sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma saída para o pleno emprego


As recomendações da troika insistem na redução dos salários dos portugueses, o que permitiria aproximar Portugal do promissor estatuto de "Vietname da Europa". A verdade é que também ainda não vi uma alternativa que torne viável a nossa permanência na zona euro com outro estatuto. A menos que se considere que mais integração política, mutualização das dívidas soberanas e empréstimos do BCE aos estados são parte dessa alternativa. Quem admite esta via de saída da crise não tem pressa de responder aos que hoje estão no desemprego. Da Alemanha vêm todos os dias mensagens de que esse caminho não é viável, mesmo que fosse desejável. De facto, não é uma alternativa política.

Acima de tudo, é dramático que a oposição até agora não tenha sido capaz de gerar uma alternativa credível, em que o pleno emprego figure como o objectivo central da política económica proposta. Na moeda única, amarrados ao Tratado Orçamental, o nosso horizonte é o da estagnação depressiva ou, na melhor das hipóteses, um crescimento com reduzida criação líquida de emprego. Uma oposição que ambicione ser alternativa não pode limitar-se à retórica das "políticas activas" de emprego, como se estivéssemos num tempo de desemprego estrutural, em que os sectores em crescimento carecem de mão-de-obra ao mesmo tempo que os desempregados têm de adquirir nova competências. Hoje, no tempo da segunda Grande Depressão, precisamos de recuperar a coragem política e o espírito inovador de Franklin D. Roosevelt.

Keynes disse nos anos 30: "O principal objectivo da política orçamental é o de resolver um problema real, fundamental, e no entanto simples [...] o de oferecer um emprego a qualquer pessoa." É disso que precisamos, de um programa público de criação de emprego para todos os que puderem e quiserem trabalhar (ver Pavlina Tcherneva, "Fiscal policy effectiveness: Lessons from the Great Recession", Real-World Economics Review no. 56). Uma interpretação rigorosa de Keynes mostra que ele não defendia um qualquer aumento da despesa pública. A sua estratégia de relançamento da economia baseava-se em projectos de criação de emprego à escala regional e local. O perfil dos desempregados, as necessidades sociais a satisfazer, as obras públicas indispensáveis à região, tudo seria avaliado e articulado na perspectiva da utilidade social dos projectos.

Importa lembrar que, para lá dos investimentos em reabilitação urbana de que muito precisamos, há outros tipos de carências nos meios urbanos. Há uma população idosa que precisa de serviços domésticos, de tratamentos em casa, de apoio nas deslocações. Muitas escolas têm falta de auxiliares e mesmo de professores. O mesmo se pode dizer do sector da saúde, em que a vertente preventiva deveria ser alargada. Fora das grandes aglomerações há imensas carências que são bem conhecidas dos eleitos locais. A preservação e valorização dos rios e florestas daria lugar a projectos criadores de emprego. O mesmo se pode dizer das actividades culturais. Em todas as áreas da provisão social há inúmeras carências e, por outro lado, há milhares de pessoas dispostas a aceitar um emprego a tempo inteiro ou parcial, com salário modesto mas digno, estável e integrado no sistema público de segurança social. Enquanto os restantes instrumentos da política económica levam algum tempo a induzir crescimento com criação de emprego no sector privado, este programa público criará, a curto prazo, milhares de empregos e impulsionará a economia através da procura interna de bens e serviços nacionais.

Pensando um pouco, faz sentido que a sociedade portuguesa ainda não tenha criado uma alternativa política que assuma o objectivo do pleno emprego. É que, para lançar um programa desta natureza teríamos de sair da zona euro. Por duas razões bem simples: precisamos de emitir moeda para o financiar; não é esse o modelo de sociedade que a UE nos fixou. Aproximando-se o fim do Memorando, a saída que verdadeiramente nos interessa é a saída do euro, uma saída para o pleno emprego, o grande tabu no pobre debate político português.

(O meu artigo no jornal i)

9 comentários:

Anónimo disse...

"Uma interpretação rigorosa de Keynes mostra que ele não defendia um qualquer aumento da despesa pública. A sua estratégia de relançamento da economia baseava-se em projectos de criação de emprego à escala regional e local."
Ao ler estas duas frases fiquei sem perceber qual era afinal a solução proposta: financiar os projectos de criação de emprego com dinheiro privado? Aumentar a dívida pública para os financiar?

Felizmente no final do post veio o esclarecimento: sair do euro para podermos emitir moeda para os financiar. É pena realmente que nem todos tornem as suas propostas tão claras.

Francisco disse...

