terça-feira, 9 de julho de 2013

Da corrupção, do poder do dinheiro

Um estudo que me deixa optimista: mais de metade dos portugueses inquiridos acha que o governo “está na mão dos grupos económicos” e que a corrupção aumentou nos últimos dois anos. Ter uma noção realista do que se passa é um primeiro passo para encontrar uma solução para o poder ilimitado do dinheiro, para a sua tendência, sobretudo quando está concentrado em poucas mãos, para se converter em poder político igualmente concentrado, para atravessar todas as linhas, para invadir todas as esferas, para subverter todos comportamentos, para corromper todas as práticas. De facto, como tenho argumentado neste blogue, a intensificação das políticas neoliberais contribui para este fenómeno através de vários mecanismos.

Em primeiro lugar, e se seguirmos a indicação de vários estudos sobre os impactos negativos da desigualdade económica excessiva, o incremento que está sendo promovido, num dos países já mais desiguais da Europa, pode contribuir para aumentar a corrupção, dando poder aos mais ricos, aos grandes grupos capitalistas nacionais e estrangeiros, para moldar as inevitáveis regras do jogo a seu favor ou para saltar por cima delas quando der jeito, corroendo a crença na sua justiça, deslegitimando as instituições e diminuindo a confiança que os cidadãos têm nelas e uns nos outros.

Em segundo lugar, as privatizações são uma grande e conhecida oportunidade para corromper. A entrada multiforme dos grupos económicos nas áreas da provisão pública, associada ao desmantelamento do Estado social, é uma grande oportunidade para corromper. Temos grandes negócios à custa dos bens comuns.

Em terceiro lugar, a degradação da autonomia e do estatuto laboral dos funcionários públicos e o ataque à ética do serviço público e às instituições públicas nas quais pode florescer, da ameaça do despedimento à idolatria pela empresa capitalista, aumentam as possibilidade para todas as pressões, chantagens e “persuasões” por parte dos poderes capitalistas e dos seus políticos de serviço. Imaginam o que pode acontecer no futuro laboral que estão a desenhar aos funcionários que sigam o exemplo daquela técnica do ministério da agricultura que se recusou, durante anos, a dar parecer positivo a um célebre abate de sobreiros?

Em quarto lugar, o poder do dinheiro aumenta à medida que são deliberadamente erodidos os contrapoderes cívicos, incluindo sindicais, à medida que se atrofia, graças ao desemprego e à precariedade, a acção colectiva popular que saudavelmente suspeita do empresarialmente correcto que infesta a vida pública, num país onde, também em parte graças à desigualdade, estes contrapoderes já não são fortes.

É por estas e por outras que uma política de combate à corrupção tem de passar pelo combate à desigualdade socioeconómica, pelo combate a favor da segurança e estatuto laborais de quem trabalha em funções públicas e nas outras, pela protecção da integridade de instituições e valores não-mercantis, pelo combate sem quartel ao neoliberalismo. Uma política de combate à corrupção tem de ser, em suma, uma política socialista.

10 comentários:

António Pereira disse...

Obrigado pelo artigo e pela reflexão sobre este assunto tão importante na esfera da vida pública e política em Portugal.
No entanto, permanece a dúvida, como é possível o combater a corrupção quando o poder político está restrito aos mesmos 3 partidos nos quase 40 anos de história da democracia representativa em Portugal?
Devemos procurar reformar cívicamente a pedagogia, criando fora das escolas e de outros espaços de influência da esfera do estado ou de outros interesses corporativos, centros de informação variada (como universidades populares) para a gente de todas as idades ? Ou aceitar que, apesar desta sondagem aqui apresentada, sendo esta uma democracia representativa (apesar de termos neste momento um vice-primeiro eleito por pouco mais de 600.000 votos) a corrupção instalada é apenas um eco da vontade popular?

mimimii disse...

Acho estranho um post sobre corrupção no qual não é enfatizado que a maior parte dela resulta de um abuso do poder do Estado. É verdade que pessoas e empresas se aproveitam disso, mas parece-me que isso não é algo que possa ser mudado. Se há a oportunidade, há uma grande hipótese de ela vir a ser aproveitada. Pelo contrário, se não houvesse ocasião, o resultado seria diferente.

Não obstante, é verdade que mais desigualdades estão associadas a mais corrupção, possivelmente, porque em sociedades mais desiguais tende a ver um desejo ávido de ascensão social a todo o custo entre a população.

Por último, o setor privado erradica eficazmente a corrupção, desde que exista competição, o que não é o caso nos exemplos mencionados. Sem ela, tem os mesmos problemas do Estado.

Anónimo disse...

Quer gente mais corrupta do que muitos dos actuais funcionários públicos? E como é que muitos deles entraram para a função pública? Através de actos de corrupção.

Anónimo disse...

Sobre as desigualdades nas sociedades há um excelente trabalho elaborado por Wilkinson e Pickett que revela a verdadeira dimensão do problema. Na minha opinião esta problemática não terá fim até se abolirem as heranças, mas isso não está seguramente para breve.

R.B. NorTør disse...

A afirmaçao de que o privado erradica eficazmente a corrupçao é de uma inocência só ao nível de quem acredita numa "pátria sem amos" ou na "austeridade virtuosa": todas sao excelentes ideias no papel, contrariadas de que maneira pela realidade!

Anónimo disse...

No Código Penal português o crime de corrupção está exclusivamente associado ao exercício de funções públicas.

Resulta daqui que quanto maior for a dimensão do Estado, quanto mais áreas da sociedade abranger, tutelar e regular, quanto maior poder tiverem os funcionários públicos, maior será naturalmente o potencial de corrupção.

É simples.

Lowlander disse...

"É simples."

Nao, e simplista.
Denunciando um simplorio por tras do enunciado.

Anónimo disse...

Caros anónimos:é claro que é simples. Gente mais corrupta do que os funcionários públicos não há. Eu (que sou funcionário) que o diga bem como o anónimo das 02:44 que também o é.

Anónimo disse...

Sou o anónimo das 2:44, não sou funcionário público, mas sei bem do que escrevo, como muitos outros o saberão.

Anónimo disse...

curioso é que embora achemos que somos corruptos temos os níveis reais de corrupção a contrariar isso:

"no que toca ao pagamento de subornos a nível da Europa, 11% dos inquiridos admitem ter pago subornos em pelo menos um de oito tipos de serviços públicos nos últimos doze meses. Nesta questão, Portugal é o terceiro país da Europa em que os inquiridos menos admitem ter pago subornos para obter determinados bens ou serviços públicos."

Não pagamos actos corruptos, mas achamos que os pagamos.