarem na obtenção de ganhos para os de baixo, sem deixarem de denunciar a ingerência externa europeia que hoje os continua a limitar, que as esquerdas anti-liberais mostram, cada uma à sua maneira, a vitalidade de projectos de construção de uma vontade colectiva nacional e popular. O facto de jamais serem elogiadas por estas práticas na generalidade da comunicação social pode ser interpretado como um sinal de que estão no bom caminho. Apesar de todos os esforços intelectuais, partindo das margens para o centro, o espectro populista não se esconjura facilmente. Há boas razões materiais para tal. Em democracia, o medo não pode estar concentrado em baixo por muito tempo.
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19 comentários:
Quando o Estado cata mais de 40% da riqueza produzida e a consome ou distribui, sobra assim tanto para essa elite? Aí quanto do PIB?
E desse quanto, quanto haveria de sacar-se para o tal populismo diádico se contentar?
Vamos a contas...
Um tema difícil e que vai desencadear as fúrias das elites ditas europeístas neoliberais. Ver-se-á a reacção destas dentro em breve porque como diz JR "a defesa da vitalidade de projectos de construção de uma vontade colectiva nacional e popular" nunca teve espaço nem nos media nacionais nem no terreno pantanoso dos cultivadores blogueiros da ordem globalizadora.
JR vai sendo cada vez mais claro na forma como apresenta esta questão a que volta com alguma periodicidade. Vai insistindo e vai ampliando os argumentos. Fornece material de reflexão e de trabalho.
Aos temas difíceis há que voltar continuamente. Porque também passa por aqui esta guerra que travamos contra a barbárie
""É espantoso como, matraqueando sem parar o jargão da ciência política, se conseguiu atribuir uma carga pejorativa brutal à ideia de povo. E, pior, associá-la, num passe de magia semiótica, à xenofobia, ao racismo e ao autoritarismo.
Um governo que se atreva a ter ter no centro da sua acção o interesse das classes populares está a explorar emoções, é alvo de chacota e é brindado nos media com o anátema do "populismo". Já um governo que que tenha como principal objectivo a preservação e reforço das elites financeiras, esse revela "sentido de estado" e "visão política" e tem direito ao selo da "credibilidade".
Estou a ver mal ou a difusão deste sentido da palavra "populismo" é um enorme triunfo do elitismo - esse sim, o grande problema da nossa democracia? "
(Pedro Estêvão)
Vamos a contas.
A começar nos bordéis tributários de que o José é fervoroso adepto.
Ver qual a parte que cabe ao trabalho e qual a que cabe ao Capital.
Depois ainda ver como está concentrada a riqueza. Concentração essa defendida pelo mesmo tipo que defende o sacar a quem trabalha
Em prol dos donos disto tudo, dos Barrosos, dos Borges , dos Mexia and so on
Se necessário poden-se apresentar os factos...
Mas como é que o Estado cata 40% da riqueza produzida?
Boa parte dos trabalhadores não paga IRS. Os da faixa que paga 40% são residuais.
O IRC das empresas é muito, muito mais baixo do que isso. Nenhuma das taxas de IVA passa os 23%.
Como é que a soma de parcelas inferiores a 40% podem gerar uma colecta total de 40%? Onde está a parcela sugadora?
Excelente análise, de seu ponto de vista, claro. Mas há dois erros claros na dita. Primeiro, claro que o processo de integração europeia contribuiu para o desenvolvimento do País, nem todos os fundos gastos em infraestruturas, ou na investigação científica, por exemplo, foram mal gastos. A contrapartida foi obviamente a abertura dos mercados, que ela própria obrigou as empresas a tornarem-se mais concorrenciais (e isto tanto quer dizer pela melhoria dos processos de produção e trabalho, como pela diminuição de direitos sociais). Segundo, toda esta conversa é inconsequente enquanto o populismo, seja diádico ou triádico, continuar a mostrar-se absolutamente incapaz de apresentar políticas alternativas consistentes. Le Pen foi arrasada por Macron ou revelar-se incapaz de apresentar um plano de saída do Euro consequente. Trump rapidamente irá defraudar as expetativas dos seus eleitores, pois a perda de postos de trabalhos deriva mais do progresso tecnológico do que da globalização. Finalmente, as promessas do Syriza cedo se revelaram uma ilusão pela sua incapacidade de negociar fosse o que fosse, que dependia igualmente da existência de um plano de saída do Euro e de resistência ao garrote do BCE. Ou seja, João Rodrigues, você martela num diagnóstico cem vezes feito, sem que saia disto e responda a um conjunto de perguntas essenciais. Como gerir de forma mais ou menos ordenada a saída do Euro? Como introduzir uma nova moeda num País como o nosso em que muitas transações são ainda feitas em numerário? Como proteger a nova moeda de ataques especulativos e com que meios (leia-se reservas de moeda forte)? Como controlar a inflação dentro de níveis razoáveis (se calhar não se lembra do que forma os anos 80, mas lembro-me eu)? Como controlar as transações monetárias quando uma saída bem sucedida depende da manutenção de uma economia aberta com um saldo global positivo (como até você e o Jorge Bateira parecem reconhecer)? Enquanto continuar a sua jeremiada moralista (o que fica mal a um Marxista que deveria antes de tudo reconhecer que o que conta são as relações de força), Merkel e Schaeuble podem dormir descansados...
