Nouriel Roubini expõe no Negócios o problema dos desequilíbrios mundiais, que têm expressões muito concretas na Zona Euro e que não estão perto de resolução institucional satisfatória. Relembro Skidelsky e Keynes: as absurdas políticas de austeridade favorecem reacções ditas “proteccionistas”, mesmo que disfarçadas com a habitual retórica do “comercio livre”. Os EUA fazem o que sempre fizeram e que Helena Garrido assinala: usam a política monetária para favorecer o que consideram ser o seu interesse nacional, mas isso, neste contexto, nem é mal visto. Veja-se agora o caso da Alemanha. Merkel declarou esta semana ao Financial Times que o proteccionismo é a grande ameaça e apresentou-se como a defensora do tal “comércio livre”. Este é sempre uma questão de percepção selectiva alimentada pela ideologia.
A Alemanha, como todos os outros Estados, protegeu o seu sistema financeiro como pôde durante a crise. Isso não é proteccionismo? A Alemanha tenta manter os seus centros estratégicos da economia em mãos nacionais. Isso não é proteccionismo? A Alemanha tem uma tradição neo-mercantilista de valorização da obtenção de excedentes comerciais, que se exprimiu na compressão dos salários dos seus trabalhadores durante um período longo, graças a alterações regressivas nas relações laborais e a outros factores. Isso não é proteccionismo? A Alemanha influencia as regulações europeias para que favoreçam as suas indústrias. Isso não é proteccionismo? O Estado alemão incentivou formas de coordenação para reduzir a destruição de emprego. Isso não é proteccionismo? O modelo renano de capitalismo, que esteve na base da ascensão industrial e do poder de mercado que a Alemanha detém em muitos sectores, baseou-se numa imbricação coordenada entre banca e indústria e num compromisso social, entretanto fragilizado. Isso não foi proteccionismo? E, lembrando um autor alemão do século XIX, List, não nos esqueçamos que o que se designa convencionalmente por comércio livre é o proteccionismo dos que já são fortes...
Os resultados da economia portuguesa, conhecidos na sexta-feira, são razoáveis, embora não se criem empregos a este ritmo e a procura externa seja muito volátil. Os resultados são bons quando comparados com os péssimos resultados dos restantes PIGS. Não nos esqueçamos que só muito tarde é que Portugal, instigado pelos economistas de Belém, que agem como se fossem porta-vozes de Merkel e dos “mercados”, decidiu imitar as irracionais políticas de austeridade que esses países adoptaram de forma pioneira. Acho que isto ainda se vê nos resultados económicos contrastantes, mas a recuperação pode estar prestes a acabar graças precisamente à adopção da desgraçada austeridade.
Entretanto, o governador do Banco de Portugal fala de pecado, vício e virtude a propósito da economia portuguesa; um moralismo sinistro que serve, na linha de Cavaco, para legitimar todas as derivas especulativas dos mercados internacionais, os mesmo que colocaram a economia global neste buraco e que esta gente aceita na sua desastrosa configuração liberal apenas porque serve os seus propósitos direitistas. O fundamentalismo de mercado continua nas cabeças de demasiados banqueiros centrais. As declarações deste governador são uma desgraça e fazem, coisa impensável, com que uma pessoa chegue a sentir saudades de Constâncio...
14 comentários:
até pode ser proteccionismo..
mas não é despesismo e falta de contenção
nem investimento não produtivo como os 30 milhões que a câmara do seixal gastou na nova sede
ou os centos de milhões de dólares que o Ceausescu empatou no seu palácio
arrasou-se a economia do país para a sua obra auto-estradas
centos de centros culturais
montava-se muita coisa com esses dinheiros
culpe-se a Alemanha por ter acordado tarde
e por não encontrar soluções?
se ninguém pensou no que fazer depois do apocalipse que era previsto por tantos desde 2006...
quando a bolha da Irlanda rebentou quase ninguém pensou que os USA
estariam para breve
agora é que querem soluções
multidões inseguras reagem lentamente às situações
bem , continuam a discutir o sexo dos anjos. boa sorte. compreendem , concerteza , que são perfeitamente dispensáveis. os economistas de esquerda.é que anjos não existem e a malta sabe. sentido prático não têm nenhum. não se admirem que a europa vire , todinha, à direita.
façam lá um acto de contrição. e pactuem com a realidade. isso se querem continuar a ter lugar no mundo e não virar mitologia anedótica.
Conseguir um crescimento de 1,5% com um défice de 10% é uma política a seguir? A pensar assim até o TGV faz sentido, realmente.
Ao mesmo tempo que se anunciam cortes a torto e a direito, que se destrói o estado social, as nomeações do governo para cargos públicos batem recordes e a culpa política só vai para a sra. Merkel?
Deitar as culpas todas para fora do país ajuda a cortina de fumo do governo de Sócrates.
