domingo, 14 de julho de 2013

Uma ideia mesmo perigosa


Nasci em Dundee, Escócia, em 1967 (…) A minha mãe morreu quando eu era muito novo e fiquei ao cuidado da minha avó. Cresci na pobreza (relativa) e por várias vezes fui para a escola com buracos nos sapatos. A minha educação foi, no sentido original da palavra, bastante austera. O rendimento familiar consistia num cheque do Estado, mais concretamente numa pensão de velhice, para além das ajudas ocasionais do meu pai trabalhador manual (…) Sou um filho do Estado-Providência e tenho orgulho neste facto. 

Actualmente, sou professor numa universidade da Ivy League norte-americana [Professor de Economia Política Internacional na Universidade de Brown, uma das universidades de elite dos EUA]. Sou um dos exemplos mais extremos de mobilidade intrageracional. O que fez de mim o homem que sou hoje é aquilo que é agora responsabilizado por ter gerado a crise: o Estado, mais especificamente o Estado-Providência descontrolado, ineficiente e paternalista. Este argumento não passa o teste da intuição. Devido ao Estado-Providência britânico, por muito frágil que fosse por comparação com os seus primos europeus mais generosos, nunca passei fome. A pensão da minha avó e as refeições gratuitas na escola garantiram-no. Tive sempre um tecto, graças à habitação social. As escolas que frequentei eram gratuitas e, na realidade, funcionaram, como escadas de mobilidade para aqueles a quem lotaria genética da vida deu, ao acaso, as capacidades para as subir. 

Por isso, o que me preocupa a um nível profundamente pessoal é que se a austeridade é vista como a única alternativa, então tal não é apenas injusto para a actual geração de trabalhadores que tem de salvar banqueiros, como o meu próximo “eu” pode não vir a existir. A mobilidade social que as sociedades britânica e norte-americana tomaram por adquirida, entre os anos 50 e 80, e que fizeram com que eu e outros como eu fossem possíveis, foi efectivamente interrompida (…) Cortar no Estado-Providência em nome do crescimento e da oportunidade é uma fraude ofensiva. O propósito deste livro é relembrar estes factos e garantir que o futuro não pertence apenas a uma minoria de privilegiados. Francamente, o mundo precisa que mais filhos do Estado-Providência se tornem professores. Isto faz com que o resto se mantenha honesto. [referências omitidas, minha  tradução do original em inglês]

Mark Blyth, Austerity – The History of a Dangerous Idea, Oxford, Oxford University Press, 2013, p. ix.

Uma das melhores justificações para escrever um livro e uma das melhores defesas do Estado-Providência que eu já li. Quem quiser um resumo dos argumentos de um livro que é indispensável traduzir num país destroçado por uma ideia perigosa, pode ler o artigo na Foreign Affairs e/ou ver este vídeo legendado. É sabido que a desigualdade socioeconómica e a mobilidade social emperrada andam juntas e que um Estado-Providência robusto é um dos melhores mecanismos inventados para igualizar em dimensões essenciais e para fazer com que nascimento não seja destino. Em Portugal podem contar-se histórias semelhantes, mas em número relativamente insuficiente. E Portugal é um dos países europeus onde, devido às políticas de austeridade apoiadas activamente por elites medíocres e subservientes, histórias deste tipo poderão ser ainda mais raras no futuro.

18 comentários:

Anónimo disse...

Basicamente, a minha história pessoal é parecida. Livro benvindo!

Anónimo disse...

Este argumento é muito parecido com o que Vítor Gaspar utilizou para justificar a sua permanência no governo.

A escola pública e o estado previdência também produzem "Gaspares".

Mário Amorim Lopes disse...

A questão discutida, mesmo entre os mais arautos dos liberais e libertários, não é se o Estado social deve existir ou não, mas sim a característica universal que faz dele, sim, paternalista. Se o Estado social for visto como um estado temporário que permita às pessoas sair da situação de pobreza, nenhum problema com isso. O Estado deve existir para amparar precisamente essas pessoas. Agora, se o Estado for usado — como é — para forçar escolhas na saúde e na educação a quem não precisa efetivamente dessa ajuda, aí sim, é paternalismo e, pior ainda, é o pretexto para um antro de parasitas se alimentar.

Anónimo disse...

no fundo, defende um estado social mínimo, só para não pode pagar ?

Gato Preto disse...