"toda esta conversa é inconsequente" diz jaime Santos.
E pede políticas alternativas consistentes.
Estará o pobre JS cego e surdo?
Basta ler e estar atento. Podem não ser do agrado do JS. Podem não parecer "viáveis" para JS.
Mas existem. Por isso que JS deixe de ser desonesto. E deixe a sua jeremiada ao serviço do status quo neoliberal e contentinho
"O que conta são as relações de força".
Esta frase espantosa vem ao encontro duma sua outra preferência já que cita com alguma insistência um ex-chanceler alemão segundo o qual "quem tem visões deve ir ao médico. (Helmut Schmidt, que aceitou a instalação de mísseis nucleares dos EUA e que foi membro das juventudes hitlerianas).
Não se sabe o que admirar mais. Se o cinismo abjecto de tal atitude, se a rendição pusilâmine igualmente abjecta.
Terá sido nesta "onda" que Pétain terá tomado as medidas que tomou e que convidou a França a render-se? Porque contou com as "relações de força"?
João Rodrigues adivinhou todavia os meneios de JS:
"Parece que já ouço o mantra de uma certa elite euro-liberal dita de esquerda, dominante neste e noutros jornais: perante Trump e Le Pen, valha-nos Merkel e Macron, já que Clinton não nos pôde valer. É a mesma elite intelectual que, tendo abandonado o terreno da economia política, fala de populismo e de nacionalismo, cada um no singular, reduzindo-os a perversos discursos étnicos e culturais, sem razões ou ancoragens materiais."
Na mouche. Tanto que JS não tem outro remédio senão considerar este texto como"uma excelente análise".
Embora depois esgrima contra os seus fantasmas. Contra os seus repetidos e cansativos e muitas vezes rebatidos fantasmas.
Fala assim em le Pen e em Macron.
Quantas vezes já aqui se falou de Macron?
Fala aqui no Syriza.
Quantas vezes aqui já se falou neste?
Ambos acusados de traidores. Aqui e em muito lado.
O primeiro, um proxeneta da política, como alguém acertadamente o chamou, não teve pejos em trair o seu próprio partido para abraçar o poder sob a batuta do capital financeiro.
O segundo traindo quem votou nele.
Que apetência esta de JS pelos traidores? Um que ainda venera. Outro que elogia pela sua traição.
E ainda por cima fazendo afirmações que são no mínimo duvidosas ( por serem também desonestas). Esta por exemplo: "Le Pen foi arrasada por Macron ou revelar-se incapaz de apresentar um plano de saída do Euro consequente".
Foi esta a causa da vitória de Macron? Alguém com o mínimo de seriedade ousa defender este ponto de vista como determinante?
Mas a desonestidade continua.
Há uma enorme quantidade de informação aposta aqui, neste LdB, sobre as dúvidas de JS. Percebe-se que, por não lhe cair no goto, seja questionada por ele, tal como faz um qualquer político medíocre matraqueando-a nos media para assim parecer eficaz.
Não o é. Este não é um blog que se fique pela palavra de ordem e pela propaganda senil.
Em contra-mão as perguntas que se fazem a JS nunca tiveram resposta.
Mas o silêncio de JS não abrange apenas as perguntas que se lhe fazem. Abrange também os terrenos em que JS tinha tanta certeza, tanta convicção ( sim, já sabemos, o que conta são as relações de força").
