quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O recente crescimento da economia portuguesa é surpreendente. Até quando durará?

Há 15 trimestres que a economia portuguesa não pára de crescer. Nos últimos três a variação homóloga do PIB (i.e., comparando com igual período do ano anterior) foi igual ou superior a 2%. O crescimento no 2º trimestre de 2017 (2,9%) foi o maior desde o início do século. Este deverá ser o primeiro ano em que a economia portuguesa cresce mais que a média da UE e da zona euro desde o ano 2000.

A melhoria das expectativas económicas de médio prazo é um dos factores apresentados como decisivos para a recente decisão da Standard & Poor’s de subir o rating da dívida portuguesa. A questão que se coloca é: este bom desempenho vai-se manter nos próximos tempos? A resposta passa por perceber o que está na base do crescimento mais recente, em particular dos últimos três trimestres.

Um primeiro factor relevante tem a ver com um efeito do período base: o fim de 2015 e o início de 2016 foram marcados pela desaceleração da economia internacional e em particular da portuguesa, afectada por inúmeros factores de incerteza e também pela queda acentuada do investimento público. Como o PIB não cresceu muito nessa altura, agora nota-se mais a diferença. Acresce que a economia portuguesa ainda não recuperou da profunda crise por que passou entre 2008 e 2013 (o PIB de 2017 ainda estará abaixo do de 2008). Ou seja, parte do que está a acontecer traduz apenas o quão fundo se desceu durante o “programa de ajustamento”.

Um segundo factor é a atenuação no último ano de vários dos factores de incerteza atrás referidos. Alguns desses factores eram internos: a novidade da ‘Geringonça’ e os receios sobre a sua sustentabilidade e opções de governação (alimentados para lá do razoável por uma oposição e um Presidente da República contrariados com a realidade pós-eleitoral); ou as dúvidas sobre a situação da banca nacional e sobre a capacidade de resolver os problemas mais complicados da CGD, do BCP, do BPI, do Novo Banco, etc. Outros factores de incerteza eram externos: as dúvidas sobre a manutenção do rating da agência DBRS (que determinaria o acesso aos fundos do BCE); a pressão e a ameaça de sanções sobre Portugal por parte da Comissão Europeia; a incógnita sobre o impacto internacional do referendo britânico e das eleições americanas e francesas; a ambiguidade sobre a continuação do programa de compra de activos do BCE; etc. No último ano diminuíram fortemente as incertezas e receios associados a estes vários factores internos e externos, criando assim condições mais favoráveis ao investimento.

Em terceiro lugar, a economia portuguesa beneficiou de um crescimento sustentado do consumo privado, reflectindo um aumento da confiança dos consumidores, decorrente não só da redução dos factores de incerteza mencionados, mas também da estratégia de devolução de rendimentos e do crescimento do emprego (que é simultaneamente causa e consequência do crescimento da actividade económica). Nos últimos trimestres fez também diferença alguma retoma do investimento público, que deverá crescer significativamente em 2017, embora ficando ainda a níveis historicamente baixos.

Finalmente, a economia nacional beneficiou do crescimento dos principais parceiros comerciais (especialmente na zona euro), que se reflectiu no aumento das exportações de bens e, de forma notória, do turismo.

Irão estes factores – ou outros que os substituam – determinar a continuação do crescimento da economia portuguesa até ao final da década?

Alguns dos factores referidos ainda não esgotaram o seu potencial contributo para o andamento da actividade económica em Portugal. Em particular, o investimento (privado e público) ainda está a níveis muito inferiores aos do período pré-crise (mais de 30% no total, quase 10% se descontarmos a construção), havendo espaço para que cresça nas circunstâncias actuais. Na medida em que o aumento do investimento se verifique e se traduza no aumento do emprego, como é expectável, parte da dinâmica virtuosa poderá continuar a verificar-se nos tempos mais próximos.

Acresce que várias evoluções registadas em 2017 – o vigor da retoma da actividade económica e do emprego, a estabilidade da solução governativa, a saída do Procedimento por Défices Excessivos, a subida do rating da República Portuguesa pela Standard & Poor’s, a descida das taxas de juro sobre a dívida nacional (que decorrem daquelas evoluções), bem como a continuação do bom desempenho da economia europeia – deverão contribuir para a manutenção de um nível razoável de crescimento económico nos próximos trimestres.

Por outro lado, há elementos que fazem prever que o crescimento do PIB possa desacelerar um pouco no próximo ano. Se o bom desempenho recente se deve em parte à mediocridade do período homólogo, da mesma forma o crescimento actual eleva a actividade económica para um nível em que é mais difícil crescer ritmos tão elevados (ou seja, desta vez o efeito do período base será negativo). Além disso, o consumo privado já se encontra em níveis próximos do período pré-crise (apesar do volume de emprego ser ainda bastante inferior), o que sugere que o contributo desta variável para o crescimento poderá desacelerar. Também é difícil imaginar que o turismo continue a crescer de forma significativa nos próximos anos, tendo em conta o fortíssimo aumento recente do número de visitantes e das receitas associadas.