"...um antro de parasitas se alimentar". A começar por ti, Mário Amorim Lopes

Mário Amorim Lopes disse...

Um Estado Social mínimo, só para quem verdadeiramente necessita, e deixar as restantes pessoas decidirem e gerirem as suas vidas (e as suas carteiras). E Estado financiador e não provedor. Não vejo qualquer motivo para o Estado prover serviços que a economia de mercado já mostrou ser bem mais eficiente a fazê-lo. Aliás, é interessante olhar para os países nórdicos e ver como eles têm bem mais liberdade de escolha do que nós, embora sejam considerados o paraíso do igualitarismo. A Dinamarca tem, surpresa, cheques ensino, e a Suécia tem bem mais escolas privadas que Portugal

emigrante na Suécia disse...

ó senhor Mário
O senhor mente ou é profundamente ignorante
Você não faz a mínima ideia de como funciona o estado social Sueco

R.B. NorTør disse...

E no entanto quer na Dinamarca, na Suécia ou na Noruega o estado é um estado provedor que faz parte da equaçao da escolha para todos e nao um estado minimalista, uma espécie de remendo para limpar as almas mais comovidas com "os pobrezinhos".

Querer chamar os países nórdicos como termo de comparaçao naquilo que o estado faz e dá é condenar a um falhanço ainda mais rotundo as ideias liberalóides que por aí andam.

A título de exemplo, quando confrontados com a opçao "menos impostos para maior escolha", a maior parte dos leitores de um jornal dinamarquês (penso que o Copenhaguen Post, mas nao tenho a certeza) optaram por manter os níveis de taxaçao.

Ah, e se falamos nos países nórdicos, podemos tambem referir as pensoes com valor único para todos e as benesses para políticos que fazem os nossos parecerem emires?

Mário Amorim Lopes disse...

Recomendo a leitura de http://www.economist.com/news/leaders/21571136-politicians-both-right-and-left-could-learn-nordic-countries-next-supermodel

Citando,

"When it comes to choice, Milton Friedman would be more at home in Stockholm than in Washington, DC."

Nuno Carvalho disse...

Parece-me que a actual crise está a ser usada para usurpar funções do estado-providencia, e assim, eliminando a possibilidade de muitos cidadãos obter saúde e educação, que lhe permita ter uma melhor qualidade de vida. Quem nasce pobre, pobre fica, voltamos a um feudalismo económico e social.
Essa usurpação, que para os arautos dos liberais e libertários, é benéfica para todos, infelizmente apenas tem como único objectivo o lucro para alguns, sem distribuição justa pelos trabalhadores. O Estado Português tem sido usado em benefício próprio de uma elite, para negócios ruinosos, e ajudar algumas empresas e bancos, detidas pela elite.
Mário Lopes, eu sugiro que o movimento e ideias liberais atacasse também o uso indevido do Estado por alguns. De nada valerá diminuir a intervenção do Estado na Saúde e Educação, se se continuar a construir auto-estradas sem carros e patrocinar o BPN´s!

Mário Amorim Lopes disse...

"Mário Lopes, eu sugiro que o movimento e ideias liberais atacasse também o uso indevido do Estado por alguns. De nada valerá diminuir a intervenção do Estado na Saúde e Educação, se se continuar a construir auto-estradas sem carros e patrocinar o BPN´s! "

Totalmente de acordo. A defesa de um Estado menor, menos corporativo, é precisamente para evitar esse tipo de compadrios, favores e situações. Um Estado liberal jamais teria feito bail out ao BPN ou teria permitido que tanto dinheiro fosse gasto em investimento público improdutivo.

R.B. NorTør disse...

Caro Mário,

Desconheço a tua experiência nórdica, mas o facto de só teres um artigo, e do Economist, leva-me a recomendar que escolhas um dos países e vás para lá viver durante pelo menos um ano. Se já lá estáss as minhas desculpas...

(Ah, e podes tirar a Finlândia do lote "nórdico", são culturalmente um povo à parte.)

Agora aquilo que tu defendes (um Estado Minimalista - que mais não é do que dizer uma versão de Estado Social só para descargo de consciências) não existe nesses países. O que existe é aquilo que chamas de Estado Provedor. Isso não quer dizer que não haja espaço à iniciativa privada ou que os cidadãos não tenham escolha. Agora a base dos sistemas (saúde, educação, segurança social) é o Sistema Público para o qual todos contribuem. Ou seja, o Estado não existe para alguns, existe para todos e todos o pagam, consoante as suas posses, mesmo que não o usem.