Por exemplo. O que disse JS sobre o Brexit? Da certeza do voto Sim, para o insulto a todos os que votaram Não. Da certeza das derrotas de Corbyn (sim , já sabemos, o que conta são as relações de força) até ao seu insulto e ao apelo para o seu derrube?
Uma nota final.
Tão curioso mas tão curioso que JS fale no defraudar das expectativas para com Trump e se "esqueça" de citar as expectativas para com Macron.
"Trump, sem dúvida um homem do establishment, surgiu com promessas de reactivação da economia interna e repôs as velhas fontes energéticas no topo das prioridades. Num ápice comprou duas guerras: uma com o inultrapassável lobby da guerra, inconformado com uma hipotética desactivação de frentes militares externas; e outra com os ascendentes sectores das energias renováveis.
Noutro ápice, ao aperceber-se do alto preço a pagar por esses desgastantes conflitos internos, o magnata-presidente inverteu o rumo, virou-se para as guerras externas de modo a satisfazer os falcões e os negociantes da morte; e enveredou pela garimpagem mundial de matérias-primas, ao mesmo tempo que se descartava – e continua a fazê-lo – dos conselheiros e colaboradores que foram as suas primeiras e segundas escolhas de estratégias que nasceram ilusórias e logo se tornaram perigosas".
"Trump que não mete grande medo às elites do poder, porque deixa intacto o sistema socioeconómico, canalizando a justificada raiva e angustia populares para os que estão ainda mais em baixo"
Acho útil deixar aqui um texto do historiador José Neves no Facebook:
«O artigo que o João Rodrigues escreveu no "Público" tem o mérito de libertar o populismo de muitos anátemas que recaem sobre o conceito e que o tornam pouco mais do que impensável. Mas não me convence.
Compreendo a defesa que aí é feita de um possível populismo de esquerda que se distinguiria do populismo de direita. Aquele virá explorar a contradição elites-povo de modo afim à ideia de luta de classes, pondo pobres contra ricos, trabalhadores contra capital, ao passo que o populismo de direita tende a explorar as contradições entre, de um lado, o povo entendido como maioria nacional e, do outro lado, as minorias tidas como um outro (imigrantes, refugiados, etc.). Como muito do que visa operacionalizar a ideia de luta de classes merece a minha simpatia, diria ao João, em língua que não é da sua pátria amada: so far, so good!.
Há, no entanto, três problemas importantes que o artigo me coloca, sendo que começo pelo menos relevante.
Em primeiro lugar, não vejo como um populismo de esquerda possa não ser crítico do populismo enquanto estruturação hierárquica das relações de poder - isto é, se quisermos falar de um populismo sem líder populista, muito bem, tentemos alimentar o que é um aparente oxímoro, mas se é para tentar "descobrir" o Chavez ou o Mélenchon cá do burgo, eu prefiro não.
Em segundo lugar, mesmo que o populismo de esquerda não vise "atacar" as minorias, é discutível que não corra esse risco. Veja-se a mudança das posições de Mélenchon em relação à imigração à medida que se deu a sua conversão a uma estratégia de tipo populista. Ou veja-se a secundarização dos factores xenófobos do brexit por muita esquerda anti-europeísta.
Finalmente, e em terceiro lugar, se o artigo descreve o populismo de direita como tentativa de capturar a contradição elites-povo e reconduzir a raiva desse povo em direcção a um terceiro elemento, um outro que é tido como estrangeiro, sobra a questão: mas em parte não será também isso que o populismo eurocéptico de esquerda acaba por fazer? Não trata de botar as culpas nos eurocratas de Bruxelas e na Alemanha? Bem sei que é um outro que não é uma "minoria", o que é uma diferença importante, mas é um terceiro elemento. Um populismo à escala nacional, na verdade, por mais de esquerda que seja, corre sempre o risco sério de expiar as culpas para além da fronteira nacional, o espaço que cerca a soberania e onde medram todos os que podem dar corpo ao terceiro elemento que o populismo de direita acalenta, seja o terceiro elemento feito de "judeus ricos" ou de "refugiados muçulmanos". E se em casos como o venezuelano ou boliviano o populismo de esquerda ainda teve o condão de tornar esses estados um pouco mais plurinacionais do que eram, integrando elementos indígenas e outros no imaginário nacional, no caso das preferias da Europa essa questão não se coloca ou não tem sido colocada de uma mesma forma.