Em suma, as perspectivas para os tempos mais próximos são moderadamente optimistas.

Isto não significa porém que os problemas estruturais que afectam a economia portuguesa estejam resolvidos. Mantém-se uma estrutura produtiva assente em actividades pouco intensivas em conhecimento e muitos exposta à concorrência internacional, um tecido empresarial com debilidades significativas nas capacidades de gestão estratégica, uma população activa pouco qualificada, uma estrutura demográfica desfavorável ao crescimento económico, custos elevados e/ou funcionamento ineficiente de serviços fundamentais para as actividades económicas (energia, financiamento, justiça), um elevado endividamento dos sectores privado e público (que é hoje muito superior ao que era há uma década). A isto acresce a participação numa zona monetária com lacunas fundamentais e que coloca as economias mais frágeis numa posição particularmente vulnerável a crises financeiras internacionais, e cujas regras orçamentais restringem fortemente a capacidade dos Estados para combater as recessões económicas com os poucos instrumentos que têm ao seu dispor.

Neste momento as condições externas são favoráveis, pelo que as fragilidades estruturais da economia portuguesa são pouco evidentes. Oxalá assim continue por mais uns tempos. Mas os problemas estão aí e não devem ser esquecidos. Oxalá não o sejam.

10 comentários:

Unknown disse...

Agradeço a reflexão. Concordo com a mesma. Por isso estou bastante interessado em saber como vai ser o próximo orçamento. Quero ver setores do estado a melhorarem. Não um simples aumento da função pública e diminuição dos impostos. Este turismo não dura sempre. Bem haja.

Geringonço disse...

"O recente crescimento da economia portuguesa é surpreendente. Até quando durará?"


Durará até ao dia em que Portugal passar de moda e as "celebridades" perderem o interesse em cá viverem e os turistas irem para outras bandas.

Quando isso acontecer os empregos de servos que o turismo cria vão desaparecer, e a juventude que andou a ser condenada à inerente precariedade deste tipo de trabalho vai ter ainda mais razões para se sentir frustrada e continuar a não dar ouvidos aos políticos e outros “especialistas” que os condenaram a vidas precárias e ambições destruídas.

Talvez aí, a população perceba que a “Geringonça” e o Catavento só são melhores que o colaborador da Pide e os psicopatas da Paf porque estes últimos estavam a destruir Portugal com convicção.

cesário vermelho disse...

Geringonço: e os turistas forem e não irem. O bom Português também faz bem ao progresso do País!

Anónimo disse...

Quanto às deficientes qualificações da população ativa, já o nosso querido Governo, numa reedição de pretéritas políticas chico-espertas que tão bons resultados deram no passado, está a resolver o assunto: um ensino baratucho (para quem é, bacalhau basta...), cheio de modernices muito pedagógicas e muito experimentais, no qual os petizes, saibam ou não saibam, passam sempre de ano, é o garante de futuras gerações sólida e profundamente formadas. O Ministério da Educação rejubila com o bem achado ovo-de-Colombo (poupa-se dinheiro e o "sucesso" não tardará a atingir os 100%), os paizinhos dos meninos e das meninas adoram, salvo raras exceções, a inovação ( a sua descendência é genial e altamente autossuficiente, pelo que, entre o tempo na "escola a tempo inteiro" e o resto do tempo passado em longos mergulhos em telemóveis e computadores, deixará de necessitar dos 5 minutos de "tempo de qualidade" que, até agora, diariamente os paizinhos lhes dedicava) e só alguns dos docentes do ensino público deste país - envelhecidos, cansados, muitas vezes doentes e totalmente proletarizados - olham com mudo horror a forma como se destrói o futuro dos adultos a haver.

Jose disse...

Uma análise honesta.

Anónimo disse...

3 factores principais que afetaram aceleração ou desaceleração do crescimento entre 2014 e 2017, e que o Ricardo Paes Mamede, nem sequer referiu:

1- descida dos preços do petróleo (sewgundo o FMI os 1,6% de crescimento em 2015 são inteiramente justificados por isto);

2- atividade na refinaria de Sines. A pausa no 1º semestre de 2016, fez o crescimento do PIB passar de 1,4% para 0,9%. E a retoma da atividade ajudou a explicar depois a passagem para para 1,7%.

3- desvalorização cambial do Euro, em cerca de 35% (e olha, ninguém ficou com menos 35% nas contas do banco! "Que estranho", dirão os idiotas que costumam usar este argumento em defesa do Euro). Desvalorização desde que o BCE começou a imprimir dinheiro com fartura, em finais de 2014, para pagar o PSPP que nos fez baixar os juros.