"(...)a diminuição da procura interna nos países deficitários e a incapacidade dos países excedentários de reduzirem o nível de poupanças e de aumentarem o consumo levará a uma escassez global de procura num contexto de sobre-abundância de capacidade."
Esta frase descreve exactamente o colapso económico da Europa do século XIII, após atingir o tecto de crescimento possibilitado pelo comércio interno, da produção agrícola e das trocas com o Oriente.
Plus ça change...
A senhora Merkel tem é parte da culpa disto:http://estrolabio.blogspot.com/2010/11/atencao-brasil.html
A Monsanto a afrontar o governo brasileiro
"Isto está tudo mal ligado... "
Está, claro que está.
Quando o JR faz uma análise crítica disto e culpa os economistas de Belém e Cavaco, até parece que o PR é quem manda e o Governo é do PSD.
Não é possível escrever com um pouco mais de isenção?
Por exemplo: Não seria esperável que Alegre, candidato que os LB apoiam, dissesse claramente o que fará se for Presidente?
Demite o Governo e convida o PS a formar uma coligação de esquerda com o BE, eventualmente, e desejavelmente com o PCP?
Se Alegre é apoiado pelo BE e pelo PS, o mais óbvio seria, para bem da separação das águas, que defendesse um governo de maioria à esquerda. Não?
E, então, a influência de Belém passaria pelos LB, que apoiam Alegre.
Assim, nada feito. Os LB continuarão envoltos de revolta contra Merkel, Cavaco etc., mas também na própria impotência da sua esquerda de se assumir, como tal, como alternativa de governo.
Porque é aí que a porca torce o rabo: rabujadores por vocação não sabem como agarrar-se ao cachaço do touro e dominá-lo, de caras ou mesmo de cernelha.
Pf, no comentário anterior, no último período, leia "rabejadores"
e não o que lá está.
Caro João Rodrigues
Desculpe o impromptu, mas não resisto, face à sua prosa, a fazer notar que dizer List pode mesmo querer dizer um saco de coisas diversas. Na boca da maistream economics trata-se, é claro, duma palavra feia. É dizer egoísmo nacional, mesquinhez, visão “soma zero” da economia, etc. Verifico, aliás, que o João em parte (só em parte, sim…) “escorregou” para essa visão do assunto, acoplando o pobre List ao papão do “proteccionismo”
Mas também pode querer dizer outras coisas, e bem diversas: maior importância das “forças produtivas” do que dos produtos, por exemplo; ou necessidade de levar em conta em “incrustação” política e cultural da economia, também por exemplo; ou sobretudo a noção de que só pode haver cosmopolitismo razoável, ou “mundialismo”, ou “globalismo” (com ou sem alter), ou “internacionalismo” (bem sei que palavra anda démodée, mas quem sabe…), se por detrás disso houver um saudável patriotismo cívico, de preferência democrático. Sem isso, o tal de cosmopolitismo não passa de ideário “ecuménico” impostor, isto é, imperial – mesmo que (ou sobretudo se) colocando-se do lado do “imperialismo do livre-câmbio”, ou da “globalização” pós-modernosa e pateta, etc., isto é, vindo com falinhas mansas de “atirar fora a escada” depois de ela nos ter servido e por aí fora.
Dito isto, o listianismo de List (e depois dele a maior parte dos outros “listianismos”) sempre se considerou também uma propedêutica dum cosmopolitismo saudável, duma “sociedade de nações” na base da qual houvesse verdadeira igualdade de direitos: sem colonialismos, nem “lideranças”, nem “direito de ingerência”, nem NATOs nem quejandos. Foi isso, creio, que levou o Celso Furtado, notabilíssimo economista brasileiro “desenvolvimentista”, isto é “cepalino”, isto é listiano, a colocar mesmo, como epígrafe duma das suas obras, uns versos do Juan Ramón Jiménez que penso que rezavam (cito de memória) qualquer coisa como isto: pie en la patria/ casual o elegida/ cabeza, corazón en el aire del mundo.
(Continua)
(Continuação)
Entretanto, parece-me também que o que está em causa e é alvo do João são coisas que podem ser tratadas sem apelo à categoria de “listianismo”, seja ela apresentada na versão “lenda negra” (a da mainstream e da “globalização” pós-modernosa) ou na versão “lenda branca”: a dos movimentos anti-colonialistas afro-asiáticos dos anos 50-70, por exemplo, ou a das correntes “desenvolvimentistas” e “US-free” das Américas “south of rio Grande”, também por exemplo.
A ironia disto tudo é que o coitado List pensou a seu tempo sobretudo em algo que, renovando o “bloqueio continental” de Napoleão o grande (o tio), isto é, a protecção bonapartista à “infant industry” europeia continental contra a invasão dos produtos britânicos, fosse também factor de concertação e “entente” franco-alemã nas relações diplomáticas e militares do seu tempo. Finalmente: da UE no que ela tem de melhor.