Enfim, na verdade, e parar passar agora a um registo provocatório, diria que o artigo do João poderia ser bem mais convincente se o populismo de que fala fosse pensado à escala europeia. Que tal um populismo europeísta, com um Varoufakis à cabeça, por exemplo? Se prescindisse do axioma nacionalista a-democracia-só-pode-existir-à-escala-nacional-porque-a-democracia-só-existiu-à-escala-nacional, talvez que o João admitisse discutir esta provocação. Até porque, como bem indicia a análise dinâmica que Laclau faz do populismo, este é não apenas reflexo de um povo que desempenha uma função social prévia ao processo populista; é também um factor constituinte desse povo enquanto sujeito político.»
José Neves, por intermédio de um anónimo:
"Não trata de botar as culpas nos eurocratas de Bruxelas e na Alemanha?"
Eurocratas?
Isso parece paleio de jornal de Balsemão ou comentário na caixa de post do DN.
Quem manda na UE, em Bruxelas na Alemanha não são os burocratas. É o próprio grande poder económico em estado concentrado.
Mas Jose Neves anda um pouco distraído.
Para lá dos lugares-comuns um pouco em voga, escapa-lhe algo de fundamental.
"Se prescindisse do axioma nacionalista a-democracia-só-pode-existir-à-escala-nacional-porque-a-democracia-só-existiu-à-escala-nacional" é um disparate.
Quem disse tal? José Neves treslê ou inflecte as coisas para o lado em que lhe dá mais jeito?
A rivalidade interimperialista permanece silenciada no regime de globalização por uma razão mais importante, não apenas por conta da força avassaladora de uma potência imperialista, como era o caso da conjuntura do pós-guerra, mas também porque o próprio capital financeiro se torna globalizado e consequentemente oposto a qualquer particionamento do globo em esferas de influência de potências particulares que possam entravar sua livre movimentação global.
O silenciamento da rivalidade interimperialista na era da globalização não é por conta de uma "exploração conjunta do mundo por capitais financeiros internacionalmente unidos", como Kautsky havia sugerido, mas por conta da emergência de um capital financeiro internacional.
Este fato é negligenciado em boa parte da discussão sobre a "multipolaridade". Aqui, é comumente sugerido que, em um mundo onde a "multipolaridade" parece estar a emergir, podemos testemunhar uma volta da rivalidade interimperialista. Mas o que tal prognóstico deixa escapar é que não são apenas os fatores políticos que devem ser levados em conta neste contexto mas também, acima de tudo, os fenómenos económicos subjacentes a esses fatores; e um elemento-chave destes elementos económicos é a hegemonia do capital financeiro internacional. O fato de que temos um capital financeiro internacional num mundo de estados nacionais, ao contrário da prescrição de Keynes no ensaio de 1933 de que "as finanças devem acima de tudo ser nacionais", constitui uma característica definidora da globalização contemporânea. Isto implica no fato de que o estado-nação, por bem ou por mal, tem de consentir às exigências das finanças, pois de outra forma estas simplesmente deixariam suas fronteiras en masse para se mover para outro lugar, precipitando uma crise. O fato de que, independentemente do aspeto do governo eleito pelo povo, ele deve seguir as mesmas políticas económicas, isto é, aquelas que o capital financeiro internacional prefere, de maneira a prevenir tal acontecimento, implica numa debilitação da democracia. Além disso, ser apanhado no vórtice das finanças globalizadas acarreta várias implicações económicas importantes. Primeiro, implica numa mudança da natureza do Estado. Em vez de se posicionar, independente de seu caráter de classe, como uma entidade acima da sociedade e aparentemente cuidando dos interesses de todos, o Estado agora se torna mais preocupado com promover exclusivamente os interesses do capital financeiro globalizado, sob o argumento de que os interesses da nação coincidem com os interesses de tal capital (o fato de a Moody's melhorar a nota de crédito de um país se torna motivo de orgulho nacional). Uma grande consequência disto, especialmente no contexto do terceiro mundo, é a retirada do apoio e proteção estatais sobre o setor de pequenos produtores, incluindo a agricultura familiar, expondo a vasta massa de pequenos produtores à usurpação pelo grande capital, incluindo corporações multinacionais"
(Cont)
"...o regime da globalização ocasiona aumento da desigualdade, estagnação de salários, a dizimação da pequena produção causando absoluta miséria para grandes segmentos da população trabalhadora do terceiro mundo, e uma tendência a uma crise estrutural que pode, no melhor dos casos, ser mantida a distância pelas "bolhas" ocasionais, cujo colapso agrava as condições das camadas trabalhadoras do mundo através de mais desemprego. O conservadorismo fiscal age na direção não apenas de acentuar a crise (já que possui um assim chamado efeito "pró-cíclico"), mas também efetuando cortes nos gastos e nos benefícios sociais.