O Ricardo Paes Mamede, que via com admiração até hoje, como economista que é, NUNCA poderia fazer uma análise séria sem estes 3 factores, que são alguns dos principais que explicam os nossos diferentes ritmos de crescimento nestes 15 trimestres que referiu.
Disse "via", porque após este artigo deixei de o ver com admiração...

Ricardo Paes Mamede disse...

Caro anónimo desadmirado,
O meu post centra-se no que se passou nos últimos três trimestres e não nos últimos três anos. Neste período o euro valorizou em relação ao dólar (https://fred.stlouisfed.org/series/EXUSEU)e o preço do petróleo aumentou (http://www.nasdaq.com/markets/crude-oil-brent.aspx?timeframe=2y), e no entanto o PIB cresceu a bom ritmo. O único aspecto relevante do que escreve para o período que eu analiso é a paragem da refinaria da GALP, embora não tenha sido meu objectivo discutir em detalhe o que se passou no período homólogo (apenas realçar a relevância do efeito do período de base para o crescimento recente).
Cumprimentos.

A.R.A disse...

Contudo ... a economia cresce, e cresce por via do motor mais maltratado e desvalorizado pela generalidade e onde urge (agora mais do que nunca) regular seja por via de remunerações actualizadas seja por condições de trabalho condignas.

Falo das diuturnidades tabeladas a martelo e escopo para a desvalorização do salário vs categoria ; falo do regime de laboração contínua mal desenhado na lei seja pelo tempo em laboração (as 35 horas são uma realidade que já deveria ter sido legislada e aprovada em sede) seja por não se verem incluídos no regime especial de aposentação aqueles que por via do seu trabalho por turnos terem uma esperança de vida inferior às dos demais trabalhadores em regime chamado "normal" de laboração ... bom, sem falar nos sucessivos atropelos aos direitos dos trabalhadores para efectuarem trabalho extraordinário por situações de "excepção" que, com o aumento do turismo, se tornaram a norma com equipas formadas para 1/3 da ocupação e, por estarmos a falar de um sector desvalorizado, onde a legislação é cheia de lacunas profícuas a uma interpretação em que o trabalhador fica "refém" da ultima palavra do empregador (se é que me faço entender) ... uma panóplia de "segmentos" que fazem trabalhar este motor económico com lucros astronómicos para alguns mostrarem em folhas de excel ao país e outros encherem contas bancarias enquanto os demais .... sustentam com sacrifício pessoal o milagre económico do país.

Portanto haja decoro nos epítetos a utilizar aos profissionais do sector e respeito pelo seu trabalho ... enquanto os demais dormem o seu sono de descanso ou partilham tempo de qualidade em família!!!

Enquanto subsistir a ideia de que o sector do turismo é de uma escola de serviçais precários e pouco informados, a maior riqueza do nosso país (geográfica e Histórica) estará a saque dos tais pseudo-gestores de vistas curtas com palas para o lucro fácil e imediatista que, ao abrigo da lei, destroem um produto que não comporta a médio-longo prazo a massificação selvagem de ofertas em detrimento da qualidade onde menos é seguramente mais.

Falo do que sei pois sendo este o meu sector à já 20 anos espanta-me a desfaçatez com que leio certos e determinados comentários ao melhor estilo do "cuspir no prato que come" e, contudo, paradoxalmente, entristece-me saber que é o turismo o grande motor da nossa economia pois nenhum país que se preze poderá assentar o seu futuro em algo tão volúvel como é este sector.

A.R.A

Anónimo disse...

Não é de admirar a desadmiração do desadmirado por RPM. É o preço a pagar por um pecadilho solto a 26/08, e ainda se arrisca a levar com o superlativo absoluto sintético mais o tempo verbal e o advérbio.

Anónimo disse...

Muito obrigado pela resposta, caro Ricardo.

O crescimento do Euro só foi ainda de +/- 12% (longe de recuperar para a valorização que tanto prejudicou e prejudicará a nossa competitividade), nem sequer teve ainda tempo para ter impacto nas exportações (nos +/- 30% que vão para fora da zona euro).
E mesmo quando tiver, será nos próximos tempos compensado pelo facto de nossa "exportação" que mais cresce ser o turismo de outros Europeus que também usam o Euro. No entanto o efeito do atual euro desvalorizado está cá ainda, e é uma das razões pela qual o crescimento atual só tem comparação com o de há 17 anos atrás, antes do Euro!

O impacto da descida do petróleo foi quando os preços do barril passaram de 110 para 50 dólares. Uma descida enorme, que em nada se compara com as recentes oscilações entre os 45 e os 55 dólares.

Quanto à refinaria, obrigado pela explicação da sua opção em não falar disso no texto, e pelo realce que agora fez.