Como se sabe, ou deve saber, esse é um sonho que se desmoronou por completo: temos desde logo o cavalo de Tróia britânico, entretanto transformado em instrumento do “Grão Império” (retiro esta fórmula dum poema de Jorge de Sena) de além-Atlântico; temos os PIGS, cada qual mais enfraquecido que os outros e sorrindo cada um deles ao tal “Grão Império” com sonhos de este o querer transformar em “aliado preferencial”, isto é, finalmente transformados em instrumentos de “alavancamento” negocial dos EUA com a própria UE; temos os “países satélites” (já empobrecidos pela “transição para o mercado” e agora de novo particularmente debilitados pela crise) com a sua notória e patética russofobia e a sua reconhecida inclinação para as “guerras dos pigmeus” (veja-se a Polónia, por exemplo, mais prestosa ainda do que nós a ajudar na “democratização” do Iraque, do Afeganistão, do Irão e do que mais os norte-americanos queiram “democratizar”); temos, também, a arquitectura política do “europeísmo real”, que permite não apenas agir sem a chatice de ter de ir a votos (desse ponto de vista a UE transformou-se, por comparação com os EUA, num paraíso Buchananiano-Olsoniano de ausência de “ciclo eleitoral”: daí o comparativo keynesianismo dos ianques – o tempora, o mores!...), como ainda está armadilhada de cima abaixo para garantir a perpétua “corrida de ratos” (ou nivelamento por baixo) em matéria de níveis salariais, de imposição fiscal e de intervenção económica estatal, etc.; e temos, enfim, a NATO, isto é, o atrelamento formal da maralha toda ao detentor inequívoco da “leadership” política e militar à escala global (aí sim, mesmo “global”)…
Bem, como se vê, o ambiente geral é pouco menos que desolador. Ao pé disto, valham-nos talvez os chineses. Talvez à China se possa aplicar o que Churchill disse um dia da Rússia: é uma adivinha, envolta num mistério, dentro dum enigma… Não creio, entretanto, que seja necessário subscrever todas as ideias do Giovanni Arrighi de Adam Smith in Beijing para compreender o David Bowie: “I’m a mess without my little China girl” e por aí fora. Bom, mas o post já vai mesmo decididamente grande demais: “… and when I get excited, my little China girl says: Oh baby, just you shut your mouth, she says. Shhhh!, she says: Shhhh!...
Está bem, pronto. Eu calo-me.
Aqui:
"Três mil e quinhentos milhões de euros. É um valor quase igual a dois pacotes de austeridade, como o previsto no Orçamento do Estado. É quanto vai custar a linha de TGV até ao Poceirão. O governo tem anunciado uma despesa inferior a metade, mas é desmentido pelo maior especialista português em auditoria a este tipo de contratos. (...)
Custe o que custar, nos termos do contrato, o Estado garante à concessionária lucros de 12 por cento.
O advogado Tiago Caiado Guerreiro não tem dúvidas, se o ministro fosse um gestor privado seria processado e demitido pelos accionistas."
E depois andamos preocupados com a Sra. Merkel.
Continuem a defender a Sra. Merkel e respectivas políticas assassinas de Portugal.
No tempo de Hitler, houve sempre imensos alemães a defendê-lo...
Já no tempo de Hitler os males de Portugal vinham mais da ditadura nacional do que dos nazis.
Agora a Sra. Merkel serve para quem fica no conforto de criticar o capitalismo estrangeiro ao mesmo tempo que, no parlamento, dá a mão, o pé e tudo o mais ao capitalismo nacional.
Carlos Albuquerque,
Acredite-me que darei, além dos 10% de redução do ordenado, o congelamento da promoção que há dois anos se comprometeram a dar-me em Janeiro de 2011, mais 45E mensais de redução em subsídio de alimentação, mais o prémio de produtividade pelo trabalho que realizei em 2010 e mais... e mais e mais (subsídio escolar para os meus filhos, etc) e acredite que não lhes dei a mão, o pé e o que mais possa supor "no conforto dos assentos parlamentares".
Por mim, eram corridos (mas não a tiro, porque acredito estarmos - ainda - a viver num Estado democrático)...
Não foi Cavaco Silva, enquanto PM, que, estando a Segurança Social tecnicamente falida, concedeu aos reformados um "subsídio de férias" e um "subsídio de Natal"?
Por esses milhões de €€€ Sócrates é responsável?
Não foi Cavaco Silva o amigo de Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Arlindo de Cravlho que permitiu o "nascimento" do BPN?
Pelos milhões (já se fala em 4!)que tem custado a "recuperação directa" do BPN pela CGD (fora os muitos milhões de que, alegadamente, se apropriaram aqueles "personagens"), Sócrates é responsável?
Admito que Sócrates seja responsável por outros "desmandos", mas o meu ponto é o de que se não fossem os "desmandos" anteriores, o amolecimento e apodrecimento da ética na política, e o nosso presente podia ser diferente.
Enviar um comentário