Nesse "pobre debate político" já hou quem - o PCP, para ser mais explícito - haja inscrito nas suas linhas programáticas precisamente o debate em torna da permanência ou saída de Portugal do Euro e, neste caso, em que condições. Fica por isso a nota de que perante essa omissão, este "pobre artigo" em muito contribui para o enriquecimento do "pobre debate político" em Portugal

Luís Lavoura disse...

Mas de onde vem o dinheiro para todos esses empregos pagos com salário digno? É fabricado pelo Banco de Portugal? E a consequente inflação? Quer transformar Portugal na Venezuela?
Se, sem aumento do aparelho produtivo, o Jorge Bateira quer dar um salário digno a todos os que estão desempregados, então é óbvio que o consumo irá aumentar e que, como consequência, uma vez que o aparelho produtivo permanece o mesmo, a inflação disparará.

Luís Lavoura disse...

os investimentos em reabilitação urbana de que muito precisamos

Não precisamos não senhor. Ao longo dos últimos anos o que mais houve foi construção de casas. As cidades portuguesas têm hoje, todas elas, casas em excesso. Neste cenário, o Jorge pretende reabilitar ainda mais casas? Para quê? Acha que há falta de casas?

Anónimo disse...

ò amigo Bateira:
Ninguém duvida que o seu programa publico criará a curto prazo, milhares de empregos e impulsionará a procura interna de bens e serviços.
O problema é que também impulsionará a procura externa (importações): pois, por mais que se substituam importações por produtos nacionais, não somos autosufientes em muitos produtos (ex:petróleo, maquinaria, produtos electronicos e informaticos, material transporte, produtos quimicos, etc). E, para pagar estas "novas" importações é preciso euros (ou outra divisa forte), não pode ser com "novos" escudinhos.E, só há duas formas de arranjar euros (ou outra divisa forte): exportando mais, ou pedindo emprestado. E, não sendo possível pedir mais emprestado, resta exportar mais. E, para exportar mais, precisamos que os nossos produtos continuem a ter acesso livre aos mercados europeus. E, se sairmos do euro de uma forma unilateral (não previamente negociada), conforme o amigo propõe,não pagando o que devemos, estamos sujeitos a que os nossos parceiros europeus retaliem com sanções economicas (por exemplo: fechando os mercados às nossas exportações). E, se eles fizerem isso, o que acontecerá à economia Tuga? e ao desemprego amigo Bateira?.

Anónimo disse...

O pleno emprego é antes de qualquer outra coisa é uma questão moral. Que confiança é possível gerar numa sociedade que admite a privação de alguns dos seus cidadãos? Todos os dias algumas figuras insistem em dizer que querem um país mais produtivo quando na verdade apenas pretendem mais produção neste país, custe o que custar. Penso que o debate alargado deve ser em torno do sistema politico, os cidadãos têm de ser questionados sobre se pretendem um sistema democrático ou uma ditadura, as posições têm de ser claras.

Jose disse...

Tudo muito claro com uma excepção lamentável, por ser crítica para a seriedade da proposta:
a drástica desvalorização dos salários que a saída do euro necessáriamente provocaria.

São estas negaças que fazem o descrédito das alternativas!

Anónimo disse...

Decerto haverá resposta pelos economistas deste blog mas
Ao homonimo Jose:

uma desvalorização dos salários pela moeda é bem menos nefasto do que a desvalorização interna apenas feita nos salários. Os custos de contexto seriam desvalorizados também aumentando significativamente e a inflação teria vários efeitos positivos na nossa dúvida. Começando pelo valor real da mesma diminuir para além das expectativas criadas com esse factor.

Ao Luis Lavoura:
já agora por que não Zimbabué?
Caro Luis, se quiser ler sobre a inflação na Venezuela e o porquê da mesma, procure no Google.
Se tivermos um BdP a sério a inflação pode ser controlada. Ademais a Venezuela tem um mercado cambial shadow de proporções que não seria possível aqui. Começando pelo facto de que uma saída do Euro, bem negociada,evitaria um mercado negro como existe nesse país.
Quanto ao aparelho produtivo, com a inflação, haverá sempre incentivo a produzir mais e a aumentar o output.
Mas decerto que alguns manuais de Economia poderão explicar-lhe melhor. Se tiver massa cinzenta para os interpretar.

José Silva

Um judeusito disse...

Luis Lavoura, e de aonde vêm o dinheiro para pagar os Ordenados mais que bons na Alemanha, em que a Merkel aprovou o Ordenado Mínimo para 2015 acima dos 1400 euros mês ?

E de aonde vem o dinheiro para pagar os Salários Mínimos acima de 1500 na Irlanda, ou no Luxemburgo, ou no País de Gales?

Só mistérios que tanto economista caseiro não consegue resolver.