Em contraste com a conjuntura do dirigismo do pós-guerra, que havia presenciado um silenciamento das disputas interimperialistas junto a concessões que o capital havia sido forçado a fazer, criando então a impressão de que o "capitalismo havia mudado", o regime da globalização, apesar de continuar a testemunhar um silenciamento das disputas interimperialistas, ocasiona uma "volta atrás ao relógio" quando se refere ao estado de bem-estar social, o pretenso "capitalismo de face humana", tanto nos países de economia capitalista avançada quanto nos subdesenvolvidos. A ascendência do capital financeiro internacional, enquanto silencia as disputas interimperialistas, traz à tona mais uma vez a natureza extremamente predatória do capitalismo, o fato de que este, para usar as palavras de Keynes, "não é justo", "não é virtuoso", "não entrega o que promete" e é capaz apenas de ser "desprezado"
(Cont)
"Superar as dificuldades das camadas trabalhadoras na conjuntura atual requer a intervenção estatal nesse sentido. Isto por sua vez requer não apenas que o estado seja sensível aos apuros do povo trabalhador mas também que possua autonomia quanto à escravidão aos caprichos do capital financeiro internacional de modo a ser capaz de buscar uma agenda que beneficie os trabalhadores. Esta autonomia pode ser alcançada apenas em uma de duas maneiras. Uma delas é através da união dos principais estados-nações (criando, por assim dizer, um "estado-mundo") que poderia superar a oposição do capital financeiro internacional à implementação de uma agenda favorecendo os trabalhadores; a outra é através de países, sozinhos ou agrupados, rompendo com o vórtice das finanças globalizadas, e colocando em prática controles de capitais que lhes dariam a autonomia para perseguir uma agenda alternativa.
Deixe-me elaborar. Um aumento no nível da procura agregada é essencial para reduzir o desemprego na economia mundial; na ausência de tal aumento, qualquer país em particular tentando aumentar o emprego através de mero protecionismo, tal como Trump está fazendo, equivale a uma política de empobrecimento de países vizinhos, isto é, exportar o desemprego, o que necessariamente provocaria a retaliação de outros países, minando ainda mais a "confiança" dos capitalistas, e portanto acentuando o desemprego no geral e a crise.
Mas numa situação onde, não surpreendentemente, a política monetária se provou incapaz de aumentar a procura, um aumento na procura agregada mundial pode ocorrer apenas através de meios fiscais, sobre os quais existem apenas duas possibilidades . Uma delas é através de um estímulo fiscal coordenado por diversos estados-nações importantes em desafio aos desejos do capital financeiro internacional. Mas tal movimento (que incidentalmente foi debatido por um grupo de sindicalistas alemães nos anos 30, e também por Keynes) pode apenas ocorrer como resultado da pressão exercida pelas lutas coordenadas dos trabalhadores destes países, da qual não há sinal no presente . A segunda maneira de aumentar a procura agregada (além de políticas de "empobrecimento do vizinho") seriam países individualmente se desligarem do vórtice dos fluxos de capital globalizado pela imposição de controles de capitais e provendo estímulos fiscais expansionistas a suas respetivas economias através de maiores gastos governamentais financiados por um défice orçamental ou impostos sobre os capitalistas. Já que a possibilidade de forjar uma aliança que possa sustentar tal estado é muito maior dentro de um país em particular do que através de vários países, transcender a conjuntura atual requer desligar-se do regime existente da globalização (a extensão exata de tal desligamento deverá ser determinado pelas circunstâncias).
Há mais...mas ficará para depois
(Prabhat Patnaik)
"Ou veja-se a secundarização dos factores xenófobos do brexit por muita esquerda anti-europeísta"
Como contraponto à secundarização dos factores xenófobos do Remain por muita da esquerda europeísta? Tornada adepta mais ou menos envergonhada da globalização?
"A globalização criou tanto a necessidade quanto a possibilidade de alianças e trouxe o mundo a uma passagem cuja escolha colocada é entre seguir em frente através do forjamento de tais alianças ou permanecer atolado numa crise onde o capital financeiro vai confiar cada vez mais no apoio do fascismo para sustentar a sua hegemonia"
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