sábado, 21 de maio de 2011

Algum realismo, muita ficção


O último relatório anual do Banco de Portugal (BdP) tem muita ficção e algum realismo. O realismo está no concreto “curto prazo”: “Esta recessão prolongada será acompanhada de uma contração sem precedentes do rendimento disponível real das famílias e de novos aumentos da taxa de desemprego” (p. 25). Obviamente, o desemprego está relacionado com a recessão e não com a ideologia da “rigidez” laboral que o BdP insiste em propagar.

O BdP lá reconhece que “existe uma vasta evidência empírica de apoio” à abordagem keynesiana sobre os efeitos recessivos da austeridade e que a “evidência empírica relativa a consolidações orçamentais expansionistas é bastante frágil, sendo largamente baseada no estudo de casos específicos” (pp. 72-73). Estes “casos específicos” dependem, como se reconhece no relatório, de condições que não estão presentes no actual contexto nacional, nomeadamente uma política monetária expansionista e a possibilidade de depreciação cambial.

A certa altura, no relatório, temos uma crítica ao pessoal da CIP e aos intelectuais do patronato medíocre, os que insistem na redução dos custos salariais e não no que importa: “Entre as empresas que consideram ter limitações ao investimento, a deterioração das expectativas em relação à procura continua a ser inequivocamente o principal fator limitativo [para mais de 50%] (…) Contudo, é de referir que os fatores diretamente relacionados com o financiamento das empresas, seja através de autofinanciamento ou via obtenção de crédito e correspondente nível das taxas de juro, viram a sua importância aumentar substancialmente.” (p. 159).

Se isto é assim por que é que a CIP e o BdP continuam a exigir borlas ao Estado e aos trabalhadores, sob a forma de redução de direitos laborais ou das contribuições para a segurança social? Por que é que a CIP continua a exigir horários mais longos, o que contraria tudo o que é necessário fazer para criarmos uma economia mais rica em emprego? Mistério.

Entramos então no domínio da ficção, que serve para encobrir e legitimar lógicas especulativas e punitivas. A formulação que abre o relatório - “os investidores internacionais singularizaram a economia portuguesa” - é um exemplo disso. A defesa das “reformas estruturais” da troika, em nome de amanhãs que cantarão, mas só num prazo nebulosamente longo, é outro. É a estafada cassete da Almirante Reis.

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