Adriana disse...

O que eu gostava era que o Mário Amorim Lopes me explicasse em que é que o facto de termos um estado providencia, para o qual todos contribuem, impede a iniciativa privada de prestar os mesmos serviços, se assim o desejar, a quem os quiser pagar , se assim o desejarem ?
Está por acaso proibido de ter acesso a um hospital privado? A seguros de saúde? A um colégio particular para os seus filhos? A carro pessoal para transporte ?
O que o Mário Amorim Lopes defende é o egoismo simples : não necessito desses serviços por isso não quero paga-los, quero ficar com o dinheiro dos meus impostos e gasta-lo como bem me apetecer.
Esquece-se que só pode fazer isso porque é um dos previligiados que têm a sorte de ter emprego, talvez até ganhe bem , e têm uma vida estável.
Garanto-lhe que toda essa senha libertária lhe passa no dia em que se vir sem emprego e com contas á porta para pagar.
A diferença entre estes "liberais" e a esquerda é que os primeiros convivem bem com a desigualdade e até a acham natural, enquanto aos segundos, a existencia de desigualdades que o individuo não possa controlar ( por culpa do DNA com que nasceu, das condições socio económicas,de azares inesperados na vida, etc),faz espécie.
A atitude " não preciso por isso não contribuo" é tudo menos solidária. Tudo bem, não é crime nenhum ser-se egoista, mas não me venham justifica-lo com pseudo teorias económicas.
Para que um verdadeiro estado social exista, todos devem contribuir na medida das suas possibilidades, o que significa que quem ganha mais deve contribuir mais, pois não é com parcas contribuições que se sustenta um estado eficiente.Se se desiquilibra este principio de contribuição, não haverá dinheiro suficiente para sustentar um estado social que de facto ajude quem precisa.
Quem mais contribui ou quem menos contribui, todos devem ter acesso da mesma forma a serviços de qualidade.
Passe uns meses nos EUA, onde o sistema de saude é minimo (limita-se a não deixar morrer subitamente alguém) e fale com pessoas que tenham passado por uma doença grave e prolongada. Vai perceber que até a casa tiveram de vender para pagar as custas do hospital, porque os seguros não cobrem tudo.
É isso que quer? Suponho que seja saudável de momento, mas será que o vai ser sempre?
Pense nisso. Pode não perceber para já os beneficios de um estado social caro mas de qualidade. Mas irá percebe-lo á medida que a sua idade avançar...

Mário Amorim Lopes disse...

Adriana, eu não posso ser aquilo que você chama de "egoísta", que é dizer que se não quero usar, não pago. Mas a Adriana pode obrigar-me a contribuir para algo que eu não quero, caso contrário, sou preso. A isso chama-se coerção e extorsão, o que colocado lado a lado com o egoísmo, prefiro claramente este último.

E a questão nem está no egoísmo. Está pura e simplesmente porque o Estado é um mau prestador de serviços. Para além de usurpar e desviar dinheiros, pode perpetuar mau serviço sem que nunca (bom, já não é bem assim e ainda bem) vá à falência. O mercado concorrencial já provou vezes sem conta que fornece mais e melhor.

Quanto aos EUA, trabalhei lá e tinha um seguro de saúde. E estou aqui. E engana-se quanto ao meu emprego estável e a ganhar bem. Engana-se rotundamente. Até porque eu não estou nesta vida por dinheiro, mas por satisfação pessoal do que faço.

E não, o privado não compete por igual com as escolas públicas, por exemplo. Se o financiamento fosse aos alunos e não à escola, aí sim. Os encarregados de educação escolheriam a melhor escola. Nos atuais moldes, não. Ricos vão para privados, pobres para o buraco onde nasceram. Parece-lhe justo?

R.B. NorTør disse...

Começo a ficar cansado de ter de ir desenterrar esta linha de comentários. Nao querem continuar isto noutro comentário mais acim? ;)

Bom, indo ao assunto.

A suposiçao que o "verdadeiro" mercado concorrencial funciona melhor e elimina a corrupçao só encontra paralelo na suposiçao que um "verdadeiro" sistema estatal funciona bem e elimina a corrupçao. Soa a alguma coisa familiar?

Quando se menciona que um sistema misto acaba por ser corrupto e se tirarmos o Estado da equaçao deixa de haver corrupçao, estamos a esquecer que o argumento reverso também é verdade: se tirarmos o privado da equaçao deixa de haver corrupçao. A História já se encarregou de demonstrar, várias vezes, em vários locais, como ambas as preposiçoes estao erradas.

A má qualidade da prestaçao de serviços do Estado é algo que me parece ilusória, especialmente desde que passei a ter de ser "cliente" de outros Estados. Tirando os países nórdicos em que vivi (mais à frente vou falar de um, mas geralmente vou tentar mantê-los fora da conversa) nenhum outro país da Europa me parece ter um Estado tao ao serviço do cidadao como Portugal. Digo-o com base em algumas minudências como o sistema de saúde (pré-troika entenda-se) ou a quantidade de serviços (finanças e seg. social) que se podem realizar online por oposiçao a dias de trabalho/férias/folgas perdid@s. Face à minha experiência tenho dificuldade em perceber quem se queixa sistematicamente da qualidade dos serviços do Estado, mas entendo que diferentes experiências, diferentes percepçoes.

Quanto às vantagens do mercado "concorrencial", infelizmente estas resumem-se bem com quem jogou Monopolio com o meu grupo de jogos de tabuleiro, porque invariavelmente aquilo é "todos contra todos e no fim ganha o que está feito com a banca"! Ou para quem joga(va) futebol na rua: o dono da bola tinha sempre razao, mesmo que andasse a "distribuir fruta" o jogo todo senao ia-se embora com a bola.

Ou para falar de casos reais: o mercado de combustíveis português.

Mário Amorim Lopes disse...

"A suposiçao que o "verdadeiro" mercado concorrencial funciona melhor e elimina a corrupçao só encontra paralelo na suposiçao que um "verdadeiro" sistema estatal funciona bem e elimina a corrupçao. Soa a alguma coisa familiar?"

Pelo contrário. Eu consigo dar-lhe imensos casos em que o aumento da presença estatal aumentou, e muito, a corrupção, mas não me conseguirá dar exemplos contrários, em que uma redução da presença do Estado seja indicador de aumento de corrupção.

Basta olhar para os casos académicos: União Soviética e China de Mao. Os mercados negros e a corrupção era tanta, que ditou o próprio fim do sistema. Como é óbvio: quando tentamos ir contra a essência humana, suprimindo tendências naturais, a coisa tende a não correr bem.

Por fim, acho curioso que ache que o nosso Estado está ao nosso serviço. Obrigam-nos a obedecer a protocolos, burocracias e taxas e impostos infindáveis, mas pode ser feito online, portanto até é porreiro. Sinceramente, a única comparação que me ocorre, que é inusitada e até pode ser ofensiva, mas não a interprete de forma pessoa, é a de que levar por trás é bom, desde que com vaselina. Não me parece um bom argumento.

R.B. NorTør disse...

Eu acho que, quando comparado com outros "Estados" o nosso ainda está ao nosso serviço. A questao dos procedimentos é como num jogo de futebol haver quem se queixe que o malandro do árbitro quer que os penalties se marquem a 11 metros da linha de golo e ainda por cima nao deixa que mais ninguém esteja dentro da grande-área para além do GR defensor e do marcador do penalti.
O que eu espero do Estado é, e volto a frisar que na generalidade o Português ainda é dos que mais garante isso, igualdade de tratamento para todos. Há arestas que podem ser limadas? Meu Deus, claro que há, mas nem os nórdicos pensam que vivem em Estados perfeitos!

Quanto à transparência de sistemas sem intervençao do Estado, penso que que nao precisamos de ir muito longe, basta ver o que está na génese da Crise que vivemos hoje! Haverá sector mais desprovido de intervençao estatal do que o sector financeiro? E achamos ainda que o que sucedeu foi uma espécie de acidente de percurso que ninguém viu aparecer? E será apenas um acidente que rebentaram mais bolhas especulativas desde que a regulamentaçao estatal foi tirada da equaçao, do que nos 30 anos que a antecederam?

Nao Mário, se parares para pensar um bocadinho vais chegar à conclusao que o teu sonho de que uma sociedade sem Estado é uma sociedade sem corrupçao é apenas e tao só uma outra versao do sonho de alguns de que um sociedade puramente Estatal é uma sociedade sem corrupçao.

Lowlander disse...

Oh Marinho,
Tens bom remedio pa! Na Somalia e Afeganistao nao existe Estado vai para decadas!
Liberta-te pa! Manda postais.